A deputada do PSL que acusa o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), de comandar um esquema de candidaturas laranjas para desviar dinheiro público de campanha eleitoral, é uma estreante na vida política-partidária. Antes de chegar à Câmara, em fevereiro, a advogada e perita contábil Alê Silva (MG) participou de protestos de rua, como as manifestações de 2013, e integrou movimentos de combate à corrupção. Por isso, segundo ela, se viu na obrigação de denunciar o colega de estado e partido ao constatar que as irregularidades aconteciam do lado dela.
Para Alê Silva, uma dívida de gratidão com o ministro explica por que o presidente Jair Bolsonaro decidiu mantê-lo no governo, mesmo após a denúncia feita pelo Ministério Público Eleitoral contra ele e o seu indiciamento pela Polícia Federal, ocorridos entre essa quinta (3) e sexta-feira (4).
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“Não fico frustrada porque nunca pedi a queda do ministro. Para mim, se ele fica no cargo ou não, não muda nada. Na minha opinião pessoal, Bolsonaro deve ter uma dívida de gratidão com o Marcelo, porque ele o carregou no dia da facada. Acredito nisso”, disse a deputada ao Congresso em Foco.
Segundo ela, o avanço das investigações contra o companheiro de partido está longe de confortá-la. “Quero esclarecer que não estou feliz. A gente fica magoada e triste por ver isso acontecer com pessoas próximas. O ideal é que isso não tivesse acontecendo com meu partido nem com ninguém. Feliz não estou. Mas se a gente quer dar exemplo, tem de buscar a Justiça. Tem dinheiro público envolvido. Se eu me calasse, seria conivente”, explicou.
Prestigiado no cargo
PublicidadeEleito presidente com discurso de tolerância zero com a corrupção, Bolsonaro afirmou que vai esperar o andamento das investigações. Por enquanto, o ministro está mantido no cargo. Marcelo era presidente do PSL em Minas Gerais nas eleições passadas e acompanhava Bolsonaro em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018, quando o então candidato foi esfaqueado pelo desempregado Adélio Bispo.
Em nota divulgada nessa sexta por sua assessoria (veja a íntegra mais abaixo), o ministro “reafirma sua confiança na Justiça e reforça sua convicção de que a verdade prevalecerá e sua inocência será comprovada”. Ele alega que é vítima de uma campanha difamatória.
No início do ano, Alê reuniu indícios de que quatro candidatas do PSL de Minas Gerais na eleição passada foram usadas como laranjas. Com candidaturas fictícias, sem fazer campanha, elas receberam dinheiro público e pagaram despesas de outros candidatos, inclusive de Marcelo Álvaro Antônio, conforme apontam as investigações. De acordo com a denúncia do Ministério Público Eleitoral, mais de R$ 260 mil foram desviados pelo esquema. Além do ministro, outras dez pessoas foram denunciadas.
“Minha expectativa já era de que haveria indiciamento e denúncia, porque as provas que enviamos à Polícia Federal são contundentes. Eles investigaram mais a fundo e chegaram a alguns nomes que eu desconhecia”, afirmou.
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Ameaça de morte
Em abril deste ano, Alê foi à PF para acusar Marcelo de ameaçá-la de morte. Ela contou que havia se tornado alvo de ataques nas redes sociais promovidos por aliados do ministro e que recebeu relatos de que ele prometera matá-la durante reunião com partidários.
Segundo a deputada, a maior parte do PSL a abandonou e preferiu apoiar o ministro, ignorando o discurso de combate à corrupção que ajudou a eleger a maioria de seus candidatos. Nem Bolsonaro nem o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PE), prestaram solidariedade a ela. “O PSL ficou mais do lado do Marcelo, com certeza. Poucos se manifestaram em minha defesa. A maioria diz que vai aguardar os trâmites legais para ver se fica configurado ou não que ele cometeu crime. Sempre fiquei muito à margem de tudo”, acrescentou.
O apoio mais explícito a ela veio da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que cobrou, na época, que Bolsonaro afastasse Marcelo do governo e mostrasse que se importa com as mulheres do partido. O apelo da deputada mais votada da história do país, com mais de 2 milhões de votos, não sensibilizou o presidente.
Telefonei para a Deputada, que não para de chorar! Como é que pode uma situação dessas e o Presidente não tomar providências? Não pode! O afastamento do Ministro não implicará atribuição de culpa, apenas um sinal de que o Presidente se importa com as mulheres de seu partido.
— Janaina Paschoal (@JanainaDoBrasil) April 13, 2019
Encontro com Bolsonaro
Mesmo sem ter apoio do presidente, Alê Silva diz não estar decepcionada com Bolsonaro. “Minha relação com o governo é muito boa. Sempre fui muito bem recebida na Casa Civil, nos ministérios. O próprio Bolsonaro recebeu a mim, meu chefe de gabinete e um piloto de Fórmula 3 que é nosso amigo. Prefiro manter boa relação com o governo e continuar o meu trabalho aqui, que é muito importante”, justificou.
Depois de acionar a PF e a Procuradoria-Geral da República contra Marcelo Alvaro Antonio, as ameaças pararam, segundo ela. “Não tenho mais medo. Acredito que não tenham coragem de fazer algo contra mim.”
A despeito do desgaste interno, Alê Silva afirma que não tem planos imediatos de deixar o partido. Seu receio é perder o mandato por infidelidade partidária. Por isso, pretende esperar a abertura do prazo legal para mudar de legenda. No caso dos deputados, essa brecha só vai se abrir em 2021, último ano da legislatura. “Esse é o meu problema. Vou ter de esperar até a primeira janela partidária para poder sair”, contou.
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Conservadora e cristã
Alê Silva se elegeu com mais de 48 mil votos na onda que levou Bolsonaro à Presidência da República. “Conservadora, cristã e idealizadora de um Estado Mínimo, tem como pauta principal de seus discursos a questão relacionada à segurança pública e à preservação da família”, dizia seu material de campanha. Moradora de Coronel Fabriciano (MG), conquistou a quase totalidade de seus votos na própria região, o Vale do Aço, onde chegou em 1995.
Nascida 45 anos atrás em Petrópolis (RJ), Alê foi adotada aos sete anos de idade por um casal de origem alemã que a levou para o interior de Santa Catarina. Morando no campo, estudou apenas até o quarto ano do ensino fundamental porque seus pais não tinham condições de mantê-la na cidade. Só voltou a estudar aos 16. Trabalhou, então, como agricultora, empregada doméstica, operadora de caixa, projetista e secretária.
A deputada diz que está acostumada a lidar com adversidades. “Isso faz parte do jogo. Entrei em um campo em que não conhecia as pessoas. A decepção faz parte da vida. A gente se agrada de algumas pessoas e se desagrada de outras. Mas não há nada que impeça minha luta. Um dia a gente ganha, no outro a gente apanha. Isso é normal”, afirmou.
Quanto às denúncias contra o ministro Marcelo Álvaro Antônio, Alê diz ter feito sua parte. “Se a Justiça avaliar as provas como a PF fez, acredito que ele será condenado. Ainda há um caminho longo pela frente. Foi só um indiciamento. Meu papel de cidadã eu cumpri. Agora eles é que vão ter de dar continuidade”, ressaltou.
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A acusação e a defesa
Para que Marcelo vire réu, condição que pode tornar insustentável sua permanência no governo, a Justiça terá de aceitar a denúncia feita pelo Ministério Público Eleitoral contra ele pelos crimes de falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral e associação criminosa. Na esfera criminal ele foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa.
De acordo com as investigações, o PSL mineiro, à época presidido pelo atual ministro do Turismo, utilizou candidaturas femininas de fachada para ter acesso a verbas do fundo eleitoral destinado às candidatas. Por lei, 30% das vagas e dos recursos devem ser repassados a mulheres que disputam a eleição pelo partido. Mas os investigadores concluíram que parte desse dinheiro foi parar em empresas ligadas a assessores de Marcelo. Ele foi o deputado mais votado de Minas Gerais no ano passado.
Reportagem publicada no início do ano pela Folha de S.Paulo informava que quatro candidatas do PSL em Minas haviam ganhado R$ 279 mil do comando nacional do partido. Cada uma delas, porém, recebeu menos de mil votos. Desse total, R$ 85 mil foram usados na contratação de serviços de quatro empresas ligadas a assessores do ministro.
Depois da reportagem, uma mulher contou à polícia que foi convidada por Marcelo Alvaro Antonio a se candidatar a deputada estadual com o compromisso de fazer os repasses a determinadas empresas. Seu material de campanha reunia 25 mil santinhos de propaganda com o então candidato. As investigações levaram à Operação Sufrágio Ostentação, que resultou na prisão de dois assessores de Marcelo Alvaro Antonio e em buscas e apreensões na sede do partido em Belo Horizonte e empresas suspeitas de envolvimento no esquema.
Veja a íntegra da nota divulgada nessa sexta pelo Ministério do Turismo:
“O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ainda não foi notificado oficialmente da decisão, mas reafirma sua confiança na Justiça e reforça sua convicção de que a verdade prevalecerá e sua inocência será comprovada. Assim como vem declarando desde o início da investigação, que teve como base uma campanha difamatória e mentirosa, o ministro reitera que não cometeu qualquer irregularidade na campanha eleitoral de 2018. O ministro está focado em seu trabalho à frente do Ministério do Turismo e segue sua agenda normalmente.”
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Quem são as 4 candidatas laranjas, quanto dinheiro foi destinado a cada uma, e quantos votos cada uma delas teve? É importante para se estabelecer uma linha de corte. A partir desses dados se poderá verificar todos(as) candidatos(as) em todo Brasil que foram usados como “laranjas”.