Com semanas de atraso desde que foi anunciada a votação, o Senado aprovou há pouco em primeiro e segundo turno (56 votos a 1; e 55 votos a 1) a Proposta de Emenda à Constituição 86/2007, que elimina o voto secreto em sessões que decidem cassação de mandato parlamentar. Apenas o senador Lobão Filho (PMDB-MA) votou contra a proposição, mantendo o que havia dito ao Congresso em Foco em levantamento realizado junto aos 81 senadores sobre sua posição sobre o voto aberto ou secreto em processos por quebra de decoro.
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A matéria, de autoria do líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), tramitava há mais de cinco anos na Casa, e foi aprovada em 2010 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quando o colegiado era presidido pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). Por ironia, Demóstenes, que na ocasião defendeu o voto aberto, será julgado em votação secreta, na próxima quarta-feira (11), por quebra de decoro sob acusação de envolvimento com a quadrilha do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira. O caso levou o senador ao Conselho de Ética do Senado e à instalação da CPI do Cachoeira. O processo contra Demóstenes foi aprovado por unanimidade tanto pelo Conselho de Ética (leia), no último dia 25, como hoje (4), pela CCJ (leia também).
Na época da aprovação da PEC na CCJ, Demóstenes apoiou abertamente a aprovação do voto aberto, inclusive conduzindo com celeridade a sessão de discussão no colegiado. A proposta só retornou à pauta do plenário depois da pressão de um grupo de parlamentares e da opinião pública diante do caso Demóstenes-Cachoeira. Chegou-se até a cogitar a aplicação do voto aberto já para o julgamento da cassação de Demóstenes, como havia dito a este site senadores como Randolfe Rodrigues (Psol-AP), mas seguidos adiamentos da deliberação mantiveram o voto secreto nesse caso, o que dá esperanças de absolvição ao senador goiano – com o voto às escondidas, senadores podem votar a favor do representado sem se desgastar ante à opinião pública; no voto aberto, 15 membros do Conselho de Ética e 22 na CCJ apoiaram a cassação.
Medo de votar
Durante a votação da PEC 86/2007 (leia a íntegra da proposição), a vice-presidente do Senado, Marta Suplicy (PT-SP), precisou quebrar o interstício (prazo regimental) de cinco sessões deliberativas para iniciar a votação da matéria em segundo turno. O processo não durou mais do que 20 minutos. Durante as discussões em plenário, houve questionamento do senador Paulo Paim (PT-RS), autor de proposta mais abrangente, que elimina o voto secreto de toda e qualquer decisão do Parlamento (vetos presidenciais, indicação de autoridades), e não só em casos de cassação. Contrariado, o petista protestou:
Publicidade“Não sei por que o medo do voto secreto em outras situações… Eu estou na Casa há 26 anos – para aqueles que falaram do veto, eu quero lembrar que já apreciamos aqui nesta Casa mais de cinco mil vetos. Sabe quantos foram derrubados? Nenhum. Por que o medo de assumir as suas posições? Por que o parlamentar não pode assumir sua posição em relação ao veto? Ter medo de votar um veto? Então tem que sair da vida pública”, provocou Paim. Nenhum senador o contestou.
A matéria segue para a apreciação da Câmara, onde já há matéria correlata em tramitação – a PEC 349/2001, há mais de dez anos em tramitação, e já aprovada em primeiro turno. Já houve protestos pela aprovação da PEC dentro do plenário e na área externa ao Congresso, ambos os atos promovidos pela Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto. Uma vez em análise do Plenário da Câmara, a PEC 86/2007 repete a tramitação do Senado (votação em dois turnos, com interstício) e, em caso de nova aprovação, é promulgada pelo Congresso. São necessários os votos de 49 senadores e 308 deputados (três quintos de cada Casa legislativa) para uma PEC seja validada.
Confira a lista dos 274 deputados e dos 11 senadores que integram a Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto (leia mais sobre o movimento).
Lacuna
Em tempo: depois da sessão da CCJ que confirmou o encaminhamento da cassação de Demóstenes ao plenário, o senador chegou a fazer inscrição na lista de oradores na tribuna, antes do início da ordem do dia, dando consecução à prometida série de oito discursos diários até o dia da votação secreta (próxima quarta-feira, 11). Mas, depois de a senadora Marta Suplicy tem classificado como “patologia” a insistência de Demóstenes em se dizer inocente (leia mais aqui também), e diante da pauta de votações lotada, o senador desistiu de discursar. A ordem do dia foi encerrada por volta da 20h30.