Já em ritmo de balanço de final de ano, um dos melhores livros de ensaio lançados em 2012 foi este Vivendo no Fim dos Tempos de Slavoj Zizek (Boitempo, S.Paulo), aliás, já resenhado em outra coluna. Esta e a próxima pretendem discuti-lo, fazendo algumas reflexões a respeito, até porque seus temas dão panos para mangas e os dois finais – do ano e dos tempos – se aproximam, literal e metaforicamente.
O ponto de partida da obra é simples (malgrado seja um texto bastante complexo): o sistema capitalista global se aproxima de um ponto zero e seus quatro cavaleiros do Apocalipse são a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas com propriedade intelectual, matérias primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões.
Zizek não só faz uma descrição implacável das catástrofes que nos ameaçam e, ao mesmo tempo, critica o catastrofismo, buscando sempre o ponto onde a história pode ser revertida.
À guisa de exemplo e dica para os prováveis futuros leitores, extraí um fragmento deste livro, no mínimo, instigante:
Sobre Ideologia & Tolerância: “Então, onde está a ideologia? Quando tratamos dum problema indubitavelmente real, a percepção ideológica introduz sua mistificação invisível. Por exemplo: a tolerância designa um problema real. Quando eu a critico, em geral, me perguntam: ‘Mas você não pode ser a favor da intolerância com os estrangeiros, da misoginia, da homofobia?”
Aí está a armadilha: é claro que não sou contra a tolerância em si, mas me oponho às percepções – contemporânea e automática – do racismo como um problema meramente de intolerância. Por que tantos problemas hoje são percebidos como intolerância e não como problemas de desigualdade, exploração ou injustiça? Por que o remédio proposto é a tolerância e não a emancipação, a luta política ou até a luta armada?
A fonte dessa culturalização é advinda dos nefandos estudos culturais, que botam rótulos e mais rótulos politicamente corretos, precisamente para ocultar e fingir que os verdadeiros problemas não existem, a começar da luta de classes, completamente abolidas a partir dos anos 90 e dos finais de tudo de Francis Fukuyama, o cientista lacaio do Pentágono.
A fonte dessa culturalização imbecil é a derrota, o fracasso das soluções políticas, como o Estado social-democrata de bem-estar social ou os vários projetos “socialistas”: a tolerância se tornou seu substituto pós-político.
A “ideologia” é justamente essa redução à “essência”, à supersimplificação de todas as questões (salvo no tocante aos “rótulos”, porque aí a coisa se fragmenta ao infinito, dando lugar também a um pós-nominalismo que não significa absolutamente nada!), redução que se esquece de maneira muito conveniente o “ruído de fundo” que dá a densidade de seu significado real.
Essa supressão do “ruído de fundo” é o próprio cerne do sonho utópico (que dizem ter acabado). Ora, o que esse ruído de fundo transmite é a obscenidade da violência bárbara que sustenta a face pública da lei e da ordem.
É por isso que a tese de Walter Benjamin de que todo monumento à civilização é um monumento à barbárie tem um impacto preciso na própria noção do quê é ser civilizado:
“Ser civilizado significa saber que se é potencialmente um bárbaro”.
E toda a civilização que repudia seu potencial bárbaro (varrendo-o para baixo do tapete) já capitulou diante do barbarismo.
E ele conclui com um verso de Paul Celan dedicado a Brecht:
Que tempos são estes
em que uma conversa
é quase um crime
por incluir o já explícito?
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