Continuando a discussão sobre o ensaio Vivendo no Fim dos Tempos, de Slavoj Zizek (Boitempo, São Paulo), sem dúvida um dos melhores lançamentos de 2012, desta vez vamos tratar da crise ecológica sob a perspectiva zizequiana, e não lhe falta a citação de autores de obras basilares sobre o tema, como The Climate of History: Four Theses, de Dipesh Chakrabarty.
Aqui, a pergunta fundamental que se coloca é: como pensar o vínculo entre a história social do capital e as megamudanças geológicas das condições de vida na Terra? Segundo o autor, ao contrário da guerra nuclear, que resultaria de uma decisão consciente dum agente específico, a mudança climática “é uma consequência não intencional da ação humana e mostra, somente por meio da análise científica, o efeito de nossas ações como espécie (humana)”.
Essa ameaça à própria existência da humanidade cria uma nova noção de “nós”, que abrange de fato toda a humanidade. Até porque a mudança climática, refratada pelo capital global, acentuará a lógica da desigualdade que atravessa o domínio do capital; temporariamente, alguns ganharão à custa de outros. Mas, no fim, a extinção será geral.
Diversamente das crises anteriores do capitalismo, aqui não há botes salva-vidas para ricos e privilegiados, a exemplo da seca na Austrália e os recentes incêndios nos bairros ricos da Califórnia. É claro que os parâmetros naturais do meio ambiente são “independentes do capitalismo e do socialismo”; eles são uma ameaça a todos nós, qualquer que seja o desenvolvimento econômico, o sistema político etc.
No entanto, o fato de sua estabilidade ainda ser ameaçada pela dinâmica do capitalismo global tem uma consequência mais grave do que Chakrabarty prevê: temos que admitir que o todo está contido em sua parte. Ou seja, que o destino do todo (a vida na Terra) depende do que acontece no que é, formalmente, uma de suas partes – o modo de produção socioeconômico do ser humano.
É por isso que temos de aceitar o paradoxo de que, na relação entre o antagonismo universal (os parâmetros ameaçados das condições de vida na Terra) e o antagonismo particular (o impasse do capitalismo), a luta fundamental é a particular: só podemos resolver o problema universal (nossa sobrevivência na Terra) se resolvermos primeiro o impasse particular (o modo de produção capitalista).
Ou seja, a chave da crise ecológica não reside na ecologia como tal, formula ousadamente Zizek.
Ele ilustra sua tese observando que a conferência de dezembro de 2009 sobre o combate ao aquecimento global e outras ameaças ecológicas, realizada em Copenhague com os representantes das vinte grandes potências do mundo (G-20), fracassou estrondosamente.
O resultado foi um compromisso vago, sem prazos ou obrigações fixas, muito mais uma declaração de intenções (boas intenções, das quais o inferno está cheio etc.) do que um tratado.
A lição é clara e amarga: as elites políticas estatais servem ao capital, são incapazes e/ou impotentes para controlar e regular o mesmo, nem quando o que está em jogo é a sobrevivência da espécie humana.
Em outras palavras, o que temos a fazer é comparar a reação ao colapso financeiro de setembro de 2008 com a conferência de Copenhague: salvar o planeta do aquecimento global (ou salvar as vítimas da Aids, os doentes sem dinheiro para arcar com o próprio tratamento e cirurgias caras em hospitais, as crianças famintas etc.), tudo isso pode esperar mais um pouco, mas o apelo “Salvem os bancos!” é um imperativo incondicional, que exige e obtém resposta imediata.
O pânico foi absoluto, uma comissão transnacional e apartidária foi imediatamente criada, todos os ressentimentos entre líderes mundiais foram provisoriamente esquecidos para evitar “a catástrofe”.
Em síntese, uma conclusão sem ilusões: podemos nos preocupar o quanto quisermos com a nossa realidade, mas o real da nossa vida é o capital.
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