VEJA
O poderoso chefão
O ex-ministro José Dirceu mantém um “gabinete” num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma. José Dirceu mostra que ainda manda em Brasília.
Resumo publicado na coluna de Reinaldo Azevedo, da própria Veja:
“Anotem alguns nomes cargos e dia do encontro:
– Fernando Pimentel, Ministro da Indústria e Comércio (8/6);
– José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras (6/6);
Publicidade– Walter Pinheiro, senador (PT-BA) – (7/6);
– Lindberg Farias, senador (PT-RJ) – (7/6);
– Delcídio Amaral, senador (PT-MS) – (7/6);
– Eduardo Braga, senador (PMDB-AM) – (8/6);
– Devanir Ribeiro, deputado (PT-SP) – (7/6);
– Candido Vaccarezza, líder do governo na Câmara (PT-SP) – (8/6);
– Eduardo Gomes, deputado (PSDB-TO) – (8/6);
– Eduardo Siqueira Campos, ex-senador (PSDB-TO) – (8/6)
Esses são alguns dos convivas de Dirceu, recebidos, atenção!, em apenas 3 dias — entre 6 e 8 de junho deste ano. Leiam a reportagem porque há eventos importantes nesse período. É o auge da crise que colheu Antonio Palocci. Ele caiu, é verdade, por seus próprios méritos — não conseguiu explicar de modo convincente o seu meteórico enriquecimento. Mas, agora, dá para saber que também havia a mão que balançava o berço. Uma parte da bancada de senadores do PT tentou redigir uma espécie de manifesto em defesa do ministro, mas encontrou uma forte resistência de um trio: Delcídio Amaral, Walter Pinheiro e Lindbergh Farias – os três que foram ao encontro de Dirceu no tarde no dia 7. À noite, Palocci pediu demissão.
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Dirceu, então, mobilizou a turma para tentar emplacar o nome de Cândido Vaccarezza para a Casa Civil. O próprio deputado foi ao hotel no dia 8, às 11h07. Naquela manhã, às 8h58, Fernando Pimentel já havia comparecido para o beija-mão. A mobilização, no entanto, se revelou inútil. Dilma já havia decidido nomear Gleisi Hoffmann.
VEJA conversou com todos esses ilustres. Afinal de contas, qual era a sua agenda com Dirceu? Gabrielli, o presidente da Petrobras, naquele seu estilo “sou bruto mesmo, e daí?”, respondeu: “Sou amigo dele há muito tempo e não tenho de comentar isso”. Não teria não fosse a Petrobras uma empresa mista, gerida como estatal, e não exercesse ele um cargo que é, de fato, político. Não teria não fosse Zé Dirceu consultor de empresas de petróleo e gás. Dilma não tem a menor simpatia por ele, e Palocci já o havia colocado na marca do pênalti. Mais um pouco de interiores?”
Ministério
Parlamentar diz que foi ameaçado no gabinete do ministro
São Paulo
Deputados a favor do crime
Estaleiros
Navio da era Lula está cheio de problemas
ISTOÉ
Ideli, o assessor e as ONGs
A ministra direcionou emendas para entidade ligada a funcionário de seu gabinete e para organizações acusadas pela PF de desviar recursos públicos. Ela também terá que explicar no Congresso seu empenho para manter no DnIt um afilhado investigado pelo TCU
As gravações de conversas telefônicas que mostram o empenho da então ministra da Pesca, Ideli Salvatti, para manter João José dos Santos no cargo de superintendente do DNIT de Santa Catarina, reveladas na ultima edição de ISTOÉ, mobilizaram deputados e senadores. Os parlamentares querem que a atual ministra das Relações Institucionais explique com detalhes seus movimentos em favor de um afilhado que, segundo demonstrou a reportagem de ISTOÉ, é apontado pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público como um dos responsáveis por obras irregulares, com suspeita de superfaturamento e licitação dirigida. Na terça-feira 23, a bancada do PSDB apresentou um requerimento à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara pedindo a convocação da ministra e também de Santos. “É inaceitável que uma ministra faça a defesa de um sujeito que esteja envolvido em investigações sobre o desvio de dinheiro público”, afirma o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que também é procurador da República. “Precisamos saber quais os reais motivos que levaram a ministra a defender o superintendente do Dnit em Santa Catarina.”
Além das articulações em favor de Santos, a ministra Ideli Salvatti deverá comparecer ao Congresso nas próximas semanas para explicar suas relações com Organizações Não Governamentais ligadas à agricultura familiar em Santa Catarina. Um levantamento das emendas parlamentares assinadas por ela quando senadora, entre 2003 e 2010, que ultrapassam R$ 60 milhões, revela que parte desses recursos beneficiou entidades comandadas por pessoas já investigadas, indiciadas pela Polícia Federal e acusadas de corrupção. A senadora também direcionou emendas a uma ONG que tem como sócio Claudionor de Macedo, funcionário de seu gabinete no Senado e posteriormente coordenador de sua campanha para o governo catarinense no ano passado. “São fatos gravíssimos que merecem uma apuração rigorosa, pois há risco de que verbas públicas tenham abastecido campanhas políticas do PT”, diz o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), que na sexta-feira 26 protocolou novo requerimento para a convocação da ministra na Comissão de Fiscalização e Controle.
A entidade comandada por Claudionor de Macedo chama-se Centro de Elaborações, Assessoria e Desenvolvimento de Projetos (Cesap). A ONG criada em 2004, foi beneficiada por três emendas parlamentares, duas delas propostas e defendidas por Ideli. A primeira, no valor de R$ 100 mil, paga em 2008 por meio de um convênio com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM). Ao justificar o repasse, a então senadora argumentou de forma genérica a necessidade de “incentivar a autonomia econômica e financeira das mulheres”. Já a segunda emenda, também de R$ 100 mil, foi encaminhada em 2009. Desta vez, Ideli detalhou um pouco mais o objetivo da emenda, que seria para “reduzir as desigualdades entre homens e mulheres, e promover uma cultura não discriminatória”.
Na Junta Comercial de Santa Catarina, no registro da entidade consta que o engenheiro Juares Lorenzon seria seu presidente. Uma consulta no site do Cesap, no entanto, que foi retirado do ar na quarta-feira 24 (mas copiado por ISTOÉ enquanto esteve disponível), revela que Lorenzon é apenas mais um dos vários sócios-efetivos. Entre os sócios-colaboradores está Claudionor de Macedo. Ele entrou nos quadros do Senado por força de um ato secreto e passou a assessorar Ideli. Quando o escândalo dos atos secretos se tornou público, em 2009, Claudionor teve de regularizar a situação funcional e acabou contratado como motorista, função que, oficialmente desempenhava quando Ideli direcionou as emendas no valor de R$ 200 mil. Em julho do ano passado, Claudionor foi promovido a assistente parlamentar, mas nos meses seguintes ficou em Santa Catarina coordenando a campanha eleitoral de Ideli na região serrana. Filiado ao PT, ele conta com o apoio de Ideli para concorrer à Prefeitura de Anita Garibaldi (SC). Também graças à atual ministra das Relações Institucionais, a irmã de Claudionor, Severine Macedo, foi nomeada secretária Nacional da Juventude, ligada diretamente ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
Os padrinhos e suas obras irregulares
ISTOÉ mostra relação promíscua entre parlamentares que apresentaram emendas para projetos condenados pelo TCU e empreiteiras que financiaram suas campanhas
No universo das obras irregulares espalhadas pelo País há um emaranhado de ligações entre empreiteiras e políticos influentes. As empresas dependem de apoio no Congresso para encaminhar emendas de seu interesse e fazer lobby junto ao governo. Em contrapartida, são as primeiras a abrir generosamente seus cofres em época de eleição. Depois de eleitos, os parlamentares tornam-se grandes articuladores em defesa dos repasses de recursos. Levantamento feito por ISTOÉ com base em 161 processos abertos pelo Tribunal de Contas da União, referentes à manutenção das rodovias nacionais, mostra que pelo menos seis deputados e senadores – padrinhos de obras com irregularidades graves – engordaram caixas de campanha graças a doações das empreiteiras responsáveis por esses projetos.
O deputado Edson Giroto (PR-MS) é um exemplo dessas relações contaminadas. Depois de atuar como secretário de infraestrutura em seu Estado, foi eleito com a bandeira que criou condições para a construção do Terminal Intermodal no Mato Grosso do Sul, além da promessa de levantar ainda mais recursos em Brasília. Orçada em R$ 26 milhões, a obra foi enquadrada pelos auditores por sobrepreço e falhas na fiscalização realizada pelo Ministério dos Transportes. Enquanto as empresas envolvidas tentavam se explicar e sanar as irregularidades, Giroto recebeu em sua campanha no ano passado doação de R$ 163 mil da Consegv Planejamento, uma das empreiteiras contratadas. Indagado por ISTOÉ sobre suas relações com a construtora, Giroto preferiu não se pronunciar.
Em Goiás, o esquema de troca de favores também funciona. O orçamento inicial para as obras da BR 060, no trecho Goiânia-Jataí, é estimado em R$ 48 milhões. Segundo o TCU, o prejuízo ao erário causado pelas irregularidades passa de R$ 34 milhões. Os recursos para a BR 060 contam com o apoio e a influência do líder do PTB na Câmara, deputado Jovair Arantes. Coordenador da bancada, ele tem assinado ofícios endereçados a ministros pedindo recursos para a estrada e frequentemente vai aos ministérios fazer os pedidos pessoalmente. Mas não vê nada de mais em seus movimentos. “Trata-se de uma articulação normal para conseguir recursos”, diz. Na verdade, Arantes se beneficia com essa atuação. No ano passado, recebeu da empresa Egesa Engenharia R$ 100 mil para sua campanha à Câmara. “Eles doaram porque sou amigo desse pessoal. Sou grato pela ajuda e não nego minhas amizades”, reconhece.
Outro parlamentar que tem atuado na Esplanada a favor de empreiteiras é o senador Jorge Viana (PT-AC). Uma obra que Viana defende com afinco é o anel rodoviário no corredor fronteira-norte na BR-364, no Acre. Orçado em mais de R$ 1 bilhão, o projeto apresentou falhas, como pagamentos indevidos e movimentação irregular da conta do convênio. Duas das empreiteiras contratadas fizeram doações ao comitê da campanha do petista ao Senado. A construtora Etam repassou R$ 100 mil e a Marts, R$ 5 mil. Viana pressiona pela continuidade das obras apadrinhadas, desde o tempo que governou o Acre. Cinco inquéritos foram abertos pela Polícia Federal para apurar denúncias envolvendo as obras na rodovia BR-364. Viana não entra em detalhes, diz apenas que as contas de sua campanha foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.
Battisti, um cidadão do Brasil
Com documento de identidade e CPF em mãos, o ex-terrorista italiano Cesare Battisti começa a viver fora da clandestinidade no litoral paulista
Debaixo da chuva fina e incessante, o italiano Cesare Battisti, 56 anos, caminha tranquilo pelas ruas de uma pequena cidade do litoral paulista. Usando uma jaqueta de couro emprestada pelo dirigente sindical Magno de Carvalho, 64 anos, Battisti esfrega as mãos vigorosamente enquanto fala sobre a região. “Aqui a Mata Atlântica está bem preservada”, diz. “E a pesca é farta, principalmente de tainha” (leia entrevista com Battisti aqui). Depois de ficar mais de quatro anos atrás das grades e apenas dois dias em liberdade na capital paulista, Battisti passa boa parte do tempo caminhando pelas praias e matas das redondezas. Só reclama do frio, na marca dos 12oC na tarde da segunda-feira 22. “Nem pareço italiano”, diz. “Nunca gostei de frio.” Conhecido pelos moradores da cidade como o escritor italiano César – a versão em português de seu primeiro nome –, ele pretendia começar a vida em liberdade na capital paulista, onde chegou na manhã do dia 9 de junho, horas após deixar o presídio da Papuda, em Brasília. Com o prédio onde estava hospedado cercado por jornalistas e alvo de manifestantes contrários à sua permanência no Brasil, o ex-terrorista achou melhor deixar a cidade.
Ainda sem documentos, instalou-se na casa de veraneio que Carvalho mantém há 14 anos e, de lá, começou a organizar seu futuro no País. Por meio de mensagens enviadas pelo computador, ele retoma contatos e trata de agradecer àqueles que foram levar-lhe apoio na cadeia. “O que vivi no Brasil foi surpreendente, supera a típica solidariedade política”, diz. “Pessoas que não me conheciam viajavam de todo o País para me visitar.” Embora uma extensa rede de apoio tenha, de fato, sido criada em torno de Battisti, sua não extradição para a Itália ainda provoca controvérsia. Há 30 anos, ele foi condenado à revelia em seu país de origem como autor de quatro homicídios, ocorridos nos anos 1970, sob a responsabilidade da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).
Poderia ter sido evitado
O Ministério Público exigiu a presença de médicos nos exercícios militares, mas a Marinha ignorou a determinação – 62 fuzileiros foram parar no hospital
Acompanhamento médico em tempo integral. Era clara a recomendação do Ministério Público Militar feita em 31 de maio para os treinamentos mais puxados das Forças Armadas brasileiras. Depois de 17 casos em que militares tiveram graves problemas de saúde nos últimos anos, a procuradora-geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Luz, pretendia evitar que os exaustivos exercícios terminassem em lesões ou em morte. Não foi o que ocorreu no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves (Ciampa), no Rio de Janeiro. Durante o extenuante curso de formação da atual turma de fuzileiros navais, 62 participantes passaram mal e foram internados no dia 17 com sintomas de uma síndrome respiratória. Ao menos nesse caso, a Marinha não seguiu a recomendação da procuradora. O defensor público Daniel Macedo, que acompanha o caso, relatou à ISTOÉ que, apesar de existirem na unidade dois médicos e 19 enfermeiros, todos ficam na enfermaria. “Eles não acompanham os treinamentos”, afirmou Macedo. Deu no que deu.
Ao observar um crescente número de problemas, torturas e até mortes envolvendo os treinamentos, a procuradora-geral resolveu propor aos comandantes das três Forças a adoção de uma série de normas, condições higiênicas e, principalmente, o acompanhamento especializado dessas situações. “O MPM recomenda que médicos devem estar presentes e autorizados à intervenção sempre que verificarem perigo à saúde de algum instruendo”, escreveu a procuradora no documento. De acordo com o MPM, a Marinha foi a última força a se manifestar, mas disse que acataria a indicação. Na recomendação da procuradora, o prazo estipulado era de 90 dias para que as orientações fossem acolhidas. “Vamos investigar se a recomendação foi descumprida”, promete a procuradora. “Tem que apurar se houve omissão.”
ÉPOCA
Os últimos dias de Trípoli
ÉPOCA entrou no quartel-general de Muammar Khadafi antes da queda – e acompanhou de perto os momentos finais dos 42 anos de uma das mais cruéis e sangrentas ditaduras do planeta
Por cima dos ombros do motorista era possível avistar o velocímetro do Mercedes branco S500. O ponteiro, tilitando à direita, já marcava 250 quilômetros por hora. Eram 15h10 do sábado, 20 de agosto, em Trípoli. O luxuoso veículo, com a insígnia da Grande Jamairia Socialista Árabe do Povo Líbio em suas placas, tentava chegar ao aeroporto internacional da cidade. A capital da Líbia estava prestes a cair nas mãos dos rebeldes, no final dos 42 anos da brutal ditadura de Muammar Khadafi. O Mercedes, blindado com especificações militares para atender Khadafi e seus assessores mais próximos, era um dos poucos veículos oficiais que ainda tinham combustível e coragempara rodar na cidade. Em meio a bombas que caíam como confetes, o carro seguia em disparada para garantir a saída do país de oficiais líbios ávidos de escapar da batalha que tomaria Trípoli de assalto. “Estamos ferrados”, disse o empresário líbio Tamer Bachir, segurando a alça da janela, seus olhos colados na estrada à frente.“Não vai dar tempo. Eles vão me matar.”
Minha chegada a Trípoli ocorrera 11 dias antes, após uma longa negociação com o regime de Khadafi para que eu tivesse o direito de circular livremente pela capital líbia, ainda pressionada pelos rebeldes e sob constante bombardeio de aviões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os demais jornalistas estrangeiros em Trípoli eram obrigados a se hospedar no hotel Rixos, próximo ao complexo de Bab al-Zizia, o quartel-general de Khadafi. Lá, a vigilância era ostensiva – e era praticamente proibido sair. Nos últimos meses da guerra, a rotina dos jornalistas resumiu-se a assistir a entrevistas coletivas de autoridades líbias e a verificar, esporadicamente, danos causados aos civis pelos bombardeios. Com a chegada dos rebeldes à cidade, no entanto, após uma semana e meia com acesso direto ao moribundo regime de Muammar Khadafi, era imperativo – por razões de segurança – sair do país.
Apenas 20 minutos antes da partida do avião, fretado para o uso de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), estávamos ainda a 15 quilômetros do aeroporto. O empresário Tamer Bachir tinha dois bons motivos para estar em relativo desespero, com medo de não conseguir partir. Negro numa cidade com predominância de morenos, ele temia ser confundido pelos rebeldes com um dos mercenários de outras regiões da África recrutados por Khadafi. Além disso, Tamer é irmão de Saleh Bachir, então chefe de gabinete e o mais influente assessor do coronel ditador. Num de seus últimos atos no poder, Bachir providenciara o carro e os contatos na companhia aérea para retirar os diplomatas da ONU da Líbia. Tamer sentava-se a meu lado, no banco de trás do Mercedes. À frente, o advogado francês Marcel Ceccaldi, conselheiro especial de Khadafi, mantinha-se calado. Ceccaldi era o principal estrategista jurídico do ditador e fora encarregado de sua defesa no Tribunal Penal Internacional – Khadafi e Saif al-Islam, um de seus filhos, são acusados de crimes contra a humanidade. Em 11 dias, era a primeira vez que eu via Ceccaldi em silêncio e sem um cigarro à mão. “Perigoso isso aqui, não?”, disse ele, finalmente, enquanto fitava os destroços de um prédio residencial na parte sul de Trípoli. Nasser, o motorista do governo que nos levava ao aeroporto, acelerava e buzinava constantemente. Súbito, disse algo em árabe, pegou um beco e estacionou o carro. Tamer explicou o problema:
– Acabou a gasolina.
Glória está nas alturas
Em tempos de orçamento curto, o município de Glória, na Bahia, é um canteiro de obras com dinheiro federal. O segredo? A prefeita é a mulher do ministro das Cidades
A estrada que liga Aracaju, em Sergipe, ao município de Glória, no norte da Bahia, é uma coleção de buracos. Os 280 quilômetros não são vencidos em menos de quatro horas. A exceção é um trecho de 32 quilômetros, reformado, que passa pela entrada de Glória. Até as placas de acesso a Glória estão tinindo de novas. Glória tem um balneário na beira do Rio São Francisco, que está em reforma. Na “prainha” serão erguidos cinco quiosques, para os quais o Ministério do Turismo destinou quase R$ 1 milhão. Também custarão R$ 1 milhão a ciclovia e a pista de cooper de 4 metros de largura, da entrada da cidade ao balneário. A Praça da Juventude, um projeto do Ministério dos Esportes, com quadras, anfiteatro, salas e pista de skate, está orçada em R$ 1,5 milhão. Nada disso estaria acontecendo, segundo a prefeita Ena Vilma Negromonte (PP), sem a ajuda “de Mário”. Mas que Mário? Mário Negromonte, seu marido e ministro das Cidades.
Como deputado federal até 2010, Negromonte fez emendas ao Orçamento da União para a cidade governada por sua mulher. Neste ano, os ministérios do Turismo e das Cidades, agora tocado por Negromonte, liberaram 100% dos valores acertados nos convênios. As verbas destinadas a Glória passaram incólumes ao corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, que tirou R$ 8,5 bilhões do Ministério das Cidades. Poucos municípios tiveram a mesma sorte. Com 15 mil habitantes, Glória tem ruas pequenas e malconservadas, onde há pouca movimentação de comércio. Nas esquinas, há placas de “Pare” novinhas. Só faltam carros para obedecê-las. Metade da população é pobre. “Nada foi feito na área de saúde. Convênios foram cancelados por falta de pagamento”, diz o vereador Alex Almeida (PTN).
A dúvida ainda está no ar
Paulo Bernardo rompeu o silêncio sobre voos em aviões privados, mas suas respostas confundiram mais do que esclareceram
Um bom hábito nas democracias é que as autoridades públicas, sempre que surjam dúvidas sobre seu comportamento ou seus atos, prestem esclarecimentos à sociedade. Em sua edição passada, ÉPOCA relatou que, por quatro vezes em 40 dias, perguntou ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, se ele viajara em um avião particular quando ministro do Planejamento do governo Lula. Um parlamentar da base de apoio ao governo Dilma afirmara tê-lo visto embarcar no ano passado, em um terminal do Aeroporto de Brasília, num avião da construtora Sanches Tripoloni, empreiteira que recebeu verbas federais. Em nenhuma das ocasiões o ministro respondeu à pergunta, e seu silêncio suscitou dúvidas.
Depois da publicação da reportagem, Paulo Bernardo resolveu falar sobre o assunto. Na segunda-feira, Paulo Bernardo divulgou nota à imprensa e, no dia seguinte, respondeu a perguntas de parlamentares na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Depu-tados. Nas duas ocasiões, perdeu a oportunidade de fazer um esclarecimento definitivo sobre a questão. “Não posso descartar. Não conheço o avião. Daqui a pouco, pode aparecer uma foto de oito anos atrás mostrando”, afirmou o ministro.
Paulo Bernardo disse que se considera um homem “prudente” ao justificar por que não respondia à pergunta apenas com um “sim” ou “não”. Não há, porém, risco de que “apareça uma foto de oito anos atrás”. De acordo com informações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o avião da Sanches Tripoloni, um turbo-hélice King Air, prefixo PR-AJT, foi comprado pela construtora em 2009. Em abril daquele ano, o avião foi registrado na Anac em nome do empresário Paulo Francisco Tripoloni, um dos três donos da empreiteira. Os registros da Infraero, a estatal que administra os aeroportos, informam que o King Air decolou e pousou em Brasília 12 vezes nos meses de outubro, novembro e dezembro do ano passado.
Na mesma reportagem, ÉPOCA também relatou que a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, mulher de Paulo Bernardo, também ficara em silêncio ao ser questionada sobre o uso de aviões da Sanches Tripoloni. Um parlamentar, de oposição ao governo, dissera a ÉPOCA que Gleisi usou o avião da empreiteira em sua pré-campanha ao Senado Federal pelo Paraná, quando era a presidente do PT no Estado. Depois da publicação da reportagem, Gleisi afirmou em nota que não usou aviões particulares no exercício do cargo público e diz ter fretado aviões para seus deslocamentos no período eleitoral. Não fez referência ao uso do avião na pré-campanha para o Senado.
Rui Falcão: “A Marta não vai desistir”
O presidente do PT diz que o partido caminha para prévias na escolha do candidato a prefeito em São Paulo, apesar de essa não ser a vontade de Lula
Rui Falcão foi um dos homens de confiança da senadora Marta Suplicy durante sua gestão na prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004. Guindado em abril à presidência do PT, Falcão está agora na delicada situação de arbitrar um conflito interno no partido, em que a antiga chefe é uma das protagonistas. O problema é que do outro lado do ringue se encontra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente de honra do PT, Lula está se movimentando para que o ministro da Educação, Fernando Haddad, seja escolhido o candidato do partido nas eleições do próximo ano à prefeitura de São Paulo, em detrimento de Marta. Apesar das pressões para que Marta abdique em favor de Haddad, Falcão disse a ÉPOCA, na quarta-feira, que não acredita que ela abrirá mão da pretensão de ser novamente candidata a prefeita da maior cidade do país.
ÉPOCA – O ex-presidente Lula está “tratorando” o PT ao bancar a candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, a prefeito de São Paulo?
Rui Falcão – O Lula é a maior liderança do PT e sempre foi muito ouvido. Essa expressão “tratorando” não se aplica, porque, embora ele argumente e faça manifestar suas preferências, nunca impôs isso ao partido.
ÉPOCA – Ele tem dito, referindo-se a Haddad, que São Paulo precisa de algo novo. A senadora Marta Suplicy diz que, se Lula quiser perder, fique com Haddad. Como se resolve esse conflito?
Falcão – O Lula está chamando as pessoas para conversar. Ele não pediu para ninguém retirar sua candidatura. Então nós estamos caminhando para uma prévia, que está prevista no estatuto do PT.
CARTA CAPITAL
O efeito Líbia
Repete-se há seis meses que “a queda de Kaddafi é iminente”, mas com grande parte de Trípoli nas mãos dos revoltosos, inclusive o complexo do governo e a principal base militar nas vizinhanças da cidade, em Zuara, pode-se finalmente acreditar nessa frase sem correr o sério risco de superestimar a competência dos rebeldes.
Risco que continua alto. Na noite de 22 de agosto, todas as mídias anunciaram a captura de Saif al-Islam, filho e principal porta-voz de Muammar Kaddafi, supostamente confirmada pelo Tribunal Penal Internacional, mas ele apareceu em um hotel cheio de jornalistas, dirigindo seu próprio carro, para assegurar que controlava a cidade e “escorraçaria as ratazanas”. Muhammad, o filho mais velho também “capturado”, escapou à prisão, segundo os rebeldes. Cidades como Sirte, no litoral, e Sabha, no Fezã, continuam fiéis a Kaddafi e podem continuar a luta por mais alguns dias. É incerto se seu líder se deixará capturar. Vale lembrar que “Kaddafi foge para a Venezuela” (ou algum outro país) é outra das “barrigas” mais repetidas dos últimos meses.
Em todo caso, o regime que dominou a Líbia por 42 anos foi derrotado. Menos pela Primavera Árabe, neste caso pouco mais que pretexto, do que pela intervenção direta dos EUA e seus aliados, sob a folha de figueira do mandato da ONU para “proteger os civis” por meio de uma zona de exclusão aérea. Foram decisivos o fornecimento de armas (proibido pela resolução da ONU, que determinou embargo para ambas as partes), os ataques diretos dos navios, aviões e helicópteros da Otan às tropas e instalações civis e militares de Kaddafi (redobrados durante a ofensiva a Zawiya e Trípoli).
Drogas
A nova onda das substâncias sintéticas
Economia: O Brasil tem a chance de praticar juros civilizados
Em que pesem todos os prováveis efeitos negativos da atual onda de volatilidade a varrer os mercados financeiros internacionais, começa a se formar, no Brasil, um consenso sobre a possibilidade de aproveitar o momento para trazer os juros domésticos a níveis mais próximos do restante do mundo, aí incluídos os países desenvolvidos e emergentes. Após cinco elevações da taxa básica, a Selic, até os atuais 12,5% ao ano, o Banco Central sinaliza ter dado fim ao aperto monetário. Além do simples corte do índice, economistas sugerem que o governo aproveite o momento e prepare o terreno para uma queda mais pronunciada e, é claro, duradoura do custo do dinheiro.
Um primeiro passo seria desatrelar a dívida pública federal da Selic, que hoje garante aos credores do Brasil uma segurança sem paralelo em outros cantos do mundo. Quase 35% das obrigações do governo são reajustadas automaticamente pela taxa básica de juros, o que também influencia diretamente a remuneração oferecida pelos demais títulos. Em entrevista recente a CartaCapital, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto sugeriu que a presidenta Dilma Rousseff se aproveite do fato de que mais de 80% da parcela dos títulos públicos atrelados à Selic vence até o fim de seu mandato e “mude o mecanismo de financiamento” do governo.
Paraísos artificiais
Na calçada em frente à pequena loja em Lisboa, de manhã bem cedo, o grupo de rapazes e moças vestidos como se ainda não tivessem ido dormir chama a atenção. Dentro da loja, prateleiras com apetrechos para fumar maconha e embalagens coloridas de “incensos” variados também chamam a atenção. Blends (misturas) de ervas para relaxar, dizem os rótulos. Há ainda produtos à base de cogumelos e plantas alucinógenas. Trata-se de uma smartshop, espécie de mercadinho especializado em drogas sintéticas, um negócio que floresce em toda a Europa.
Enquanto o Brasil e a maioria dos paí-ses ocidentais ainda discutem se descriminalizam ou não a maconha, versões sintéticas da planta são vendidas livremente, disfarçadas como “incensos” e “aromatizadores de ambiente” nas smartshops e pela internet. Produzidas em laboratórios clandestinos, as chamadas “drogas de design” emulam os efeitos de substâncias tradicionais, sobretudo cocaína e maconha, adicionando elementos químicos a inofensivas plantas. Nos rótulos, só aparecem nomes de vegetais, como damiana, sálvia, rabo-de-leão ou “folhas de coqueiro”, entre outros. Sempre há a advertência de que não são para consumo humano e que não contêm THC, o princípio ativo da maconha. Trata-se de garantias legais para os próprios distribuidores.
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