A decisão do Governo do Distrito Federal (GDF) de cancelar o concurso para auditor da Receita Federal divide o próprio PT, partido do governador Agnelo Queiroz. A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) é radicalmente contra o PL 559/2011, que unifica as carreiras de auditor e fiscal. Para ela, o projeto é “absurdo” e inconstitucional. Leia abaixo a entrevista da deputada:
SOSConcurseiro/Congresso em Foco – O que levou a senhora a se posicionar contra o PL 559/2011?
Erika Kokay – É um absurdo esse projeto. Ele fere qualquer tipo de parâmetro legal, fere a Constituição Federal, que assegura o concurso público como um instrumento que estabelece a impessoalidade. O Estado não pode ser uma capitania hereditária pós-moderna como vimos no governo anterior. O que aconteceu no DF foi ausência de controle, inclusive o controle dos órgãos estatais. Esse controle só é possível com o instrumento do concurso público, que é o instrumento mais democrático que nós temos. E esse instrumento está sendo burlado por uma trama que foi urdida na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Primeiro, a CLDF estabelece o critério de nível superior, em seguida ela iguala, ou quase, as tabelas salariais, num movimento de construção da inconstitucionalidade por meio de vários projetos, para hoje argumentar que isso seria bom para o Estado, pois não significa aumento de custo para os servidores. Ora, mas o aumento se deu lá adiante porque a manobra foi construída por partes.
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Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o projeto …
É uma outra demonstração do problema. Agora, o PL559/2011 vai eliminar a ADI porque diz em seus artigos que toda legislação anterior se torna sem efeito. Desta forma, a ADI perderia o objeto, pois as leis em que se baseia seriam revogadas por novas leis construídas para chegar a esse PL, que escancara a ilegalidade e fere mortalmente o instrumento do concurso público. Qualquer pessoa que lutou para que nós tivéssemos uma Constituição que busca a impessoabilidade e a democracia, se colocaria contra esse PL. Não tenho a menor dúvida de que essa lei sofrerá uma nova ADI. Mas, enquanto isso, se ganha tempo ao se revogar a ADI que está em curso enquanto se constrói uma concepção de promiscuidade entre interesses particulares e públicos, contaminando o Estado. Isso para mim é uma forma de corrupção no sentido de estarem ferindo os instrumentos legais e constitucionais para favorecer determinados grupos. É como se colocar o Estado na mesa como objeto de barganha.
Qual seria o maior problema?
Temos nesse cenário fiscais de nível médio que vão ter a condição de auditores. Desta forma, está se jogando o Distrito Federal numa profunda insegurança jurídica que só vai favorecer os sonegadores. Isso porque hoje todas as auditorias que são feitas por esses profissionais sofrem questionamentos que prejudicam o combate efetivo à sonegação. Essa proposta inconstitucional mergulha a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal em uma tensão interna totalmente contraproducente para a boa função pública. Pois muitas pessoas não aceitam que a Constituição seja ferida desta forma e que o concurso pelo qual passaram não seja respeitado, pois se trata de um profundo desrespeito aos auditores que passaram por concurso público. Então, você mergulha no caos uma atividade absolutamente fundamental, porque as boas políticas de fiscalização tributária representam um ganho imenso para o Estado. Temos exemplos em outros locais do país de políticas tributárias bem sucedidas que representaram grandes acréscimos de receita, enquanto aqui o que se faz é mergulhar a secretaria em tensão e divergências internas e na insegurança jurídica. Porque não temos nenhuma segurança nas ações executadas por esses profissionais que não foram selecionados por concurso para essa função e não têm condições de estar exercendo essa atividade. Se está jogando uma atividade fundamental para a sociedade no mar da insegurança jurídica.
A senhora enviou uma carta aberta ao governador Agnelo argumentando sobre a inconstitucionalidade do PL559/2011. Obteve alguma resposta dele?
Eu cumpri meu dever como parlamentar, não apenas como pessoa que acha que temos que ter um estado de Direito. Encaminhei ao GDF minha posição de forma bem clara. Não posso abrir mão do meu DNA político com ideias de caráter republicano pautado na democracia e no respeito à Constituição Federal, pelo fato de o governador ser do meu partido. Se a ditadura militar não conseguiu caçar as minhas ideias ou me calar, não será o governo do meu partido que vai fazer. Portanto, vou continuar defendendo as minhas posições. Mandei essa carta para o governador e já encaminhei outro ofício para o governador pedindo para ele retirar o projeto de discussão na pauta.
O projeto é considerado prioritário pelo governo.
Prioritário para quem? Como se constrói um projeto nas tintas da ilegalidade e ainda se considera ele prioritário? Não existe a menor dúvida de que ele sofrerá uma nova Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Esse seu posicionamento contra outros parlamentares e o governador do PT não gerou nenhum mal estar dentro do partido?
Fico entristecida pelo fato de o governo do meu partido, que foi construído na luta e tendo como escudo a Constituição e o Direito, estar efetivando de forma tão explícita esse nível de inconstitucionalidade, esse nível de rompimento da legalidade. Entendo que há um nível de independência entre governo e partido, até porque o governo tem vários partidos no Distrito Federal. Então, o partido precisa manter sua vida e sua independência para que possa ter a cara, o jeito petista de governar. E essa característica não está construída. O governo não tem sequer uma linha de ação de diálogo com a população para oferecer clareza sobre a forma de governar que está em curso. E isso precisa ser aprimorado. Há exemplos pontuais de boas ações, mas não se tem um conjunto em que se possa dizer: essa é a cara do governo e é com essa cara que eu dialogo com a sociedade. Com isso, tenho pautado minha atuação. Então, não tenho constrangimento. Claro que fico entristecida de ter uma posição que não é a do governador do meu partido. Mas isso faz parte da democracia. Se todos que têm compromisso com o jeito petista de governar, com este governo, para que ele venha a dar certo, se calarem diante do que consideram um equívoco, não teremos a possibilidade de fazer as modificações necessárias. O governo precisa entender que as opiniões e as críticas têm que ser aceitas e respeitadas e fazer parte da construção de um processo democrático.
Em sua opinião, o que levou o Secretário Paulo Tadeu e o deputado distrital Patrício a defenderem esse PL?
Acho que eles têm uma visão equivocada pautada numa lógica de que isso ajudaria o governo a ter uma arrecadação maior e que seria bom para o estado. Parto do pressuposto de que os dois companheiros que têm história de luta nessa cidade estão equivocados na compreensão dos fatos. Espero que o governador repense e volte atrás.
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