Segunda-feira passada (15/06), tivemos as comemorações relativas a um dos marcos da história da cidadania no mundo: os 800 anos de promulgação da Carta Magna, na Inglaterra.
Como comentamos aqui, a Carta foi o prenúncio dos direitos fundamentais dos cidadãos, como o de não ser preso sem o devido processo legal, a garantia de acesso à Justiça e algumas limitações ao poder do rei, especialmente contra abusos na cobrança de impostos. Pela primeira vez, tomou-se consciência do quanto o poder absoluto era nefasto para as liberdades individuais do cidadão, em especial a de expressão. Mais que tudo isso, com a Carta Magna nasceu o conceito de “rule of the law”, ou “império da lei”, pelo qual nem o rei poderia estar acima da lei.
Mas, no Brasil e em outras partes do mundo, o princípio fundamental da liberdade de expressão ‑ como no caso das biografias não autorizadas, inquestionavelmente aprovadas pelo Supremo ‑ tem sido sistematicamente ignorado em diversos casos da primeira instância do Judiciário. De certo que qualquer cidadão que se sentir ofendido ou prejudicado em algum grau por informações divulgadas pode buscar reparação na Justiça. Para isto, existe a tipificação dos crimes contra a personalidade estabelecidos no Código Civil ‑ contra a privacidade, a imagem e a honra ‑ e no Código Penal, que são os casos da infâmia, difamação e calúnia. Sobre este aspecto, vale assistir o depoimento do magistrado Antonio José Ferreira Carvalho para o programa Agentes de Cidadania.
E é aí, mais precisamente na Justiça de primeiro grau, que as coisas não têm se desenvolvido conforme preconizado pelo Supremo Tribunal Federal. São inúmeros os casos de abusos dos recursos à Justiça envolvendo censura e liberdade de expressão, especialmente em situações de religião e do jornalismo investigativo, O que até já motivou a criação da expressão “censura judiciária”.
Não existem números definidos para quantificar o tamanho do problema, até porque pode ser tênue a linha entre liberdade de expressão e as figuras jurídicas da difamação, calúnia e injúria. O que parece certo é que nem todos os magistrados vêm concordando com a instância máxima da Justiça brasileira, e as sentenças contra jornalistas e cidadãos comuns têm-se avolumado nos últimos anos.
Para começar esse trabalho de mensuração de um problema tão grave quanto a liberação ou não de publicações impressas, o Instituto Palavra Aberta, numa parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, vai lançar na próxima terça-feira, dia 23/06, a plataforma Crtl + X. O site foi desenvolvido para reunir os pedidos judiciais de remoção de conteúdo feitos a comunicadores e veículos de comunicação no Brasil. Na verdade, é uma extensão da iniciativa “Eleição Transparente”, criada para as eleições de 2014.
O site mostra de forma simples e assustadora o quanto nossos políticos e agremiações políticas se utilizam da Justiça para suprimir conteúdos no mundo virtual, calar críticos e desestimular reflexões sobre temas que lhes sejam incômodos. Uma ferramenta mais que útil para os principais envolvidos ‑ comunicadores, jornalistas, veículos de comunicação, redes sociais, advogados e até mesmo membros do Judiciário – mas também para o cidadão comum, que assim pode facilmente ter um panorama de quem mais move ações judiciais desse tipo, quais são os veículos mais atingidos, os motivos alegados e quais as decisões do Judiciário.
Para Patricia Blanco, do Palavra Aberta, a decisão do Supremo relativa às biografias não autorizadas foi um marco importante, mas é preciso avançar mais: “o temor é que essas ações sejam utilizadas como uma tentativa de censura judicial visando calar profissionais da imprensa, como já vimos ocorrer”.
Vale lembrar aqui o caso do jornalista Lucio Flávio, que vive sob perseguição política e judicial até hoje, desde que começou uma série de reportagens-denúncia contra poderosos empresários de seu estado, o Pará.
Só para se ter uma ideia, o campeão de ações na Justiça para retirada de conteúdos da internet nas eleições passadas foi o PMDB, com 30 processos movidos. Por estados, vieram do Paraná e de Alagoas a maior parte das ações.
A fiscalização por parte da sociedade civil é fundamental para a discussão sobre questões básicas da cidadania, como transparência, moralidade pública, liberdade de expressão e acesso à informação pública. Nesse sentido, o CTRL+X tem tudo para se tornar uma ferramenta crucial nesse processo.
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