A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) comprou os direitos para o jogo Brasil x Peru, válido pelas eliminatórias da Copa de 2022 – mas os cedeu, de graça, à TV Brasil. Além do protocolar “interesse” em dar visibilidade ao jogo, outra razão convenceu a CBF a fazer o acordo: havia a obrigação de se transmitir os jogos em ao menos um canal de TV aberto, como manda a Lei Pelé.
É o que mostram contratos e pareceres jurídicos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), obtidos pelo Congresso em Foco por meio da Lei de Acesso à Informação. Firmado poucas horas antes do jogo, o contrato previu que a CBF cederia o “sinal de satélite limpo” de uma transmissão avaliada em até US$ 2,5 milhões (R$ 13,6 milhões), cabendo apenas inserção de comentários, narração e de elementos gráficos por parte da TV.
Leia abaixo os contratos, pareceres e ofícios disponibilizados pela EBC:
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A EBC enviou à reportagem, como resposta à solicitação, dois documentos, totalizando 132 páginas. Na visualização acima, o Congresso em Foco suprimiu a parte preliminar dos arquivos para melhor compreensão, retirando o estatuto da CBF e outros documentos protocolares necessários para a assinatura do contrato com o poder público. A resposta da EBC, em sua integralidade e em uma única parte, pode ser acessada aqui.
O acordo entre a confederação e a empresa estatal se deu no dia do jogo – 14 de outubro – pouco menos de duas horas antes do início da transmissão. A negociação contou com a interferência direta do presidente Jair Bolsonaro e de Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto e atual secretário especial do Ministério das Comunicações.
Após uma mudança de regra recente, caberia à federação do país mandante do jogo, neste caso a peruana, definir os valores pela transmissão. Até o dia do jogo, a Rede Globo, tradicional transmissora das partidas, não tinha aceitado os valores oferecidos pela espanhola Mediapro – que também detém os direitos das Eliminatórias. Assim como a Globo, nenhuma outra emissora havia concordado com os valores, considerados altos demais com a atual cotação do dólar. Havia a possibilidade, naquele outubro, de que o jogo não fosse transmitido.
Segundo a EBC, havia ainda a preocupação legal da CBF: uma alteração feita em 2000 na Lei Pelé, determina que todos os jogos das seleções brasileiras de futebol, em competições oficiais, devem ser exibidos, pelo menos, em uma rede nacional de televisão aberta, com transmissão ao vivo, inclusive para as cidades brasileiras nas quais as partidas estejam sendo realizadas. Não transmitir poderia fazer com que se descumprisse a Lei, ao não garantir a transmissão da partida em sinal aberto.
Por isso, a solução apresentada às pressas foi aceita. “A aquisição dos direitos de transmissão da partida se dará sem desembolso direto de recursos financeiros pela EBC. Contudo, em contrapartida, a concessão desses direitos está relacionada à veiculação na grade de programação da TV Brasil e Rede Nacional de Comunicação Pública”, escreveu o diretor-geral da EBC, o coronel Roni Baksys, em um ofício ainda no dia 13. “A transmissão é de interesse da Confederação tanto para cumprir o dispositivo legal, citado acima, quanto para dar visibilidade à seleção nacional de futebol.”
O Congresso em Foco buscou a CBF, mas ainda não obteve retorno. O espaço permanece aberto à manifestação.
O jogo, vencido pelo Brasil por 4 a 2, foi considerado um sucesso de audiência para o canal, que registrou a maior audiência em seus 13 anos no ar. A transmissão gerou críticas pelo tom ufanista da narração, e por comentários elogiosos ao presidente Jair Bolsonaro e ao governo federal. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal considerou que a saudação feita ao presidente durante a transmissão pode configurar ato de improbidade administrativa.
Apesar dos documentos mostrarem que houve uma aprovação quase sem ressalvas do departamento jurídico pela transmissão, e que houve a apresentação de documentos por parte da confederação, não fica claro em nenhum momento dos arquivos por que a CBF cedeu gratuitamente a transmissão de valor milionário à EBC, e não a outros canais que também poderiam transmitir o jogo a todo o Brasil.
Como os direitos foram negociados por emissoras com a federação peruana, sem sucesso, a CBF comprou os direitos da transmissão – provavelmente por um valor menor ao pedido para a Rede Globo, uma vez que o contrato seria para transmissão em TV pública e pelo site da Confederação. A escolha pela TV Brasil teria sido pela sua amplitude de cobertura, e só teria ocorrido pela CBF após a desistência dos canais de comprar os direitos com a federação peruana.
A Lei Pelé diz que “as empresas de televisão de comum acordo, ou por rodízio, ou por arbitramento” caso não haja interesse pela transmissão, cabe às entidades de prática desportiva o direito à transmissão e retransmissão. Com a cessão gratuita, outros canais poderiam demonstrar interesse – inclusive aqueles que têm alcance em locais onde a TV Brasil não chega. A TV estatal só é acessível em estados como Tocantins e Acre por meio de antenas parabólicas, já que não está em sinal de TV aberta.
Na noite desta terça-feira (17), o Brasil enfrenta o Uruguai, em Montevidéu. A Globo novamente não entrou em acordo com a Mediapro e não irá transmitir a partida – por ora disponível apenas na TV a cabo. Com a experiência do mês passado, ainda há tempo hábil para nova manobra.
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