Nos últimos dias, ganhou corpo novamente a discussão sobre a natureza do julgamento do mensalão devido à prisão dos dirigentes petistas condenados no processo. Os órgãos de imprensa, tradicionais porta-vozes da direita, “deitam e rolam” sobre o fato. Tentam atribuir a estes dirigentes e ao PT a responsabilidade pela corrupção que é endêmica, parte constitutiva mesmo, da política tradicional no Brasil. Chegam a dizer que “agora as coisas vão melhorar”. Pura hipocrisia!
Muitos ativistas e militantes do movimento, alguns mais novos e outros contemporâneos à época em que Zé Dirceu, Delúbio e Genoino estavam nas lutas do povo, ficam divididos sobre que atitude ter frente ao que está acontecendo. Se, por um lado, condenam a corrupção, por outro lado não podem deixar de enxergar o caráter político que teve o julgamento. Se nem o Maluf está preso, é correta a prisão dos dirigentes petistas? Que fazer em uma situação como esta?
Trata-se de um tema caro à esquerda e à classe trabalhadora brasileira. E que tem sido tratado de forma um tanto quanto capciosa na imprensa e nas redes sociais, ora por defensores dos dirigentes petistas, ora por seus detratores. Queria aqui dar uma opinião que, espero, contribua para a reflexão que todos devemos fazer sobre este assunto.
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Em primeiro lugar, é preciso dizer que não vejo motivos para um trabalhador alegrar-se com a prisão dos dirigentes do PT. O julgamento e a condenação destes dirigentes são as expressões mais agudas do processo de degeneração política vivida pelo PT. As coisas chegaram ao ponto de o partido reproduzir a prática que sempre condenou nas legendas tradicionais, até mesmo nos detalhes mais sórdidos. Ou seja, estamos diante de uma derrota imensa da classe trabalhadora. Uma decepção enorme para todos os que construíram o PT e queriam que ele fosse um instrumento para a luta política dos trabalhadores, para mudar a política e mudar o país, e não para copiar a prática das velhas oligarquias. Ninguém pode se alegrar com uma coisa dessa.
O caráter político do julgamento e dos tribunais
Em segundo lugar, quero dizer que é preciso, sim, combater a hipocrisia e o caráter político do Judiciário brasileiro, do Supremo Tribunal Federal (STF) em particular. Visto sob o prisma da sociedade de classes em que vivemos, os tribunais brasileiros, inclusive o STF, são sim de exceção. A única coisa que é preciso agregar aí é que isso não é de agora. Sempre foi assim.
Os julgamentos no STF, no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e nos TJs (Tribunais de Justiça) estaduais são realizados em função dos interesses das grandes empresas, dos ricos e poderosos. Lembram-se das decisões do TJ de São Paulo e do STJ sobre a ocupação do Pinheirinho? Ou, tomemos outro aspecto: qual a explicação para o fato de as cadeias brasileiras estarem cheias de pobres e negros a não ser exatamente o caráter político da Justiça brasileira, sempre submissa ao grande empresariado?
No julgamento do mensalão, o caráter político do tribunal não se manifestou apenas no ineditismo da condenação de políticos poderosos por corrupção. Também esteve presente em outro aspecto. Os mesmos ministros que condenaram os dirigentes petistas porque teriam comprado votos para aprovar leis no Congresso (reforma da Previdência de Lula em 2003, a lei de Falências, o Super Simples, etc), apressaram-se em dizer que estas leis seguiam vigentes, não seriam anuladas. Qual a razão desta “incoerência” de manter vigentes leis que foram aprovadas na base de uma fraude (votos comprados)? Não há outra razão a não ser o porquê destas leis beneficiarem os bancos e os grandes empresários. Infelizmente, estes aspectos não são denunciados pelos dirigentes petistas. Falam apenas sobre aquilo que os prejudicaram diretamente.
É correta a denúncia que fazem os dirigentes petistas de que outros escândalos de corrupção, como os do PSDB de Minas Gerais ou do DEM no Distrito Federal, não têm sido tratados com o mesmo rigor ou celeridade. Lembram-se do Collor de Melo? Foi cassado por corrupção, mas até agora não há nenhum condenação judicial contra ele. Maluf segue fora da cadeia. Tudo isso, de fato, é um absurdo. No entanto, não se pode combater hipocrisia com hipocrisia.
O preço da aliança de classes com a burguesia
Vamos à terceira questão que quero trazer para reflexão de todos. Zé Dirceu e Genoino foram presos, torturados e perseguidos pela ditadura militar. Delúbio foi um importante dirigente da luta dos professores de Goiás e da CUT. Por estas razões e pelo papel que cumpriram na luta da nossa classe, estes dirigentes conquistaram o respeito de milhares e milhares de ativistas por todo o país. Inclusive, o meu respeito, apesar das diferenças políticas enormes que sempre nos separaram.
No entanto, não é por isso que eles foram condenados e estão sendo presos. Mas sim pela prática de corrupção, desvio de dinheiro público. Verdade que o desvio foi para o partido e não para benefício próprio, mas isso não melhora a situação. O que houve foi que o PT, levado em grande medida por estes dirigentes, decidiu abandonar a defesa da independência política dos trabalhadores que pregava quando foi fundado. Virou as costas para os trabalhadores e resolveu aliar-se ao grande empresariado para chegar ao governo e, depois que assumiu, para governar. Abandonaram a ideia de transformar a sociedade e acabaram por se misturar com o que há de pior na política tradicional brasileira. A aliança política vai de Sarney a Maluf, até Collor de Mello.
Governar com a burguesia implica governar para ela, como demonstra o modelo econômico que os governos do PT aplicaram até hoje. Basta lembrar, para não ir muito longe, que a compra de votos foi para aprovar leis contrárias aos interesses dos trabalhadores, como a reforma da Previdência em 2003. E a prática da corrupção é uma decorrência necessária dessa escolha. Não há governo no capitalismo sem corrupção. Esses dirigentes sabiam disso quando fizeram essa opção.
Assim, não há base para comparação entre a prisão de Genoino e Zé Dirceu na ditadura e agora. Na ditadura, eles foram de fato perseguidos. Eram presos políticos. Lutavam contra a injustiça e a desigualdade da sociedade capitalista e foram vítimas de um regime que não lhes reconhecia o direito de lutar por suas ideias. Agora, estavam apenas reproduzindo uma prática contra a qual lutavam naquele momento, e que é completamente nociva aos trabalhadores. Afinal, a corrupção tira dinheiro da saúde, da educação, da moradia e do saneamento para aumentar lucro de empresas e enriquecer político salafrário.
Ao serem julgados e condenados pelo STF, estes dirigentes perceberam, de forma dolorida é verdade, que não adiantou os enormes serviços que prestaram a grande burguesia brasileira enquanto estiveram no governo. A burguesia os quer como capachos, não como governantes. Este é o significado do julgamento. Iludiram-se os dirigentes petistas se achavam que já estavam aceitos e incorporados ao “andar de cima”.
Compreender isso é importante também para que não fiquem ilusões sobre o papel do STF. Enganam-se aqueles que acham que está em curso uma onda moralizadora da política brasileira pelas mãos dos ministros daquela Corte. Quando muito serão obrigados, por terem condenado os dirigentes petistas, a queimar mais um ou dois bodes expiatórios de outros partidos. Lembremos que se trata do mesmo tribunal que mandou libertar os banqueiros Daniel Dantas e Salvatore Cacciola, o assassino da irmã Dorothy e um longo etc. De lá não virá nenhuma solução para os problemas da política brasileira ou que afligem a vida do povo.
Abandonar nossos sonhos ou lutar para torna-los realidade?
O problema é que os dirigentes petistas e seus defensores querem que aceitemos que aquilo que foi feito pelo partido e seus chefes está certo. Que “não há outra forma” de governar e que, portanto, o que foi feito foi “ação política” e não roubo de dinheiro público. Por isso, insistem sempre que “todos os partidos fazem a mesma coisa”. Isto é pura tergiversação que só mostra até onde vai a hipocrisia desses dirigentes. Aqui, entra a quarta e última questão que quero tratar.
Na verdade, esses dirigentes e seus defensores usam o fato de o STF ter feito julgamento político, da incoerência de não terem julgado até agora o mensalão do PSDB e de que, sim, Maluf e Collor precisariam ir para a cadeia antes dos dirigentes do PT, para tentar passar a ideia de que estão sendo injustiçados, que não deveriam ter sido condenados ou presos. Tentam convencer o povo que os defendam, e aos ativistas e militantes de que são um exemplo de luta e dedicação ao país e à causa dos trabalhadores. Nem uma coisa, nem outra.
Devemos sim lutar contra o que há de injusto nisso tudo. Ou seja, vamos lutar para que sejam julgados e condenados os envolvidos no mensalão do PSDB e do DEM. Vamos lutar para que Maluf, Collor de Mello e tantos outros corruptos que estão na base do governo e da oposição paguem na cadeia pelos seus crimes. Mais, vamos exigir o confisco de todos os seus bens para ressarcir aos cofres públicos o que roubaram. Da mesma forma que precisamos lutar para que o STF anule a reforma da Previdência e outras leis aprovadas na base da compra de votos. Devemos lutar contra a perseguição e criminalização que sofrem os jovens e trabalhadores presos nas manifestações de rua em todo o país. Estes, sim, são presos e perseguidos políticos.
Mas nem por isso podemos ou devemos defender o que esses dirigentes fizeram, menos ainda aceitá-los como exemplo para as nossas lutas. Não estamos frente a presos e perseguidos políticos. Estamos frente a dirigentes que aproveitaram os cargos de governo que ocupavam para fazer corrupção com dinheiro público. Defender o que eles fizeram implicaria fazer como eles: jogar na lata do lixo o sonho de construirmos uma sociedade socialista e igualitária, livre de todas as mazelas do capitalismo, inclusive desse câncer que é a corrupção.
Esses dirigentes, ao fazerem a opção de aliar-se à burguesia, abandonaram esse sonho. Nossa obrigação, o desafio de todos os lutadores honestos, militantes da luta da nossa classe, estejam eles no PT ou não, é o de mostrar a toda a classe trabalhadora e à juventude do nosso país que há, sim, outro caminho. Que não abandonamos nosso sonho, pois com a luta dos trabalhadores e da juventude poderemos transformá-lo em realidade.
Como disse no início, não há por que nos alegrarmos com a prisão dos dirigentes petistas. Estamos diante de uma derrota da nossa classe. Não pela prisão em si. Mas porque ela é a expressão nua e crua do quanto se degenerou um dos partidos mais importantes que a nossa classe construiu na história recente do nosso país. Mas, tampouco, cabe ficar lamentando o destino desses dirigentes ou deste partido. Eles escolheram esse caminho.
Compete, aos que permaneceram na luta, erguer mais alto ainda as bandeiras da independência de classe, do socialismo e da construção de um partido que possa extrair as lições da experiência do PT e aprender com elas. Um partido que possa ser o instrumento político para a luta pela libertação dos trabalhadores e da juventude brasileira das mazelas do capitalismo. Um partido socialista e revolucionário.
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