DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO INTERPOSTA EM FACE DE SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE DISCUTE MATÉRIA TRIBUTÁRIA (DIREITO DOS CONTRIBUINTES À RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS À TÍTULO DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL). ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DEDUZIR PRETENSÃO RELATIVA À MATÉRIA TRIBUTÁRIA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE
Decisão: Trata-se de agravo nos próprios autos interposto em face de decisão que não admitiu o recurso extraordinário interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual negou provimento ao recurso de apelação manejado pelo ora recorrente em face de sentença proferida em sede de ação civil pública que extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que o autor carece de legitimidade ativa ad causam. O acórdão objurgado ostenta a seguinte ementa, in verbis:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E PEDIDO DE RESTITUIÇÃO – SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL IMPRÓPRIA – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. O Ministério Público não tem legitimidade para, via ação civil pública, requerer a declaração de inconstitucionalidade de norma que instituiu tributo municipal e requerer a restituição, aos contribuintes, dos valores por eles pagos. (fl. 273).
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No recurso extraordinário, o recorrente sustenta, preliminarmente, estar caracterizada a necessária repercussão geral e, no mérito, aponta como violados os artigos 5º, LIV, 93, IX, 127 e 129, III, da Constituição Federal. Sustenta, em síntese, que A ação civil pública, tal como presentemente concebida, destina-se a ser um dos mais importantes instrumentos de defesa de interesses difusos e coletivos, principalmente porque a ordem jurídica está evoluindo no sentido de buscar, por meio de ações coletivas, a solução para os conflitos de massa. Entretanto, lamentavelmente, interpretações equivocadas têm sido utilizadas para afastar a atuação ministerial, prejudicando, assim, o interesse da coletividade. Exemplo disso pode ser verificado no caso em tela. Entendeu-se que a ação civil pública não poderia ser manejada para a defesa dos direitos de uma categoria de pessoas que estão sendo lesadas com a cobrança inconstitucional do tributo. (fl. 317).
Contrarrazões às fls. 345/352.
É o breve relatório.
Prima facie, sobreleva enfatizar que a questão debatida no presente recurso extraordinário não se confunde com a decidida no RE nº 576.155/DF, de relatoria do Em. Ministro Ricardo Lewandowsky, Dje 01/08/2008, no qual se discutia a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública visando a anulação de acordo realizado entre contribuinte e poder público para pagamento de dívida tributária, ocasião em que o Pleno desta Corte reconheceu a repercussão geral da matéria em acórdão que produziu a seguinte ementa, verbis:
LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DE ACORDO PARA PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. DETRIMENTO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA ORDEM TRIBUTÁRIA. REPERCUSÃO JURÍDICA. (RE 576155 RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 03/04/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-09 PP-01832 )
Deveras, a matéria sub examine ilegitimidade ativa do Ministério Público para deduzir em juízo pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, visando a questionar a constitucionalidade/legalidade de tributo – há muito vem sendo objeto de discussão no âmbito deste Pretório Excelso, por isso, ressoa inequívoca a vocação para o pronunciamento definitivo deste Supremo Tribunal Federal quanto à existência de repercussão geral das questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, que ultrapassam os interesses subjetivos da causa.
In casu, o Ministério Público de Minas Gerais, por sua promotoria de Justiça oficiante na Comarca de Santa Bárbara, propôs contra o Município homônimo uma Ação Civil Pública de Responsabilidade por Cobrança Inconstitucional de Taxa de Iluminação Pública, exarando argumentos que, ao final, arrematou com os pedidos de (i) reconhecimento incidental da inconstitucionalidade das Leis Municipais nºs 1146, de 09 de fevereiro de 2001 e Lei 998, de 14 de abril de 1997, em face do disposto no artigo 145, inciso II, § 2º, da Constituição Federal, bem como da afronta aos arts. 77 e 79, do Código Tributário Nacional; (ii) concessão de liminar para fazer cessar imediatamente a tal cobrança, com fixação de multa em caso de descumprimento; (iii) condenação da municipalidade à devolução aos contribuintes, de forma retroativa, dos valores cobrados, algo a ser feito via compensação nas contas posteriores.
Acolhendo a preliminar eriçada pelo Município, o Juízo Singular extinguiu o feito sem resolução de mérito, ao fundamento de que o autor carecia de legitimidade ativa para requerer tanto a suspensão da cobrança, quanto a devolução dos valores até então pagos pelos munícipes.
Irresignado, o órgão ministerial manejou recurso de apelação, alegando que pretendia com o seu feito realizar o controle difuso de constitucionalidade das referidas leis municipais que instituíram a cobrança da taxa de iluminação pública e, bem assim, condenar o parquet a repetir o indébito, porquanto trata-se de direitos individuais homogêneos. Segundo ele, a partir da relação de consumo que se estabeleceu nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a sua legitimidade decorre a teor do que dispõe a Lei nº 7.347/85. Decorre também do texto Constitucional, enquanto atribui a ele a legitimidade para a defesa de interesses coletivos e difusos e que, por último, a inconstitucionalidade suscitada é questão prejudicial ao pedido da repetição do indébito tributário.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais entendeu que a relação estabelecida entre o Município de Santa Bárbara e os contribuintes não é de consumo, mas, tão somente, jurídico-tributária, sem quebra da individualidade de cada um destes; que o MP não tem legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos identificáveis e divisíveis, eis que a ação civil pública presta-se tão somente para a defesa de interesses difusos ou coletivos; que a hipótese também não é de substituição processual eis que estas encontram-se expressamente previstas em rol da lei, do qual não consta a situação vertente, e, por último, que a ação direta de inconstitucionalidade não pode ser substituída pelo feito manejado com o fim proposto na exordial, tendo a Corte a quo negado provimento ao recurso nos termos da ementa retro transcrita.
Com efeito, a jurisprudência desta Corte pacificou entendimento segundo o qual falece ao Ministério Público legitimidade ativa ad causam para deduzir em juízo pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, visando a questionar a constitucionalidade/legalidade de tributo. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes, in verbis:
LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TRIBUTO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reservas, o Ministério Público não possui legitimidade para propor ação civil pública impugnando cobrança de tributo. Precedente: Recurso Extraordinário nº 195.056-1/PR, relatado perante o Pleno pelo Ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 17 de fevereiro de 1999. (RE 206781, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 06/02/2001, DJ 29-06-2001 PP-00056 EMENT VOL-02037-04 PP-00874)
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. QUESTIONAMENTO DA VALIDADE DE TRIBUTO. INTERESSE INDIVIDUAL PATRIMONIAL E DISPONÍVEL. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público não tem legitimidade para defender interesse individual patrimonial e disponível de contribuinte, pelo questionamento da cobrança de tributo. 2. Situação que não se confunde com a discussão travada pelo Pleno desta Corte no RE 576.155-RG (rel. min. Ricardo Lewandowski, Pleno, julgamento em curso), cuja questão de fundo é se saber se o Ministério Público tem legitimidade para questionar a concessão de benefícios fiscais teoricamente contrários ao interesse público. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AI 327013 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-07 PP-01430 RT v. 99, n. 898, 2010, p. 133-135)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRIBUTÁRIO. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2. O Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública que verse sobre tributos. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 559985 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 04/12/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-12 PP-02613)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: TRIBUTOS: LEGITIMIDADE. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25 . C.F., artigos 127 e 129, III. I. – O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder p úblico) e o sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com “interesses sociais e individuais indisponíveis”. (C.F., art. 127). II. – Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar Galvão, Plenário, 09.12.99, RTJ 173/288. III. – RE conhecido e provido. Agravo não provido. (RE 248191 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 01/10/2002, DJ 25-10-2002 PP-00064 EMENT VOL-02088-03 PP-00567)
EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE RIO NOVO-MG. EXIGIBILIDADE IMPUGNADA POR MEIO DE AÇÃO PÚBLICA, SOB ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ACÓRDÃO QUE CONCLUIU PELO SEU NÃO-CABIMENTO, SOB INVOCAÇÃO DOS ARTS. 102, I, a, E 125, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Ausência de legitimação do Ministério Público para ações da espécie, por não configurada, no caso, a hipótese de interesses difusos, como tais considerados os pertencentes concomitantemente a todos e a cada um dos membros da sociedade, como um bem não individualizável ou divisível, mas, ao revés, interesses de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exigência tributária cuja impugnação, por isso, só pode ser promovida por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Recurso não conhecido. (RE 213631, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/1999, DJ 07-04-2000 PP-00069 EMENT VOL-01986-02 PP-00263 RTJ VOL-00173-01 PP-00288)
Tenho, pois, que o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, pois alcança uma quantidade significativa de ações em todo o país.
Ex positis, manifesto-me pela existência de repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência sobre o tema (art. 543-A, § 1º, do CPC c/c art. 322, parágrafo único do RISTF).
Publique-se.
Brasília, 2 de abril de 2013.
Ministro Luiz Fux – Relator
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