Um dos três vice-líderes escalados nas últimas semanas para a espinhosa tarefa de liderar a bancada do PT na Câmara, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) reconhece que o governo e o Partido dos Trabalhadores erraram e precisam pagar pelas irregularidades cometidas, mas ressalva que ambos não podem ser condenados sozinhos.
“Enquanto governo e PT, estamos pagando um preço alto. Nós temos de pagar, porque houve uma ilegalidade; agora, o PTB e o deputado Roberto Jefferson também têm de pagar, porque participaram de outros esquemas”, afirma, em referência ao envolvimento dos dois partidos nos recentes casos de corrupção e uso de caixa-dois. “O todo (do PT) não pode ser julgado por uma pequena parte”, complementa, ao responsabilizar os ex-membros da Executiva do partido José Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio Soares pelos erros do partido.
Defensor da inocência do deputado José Dirceu (PT-SP) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escândalo, Fontana identifica contradições nos depoimentos de Jefferson, e cinismo e hipocrisia na oposição. “Não serão eles que, hipócrita e cinicamente, dirão que o caixa-dois e os problemas de tráfico de influência surgiram no dia 1º de janeiro de 2003”, diz.
Na avaliação dele, o petebista caiu em contradição ao citar, na última terça-feira, o nome do presidente Lula na denúncia de que o ex-ministro José Dirceu teria intermediado encontro de representantes do PT e do PTB com empresários portugueses. “Por que ele não fez essa denúncia tão importante sobre a Portugal Telecom no primeiro dia em que esteve aqui? Por que um mês atrás ele disse que o presidente era um homem honrado, que jamais soube de qualquer coisa dessas, e agora tenta envolver Lula?” Ontem, em depoimento à CPI do Mensalão, Jefferson voltou atrás e negou a intenção de pôr o presidente sob suspeita.
Membro da tropa-de-choque de Lula, Fontana não exime o governo de responsabilidade pela crise, ao apontar a aproximação do Palácio do Planalto com o PTB como uma das maiores contradições do atual governo. “A história do deputado indicava claramente que essa aproximação seria um erro, porque ele não pautou sua história de vida por um compromisso com a ética na política”, diz. Publicidade
Ao lado dos deputados Luiz Sérgio (RS) e Fernando Ferro (PE), Fontana responde interinamente pela liderança do PT na Câmara, desde que o titular, Paulo Rocha (PA), licenciou-se do cargo após a confirmação de que uma de suas assessoras sacou dinheiro das contas de Marcos Valério. O recurso, segundo Rocha, foi destinado ao diretório do partido no Pará.
O deputado gaúcho foi protagonista do momento de maior tensão no depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, no dia 30 de junho. Antes de fazer suas perguntas, disse que o petebista já havia mentido muito na vida e que pretendia se transformar, de uma hora para outra, em um “acusador-mor”. “Vossa Excelência foi da tropa de choque do governo mais corrupto deste país", disse, em referência ao governo Collor.
Ao retrucar o petista, Jefferson elevou o tom da voz ao fazer menção ao suposto envolvimento do PT gaúcho, em 2001, com o jogo do bicho em Porto Alegre. “Meu partido jamais teve financiamento de bicheiros”, reagiu o petebista. Sem direito a réplica, Fontana deixou o plenário da comissão em seguida.
“Por que ele (Jefferson) não fez essa denúncia tão importante sobre a Portugal Telecom no primeiro dia em que esteve aqui? Será que ele está montando um jogo de poder?”
Congresso em Foco – Ao envolver o presidente Lula, pela primeira vez, em uma de suas denúncias, o deputado Roberto Jefferson mostra que a crise pode ser ainda mais devastadora para o governo?
Henrique Fontana – Isso mostra uma enorme incoerência, tanto da vida pregressa do deputado Roberto Jefferson, marcada por muitas situações irregularidades, como pelo próprio conjunto de suas contradições recentes. Por que ele não fez essa denúncia tão importante sobre a Portugal Telecom no primeiro dia em que esteve aqui? Será que ele está montando um jogo de poder? Por que um mês atrás ele disse que o presidente era um homem honrado, que jamais soube de qualquer coisa dessas, e agora tenta envolver Lula? Porque ele tem um objetivo político de luta pelo poder e percebe que está perdendo terreno nessa disputa e procura dar cartadas maiores, sempre ao seu estilo, buscando os seus próprios interesses. O tempo vai mostrar que essas denúncias, especialmente a que fala do presidente Lula, vão cair por terra.
Que outras contradições o senhor identifica? Uma delas é a tal mala de R$ 4 milhões que ele teria recebido de Marcos Valério. Primeiro, disse que teria distribuído a quantia para campanhas de alguns de seus correligionários. Depois afirmou que o dinheiro estava guardado, mas o montante não apareceu. Ele diz que pode ser abatido a facão que não vai dizer para onde o dinheiro foi. Que coragem é essa para a investigação? Ele não diz o destino desse dinheiro, que veio das mãos do mesmo esquema de Marcos Valério, pelo qual nós – enquanto governo e PT – estamos pagando um preço alto. Nós temos de pagar, porque houve uma ilegalidade; agora, o PTB e o deputado Roberto Jefferson também têm de pagar, porque participaram de outros esquemas.
Se o PT sabia dessas irregularidades, o partido não errou ao se posicionar contra a CPI dos Correios? Naquele momento inicial, não. Evidentemente que houve um erro de avaliação, porque não tínhamos outros dados. Naquele instante havia uma denúncia pontual sobre os Correios, as investigações estavam em curso na Polícia Federal e na Controladoria Geral da União. Aliás, a evolução dessas investigações é que fez o deputado Roberto Jefferson mudar de lado. Quando percebeu que as investigações iam atingi-lo, ele decidiu trocar de lado e levantar outras acusações. O deputado sempre faz manobras diversionistas. Mesmo que parte das acusações dele possa se constituir verdade, conforme as investigações, o fato é que um conjunto de coisas denunciadas por ele não é verdadeiro e, mais do que isso, não foi dito ao longo de muitos anos. Por que ele demorou tanto a fazer essas denúncias? Por que esse senso de oportunidade, ou oportunismo, de fazer as denúncias exatamente no momento em que uma investigação começa a mostrar um esquema de corrupção com a participação do deputado Roberto Jefferson nos Correios?
O senhor diz que o passado condena Jefferson. Então por que o governo se aliou a ele e empregou os seus indicados para estatais? O governo fez um grande esforço para evitar nomeação de qualquer pessoa comprometida com corrupção através de mecanismos de análise de currículo e de todo processo feito nesse tipo de nomeação. Particularmente, acho que foi um dos grandes erros do governo Lula ter trazido o deputado Roberto Jefferson para a base de apoio. A história do deputado indicava claramente que essa aproximação seria um erro, porque ele não pautou sua história de vida por um compromisso com a ética na política.
“É evidente que ele (Dirceu) poderia ter noções gerais de que partidos aliados estariam pedindo recursos para pagar dívidas de campanha, qualquer diretriz geral dessa, mas os detalhes sobre esse processo de operação quem estava respondendo pela Casa Civil não poderia saber”
O deputado Dirceu reitera que não tinha conhecimento das ações da Executiva do PT. Não é difícil acreditar que alguém com tanto poder quanto ele, no governo e no partido, não soubesse de nada? Acredito no que o deputado José Dirceu disse. É evidente que ele poderia ter noções gerais de que partidos aliados estariam pedindo recursos para pagar dívidas de campanha, qualquer diretriz geral dessa, mas os detalhes sobre esse processo de operação – infelizmente montado pelos senhores Delúbio Soares e Marcos Valério, numa operação de fraude clara de caixa-dois – quem estava respondendo pela Casa Civil não poderia saber.
O ex-presidente do PT José Genoino também é responsável por essa crise? Ele tem uma responsabilidade evidente que foi o descuido e o mau gerenciamento do cotidiano das decisões do partido. Continuo respeitando a sua história de militância e o seu trabalho político. Não há nenhum sinal ao longo de toda sua história de qualquer envolvimento com ato de corrupção, muito menos para qualquer enriquecimento pessoal, mas Genoino cometeu um erro grave. Ao dirigir o partido, permitiu que se formasse em torno da tesouraria um caixa-dois gigantesco, com repasse de recursos para outros partidos, como PMDB, PL e PP.
“O todo (do PT) não pode ser julgado por uma pequena parte. A tentativa do PFL, do PSDB e de outros setores da oposição de fazer a condenação total do PT é, em primeiro lugar, absolutamente injusta e, em segundo lugar, marcada pela hipocrisia e o cinismo”
O senhor disse que o governo e o PT estão pagando preço elevado pelas irregularidades cometidas. A tendência é a bancada petista ser reduzida nas próximas eleições? Não acredito. Se o PT souber responder a este momento, ele poderá manter a credibilidade na opinião pública e o seu papel no cenário político brasileiro. A história do PT, o seu compromisso com a ética na política e os serviços prestados ao país valem muito mais do que o erro de um momento cometido por alguns. Ou seja, numa frase bem simples: o todo não pode ser julgado por uma pequena parte. A tentativa do PFL, do PSDB e de outros setores da oposição de fazer a condenação total do PT é, em primeiro lugar, absolutamente injusta e, em segundo lugar, marcada pela hipocrisia e o cinismo.
Por quê? Não serão eles que, hipócrita e cinicamente, dirão que o caixa-dois e os problemas de tráfico de influência surgiram no dia 1º de janeiro de 2003. Conheço diversos caixas-dois feitos ao longo da história, de campanhas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do ex-governador e hoje senador e presidente nacional do PSDB Eduardo Azeredo, do ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi, do PFL, e de deputados do PFL que receberam recursos do próprio Marcos Valério, que é um lobista profissional e que passou por diversos governos e partidos.
Como evitar a ação de outros “Marcos Valérios”? O Brasil precisa de uma reforma política profunda, que blinde a democracia brasileira contra o tráfico de influência. Isso só será feito com duas questões fundamentais. Primeiro, diminuindo custos de campanha, banindo determinados gastos, e, em segundo lugar, garantindo que esses custos menores sejam exclusivamente financiados por recursos públicos para garantir a impessoalidade dos eleitos com os cidadãos, as empresas e todos os interesses legítimos que perpassam a sociedade. Quando a campanha for financiada de forma impessoal o candidato não terá nenhum tipo de pressão sobre quem eventualmente tenha financiado sua campanha. Não acredito que 80% dos contribuintes das campanhas, especialmente os empresariais, contribuam por compromisso ideológico ou programático. Contribuem, no mínimo, para buscar um canal privilegiado de diálogo com os governos.
“A aproximação com Delúbio foi a porta que Marcos Valério abriu no governo Lula. Ele já tinha aberto portas com o PSDB em Minas Gerais”
Isso ocorreu no governo Lula, a partir de Marcos Valério. A aproximação com Delúbio foi a porta que Marcos Valério abriu no governo Lula. Ele já tinha aberto portas com o PSDB em Minas Gerais. Conseguiu através de uma pessoa que agiu de forma errada, o secretário-geral do PT, o senhor Sílvio Pereira, uma porta para financiar um apartamento da ex-mulher do então ministro José Dirceu. Coisa de que o ex-ministro nunca teve conhecimento. Ela, ingenuamente, jamais imaginou que aquilo estivesse sendo feito para que Marcos Valério tivesse um documento que, no futuro, pudesse ser usado para chantagear uma pessoa importante como o ministro da Casa Civil.
Diante desse cenário, o senhor considera inevitável a expulsão de Delúbio Soares? As expulsões têm de ser tratadas de forma democrática. Não podemos fazer tribunais de exceção. Tenho a convicção pessoal de que Delúbio Soares tem de ser expulso do PT. Mas isso tem de ser decidido em uma comissão de ética, com direito a defesa e assim por diante, como qualquer cidadão. Isso é um preceito constitucional fundamental.
Grupo formado por 22 deputados da ala esquerda do PT decidiu, formalmente, não seguir as orientações da bancada e do partido. Até onde vai esse rompimento? Acredito que, pelo diálogo, poderemos reaproximar essa parte da bancada. É preciso respeitar decisões de caráter político de companheiros que têm enorme responsabilidade com o partido. Se eles optarem por permanecer como bloco independente, o nosso esforço terá de ser para, permanentemente, através do diálogo e do convencimento, obter o apoio deles para projetos importantes para o governo e a sustentação do projeto que o nosso partido representa na Casa. Ao se declararem como bloco independente, eles não se desfiliam do partido, sinalizando que pretendem continuar construindo o PT.
Mas não indica um rompimento, com futuras desfiliações? Na minha opinião, não. Indica o desejo de ter uma certa independência em relação a posições sobre as quais a bancada eventualmente possa fechar posição. Nosso papel deve ser de convencê-los a voltar para o convívio da bancada.
“Vamos vivenciar uma fase em que o convencimento político real do debate será cada vez maior dentro da bancada”
Qual será o argumento para convencê-los? O bom argumento é de que nós vamos vivenciar uma fase em que o convencimento político real do debate será cada vez maior dentro da bancada. Nada está dado. O PT está vivendo um processo de amplo debate interno, tanto para definir sua nova direção nacional como sua liderança na bancada da Câmara, e estabelecendo um modus operandi daqui para diante.
Vai nascer daí um novo PT? O PT precisa se revitalizar, cortar procedimentos errados feitos ao longo da história recente, afastar pessoas que têm envolvimento com esses procedimentos e voltar a ser aquilo que é, em sua maioria: um partido comprometido com a ética na política e com posições programáticas de luta pela justiça social. Esse PT que teve, e ainda tem, em grande parte, enorme credibilidade na sociedade é que nós queremos vivenciar cotidianamente.
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