A Lei 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), chega aos dez anos de vigência nesta segunda-feira (16) mais ameaçada do que nunca. Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco consideram que o governo Bolsonaro tenta esvaziar a legislação criada para aumentar o poder de fiscalização da sociedade e coibir a corrupção e a ineficiência na administração pública. O texto aprovado pelo Congresso em 2011 demandou uma década de debates.
Entre as várias iniciativas do governo para minar a LAI estão o decreto que aumentou o número de autoridades com poder para determinar se uma informação é sigilosa, a norma que pretendia eliminar conselhos consultivos de políticas setoriais e a tentativa de suspender o prazo limite para responder às demandas.
“Além das medidas formais tomadas nesta gestão, que, se tivessem prosperado, teriam enfraquecido a LAI, tem-se as seguidas negativas de acesso a informações sob argumentos descabidos e por meio da aplicação indevida de sigilos. Isso tudo afeta diretamente a transparência no governo federal, e também sinaliza aos níveis locais que o sigilo, ou a opacidade, são um caminho possível – e até válido”, observa a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji. “Sem esquecer, ainda, do enfraquecimento da gestão da informação e de documentos, seja pela desvalorização do Arquivo Nacional, seja pela pouca atenção ao tema dentro dos órgãos”, acrescenta Marina.
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A LAI permite que qualquer cidadão solicite dados da administração pública federal, estadual ou municipal, dos três poderes. O órgão público tem até 20 dias para responder aos questionamentos. Esse período pode ser renovável por mais dez dias. Em caso de negativa, é possível recorrer ao próprio órgão ou a instâncias superiores, como a Controladoria Geral da União (CGU).
Para Fabiano Angélico, autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático, a ofensiva do governo contra a transparência não se restringe à LAI.
“A LAI está sob ameaça, assim como várias outras políticas e práticas de transparência, como a Lei Complementar 131, de 2009, que alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal para dar mais transparência ao orçamento – e o que estamos presenciando é o ‘orçamento secreto'”, avalia Angélico, que é especialista em transparência e integridade e pesquisador da Universitá della Svizzera Italiana, da Suíça.
PublicidadeDe acordo com Fabiano Angélico, os retrocessos em relação à transparência são enormes no governo Bolsonaro, porque operam a partir de quatro frentes coordenadas: a narrativa, a política, a normativa e a interpretativa.
No caso da primeira frente, segundo o especialista, prevalece a “demonização da crítica”, com as tentativas reiteradas de desqualificação da imprensa e de intelectuais por parte do governo.
“Ao atacar violentamente quaisquer críticas e deslegitimar os críticos, principalmente imprensa e intelectuais, o governo Bolsonaro promove retrocessos graves na transparência. Isso porque as informações tornadas públicas são importantes se são usadas no diálogo público e na crítica construtiva. A informação pública é crucial não pela informação em si, crua. Mas pela análise que ela proporciona. E se os analistas não podem criticar, o transparência fica comprometida. E o recado que o governo passa a sua burocracia é: os intermediários da informação são nossos inimigos”, diz.
Segundo Angélico, o governo usa de aliados fiéis e amigos em postos-chave para blindar a informação e reforçar a opacidade de atos que são de interesse público. “Isso reforça a mensagem contra a transparência”, diz o especialista, em relação à frente política adotada pelo governo.
Quanto à ofensiva normativa, explica Angélico, o governo tenta de maneira sistemática reduzir o alcance da LAI e de outras normas de transparência e de participação social. “Muitas vezes consegue, como o revogaço que destruiu vários espaços formais de participação da sociedade em discussões de políticas públicas.”
O especialista explica que o governo também se aproveita do direito à interpretação para delimitar onde começa o sigilo. “Segundo a LAI, a transparência é a regra, e o sigilo é a exceção. Mas como os governos lidam com uma enormidade de dados, informações e documentos, nem sempre é fácil delimitar onde começa o sigilo”, considera.
De acordo com ele, o governo tem usado até a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para dificultar o acesso da sociedade a informações que deveriam ser públicas. “Num governo anti-transparência, toda a interpretação será pela opacidade. Ainda mais que agentes políticos e burocratas estão avisados que essa é a diretriz política do governo. Até a LGPD, uma lei necessária e bem intencionada, está sendo sistematicamente usada nesse sentido”, afirma.
Para Marina Atoji, o terceiro setor e a imprensa podem contribuir para impedir retrocessos pretendidos pelo governo. “Expor constantemente as ações contra a transparência e a LAI, demonstrando os efeitos negativos delas para a sociedade. É algo que a imprensa e o terceiro setor têm feito, e em alguns casos ajudou a reverter retrocessos ou tentativas de esconder dados”, considera.
Conforme a Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação, do governo federal, foram apresentados mais de 1,1 milhão de solicitações de informações ao longo dos dez anos de vigência da LAI. De 2013 a 2021, o crescimento anual de solicitações é de 35%. Segundo dados do governo federal, 68,7% dos pedidos foram atendidos e 8% negados.
Em 2019 a Presidência da República se recusou a divulgar exames segundo os quais o presidente Bolsonaro teria testado negativo para o novo coronavírus. Os exames só foram divulgados após batalha judicial com o jornal O Estado de S.Paulo.
No mês passado, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) negou acesso aos registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de pastores acusados de cobrarem propina de prefeitos para liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Depois da repercussão negativa, o órgão liberou os dados.
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