Atrás da mesa do primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), estão dois retratos em preto e branco. À esquerda, está o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. Um homem de esquerda, que passou boa parte da sua vida preso na luta contra o racismo, mas que, depois que se tornou presidente, procurou se reconciliar mesmo com seus algozes na reconstrução de seu país. À direita, está o ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha Winston Churchill, um homem conservador, mas que, em uma defesa intransigente da democracia, foi um dos maiores responsáveis pelo processo que evitou que o mundo mergulhasse no autoritarismo representante pelo nazismo de Adolf Hitler.
Os exemplos representados pelos dois retratos norteiam o pensamento e as atitudes de Marcelo Ramos: para ele, o Brasil hoje precisa tanto do espírito conciliador de Mandela quanto da defesa intransigente da democracia de Churchill.
É baseado nessa certeza que o primeiro vice-presidente da Câmara afirma, nesta entrevista ao Congresso em Foco, que está cada vez mais firme a sua convicção de que, de fato, o presidente Jair Bolsonaro comete crime de responsabilidade quando lança suspeitas sem comprovação contra o sistema de votação brasileiro e coloca sob ameaça a possibilidade de eleição e a posse do próximo presidente eleito caso não haja as mudanças no sistema que ele defende. Para quem joga fora das quatro linhas da Constituição, como declarou Bolsonaro, há um remédio constitucional previsto: o impeachment.
Marcelo Ramos disse que está se cercando de aconselhamento de juristas e políticos quanto à possibilidade de eventualmente vir a acolher um dos mais de cem processos que hoje dormem nas gavetas da Câmara caso venha a assumir a presidência em exercício em algum momento, se o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), viajar ao exterior ou assumir a Presidência da República numa ausência de Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão.
Isso não significa, porém, que Marcelo Ramos já formou convicção nesse sentido. Ele afirma que um processo de impeachment é a soma de questões jurídicas e políticas. Hoje, na sua avaliação, não haveria ainda o clima político para o processo. Mas a temperatura das ruas está esquentando. E ela em algum momento afeta a temperatura do Congresso. Segundo Ramos, a famosa frase do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro quando recebeu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor sempre estará valendo: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”.
Veja trechos da entrevista com Marcelo Ramos (produção e edição de vídeo: Tiago Rodrigues)
PublicidadeLeia o que pensa Marcelo Ramos sobre impeachment e outros temas na entrevista abaixo:
Nas últimas semanas, verificou-se uma intensificação de uma postura sua de maior oposição ao presidente Jair Bolsonaro. O que o levou a intensificar essa posição?
Desde o início do exercício do meu mandato, eu sempre fui um deputado de certa forma alinhado com as pautas econômicas do governo. Fui o presidente da única reforma estruturante que este governo fez desde o início. Fui importante na aprovação da PEC Emergencial. Mas sempre demarquei campo no que diz respeito à defesa da democracia e das instituições. O presidente jamais contará comigo quando tentar marchar contra a democracia e contra as instituições. E se ele acirra essa marcha, eu acirro a minha resistência. O outro motivo foi a deslealdade cometida pelo presidente comigo, acompanhada de uma avalanche dessas milícias digitais que ele controla no Brasil, por conta da votação do fundo eleitoral. Que foi uma articulação da base do governo, orientada em plenário pelo líder do governo no Congresso e que quando a pressão pesou sobre o colo dele ele tentou terceirizar a responsabilidade por aquilo para mim. Aquilo foi uma atitude de deslealdade absurda, e eu não posso servir a um presidente que tem uma atitude naquele nível de deslealdade comigo.
Esse é um ponto de não retorno?
Para mim, é um ponto de não retorno. Agora, eu não sou um radical. Eu não sou um intransigente. Eu não vou colocar o meu incômodo com a postura do presidente acima dos interesses do Brasil. Você nunca vai me ver votar contra uma matéria pelo simples fato de ela ser uma matéria do governo. Se eu achar que ela é importante para o país, se eu achar que ela é coerente com as minhas convicções, terá o meu voto.
O senhor chegou a pedir na Presidência da Câmara os pedidos de impeachment para analisar. Uma crítica que parte da oposição fez ao presidente da Câmara, o atual e o Rodrigo Maia, é que eles deveriam analisar, seja para rejeitar ou dar andamento. O senhor concorda? O presidente da Câmara tem que dar uma decisão, seja a favor ou contra?
Eu acho que esse é um tema que nós deveríamos enfrentar do ponto de vista legislativo. A Lei do Impeachment precisa ser atualizada. Ela é uma lei da década de 1950. E uma dessas atualizações é estabelecer um prazo para que o presidente da Câmara se manifeste sobre o pedido de impeachment. Acatando ou negando. Se houver os indícios de crime de responsabilidade, acata. Se não, arquiva. Isso é algo que temos de resolver na legislação.
Mas, independentemente da legislação, seria assim que o presidente da Câmara deveria agir?
Eu sempre sou muito cauteloso no julgamento da conduta e das decisões que devem ser tomadas pelo presidente da Casa porque ele tem um nível de responsabilidade que eu não tenho. Eu não sou o presidente da Casa. O nível de responsabilidade dele é maior do que o meu. Ele representa os deputados de oposição, de situação, os deputados bolsonaristas, representa todos. Tem um acúmulo de informações com relação às tensões institucionais, entre poderes, com as Forças Armadas, que eu não tenho. Então, não critico, porque entendo que o nível de responsabilidade dele, o nível de prudência dele deve ser maior do que o meu ou de um outro deputado que não exerce a Presidência.
Mas quando o senhor pediu para analisar esses processos, surgiu um temor de que em uma eventual substituição que o senhor fizesse do presidente da Câmara o senhor pudesse colocar algum desses processos em andamento. Esse risco existe?
Acho que há duas situações diferentes. Uma coisa é quando eu assumo a presidência da sessão. Eu nem cogito na assunção da presidência da sessão pedir um processo de impeachment e ler. Isso não cabe para quem senta provisoriamente na cadeira de presidente da Câmara. Se o presidente Arthur Lira viajar para o exterior ou assumir a Presidência da República, aí eu sou presidente da Câmara em exercício. E vou ser provocado a me manifestar sobre esse tema. Então, eu pedi os processos de impeachment para formar duas convicções. A primeira, a convicção do deputado Marcelo Ramos que pode em algum momento ser forçado a votar essa matéria. Existe crime de responsabilidade ou não existe? Eu vou criando convicção de que as palavras do presidente ameaçando a não realização de eleição e ameaçando não dar posse ao presidente eleito configuram crime de responsabilidade na medida em que o tipo penal da Lei do Impeachment é ameaçar a ordem democrática. A simples ameaça já é crime de responsabilidade. E dizer que não vai ter eleição, ameaçar não permitir a realização da eleição, significa ameaçar fechar o Congresso Nacional no dia 31 de janeiro de 2023, quando acabam os nossos mandatos. Porque se não tiver eleição, não tem o próximo Congresso Nacional. E, segundo, dizer que não vai dar posse ao presidente da República eleito se não for ele mesmo, é algo que contraria a ordem democrática na medida em que confronto o desejo da maioria do povo brasileiro, que pode não ser pela manutenção do mandato dele. A outra é: no exercício provisório da presidência, cabe jurídica e politicamente a leitura de um impeachment? Eu estou ouvindo juristas, ouvindo políticos, para tomar uma decisão, se essa situação acontecer, de uma forma responsável para o país. Eu posso ter dado uma guinada para uma atitude mais de confronto com o governo, mas eu sou um deputado moderado, responsável com as instituições, responsável com o país. A minha antipatia ou a minha simpatia por esse ou aquele presidente não contamina a minha responsabilidade com o nosso país.
Se fosse colocado em votação, como deputado o senhor votaria pelo impeachment do presidente Bolsonaro?
Eu estou formando convicção sobre isso. Eu acho que impeachment tem natureza jurídica e política. Eu tive o azar de estar no magistério da cadeira de Organização do Estado no período da votação do impeachment da presidente Dilma. Como as pessoas me enxergam muito mais como político do que como professor, eu dava aula e os alunos filmando para depois usar: “É contra o impeachment, é a favor”. Mas eu sempre disse o seguinte: impeachment é processo de natureza jurídica e política. Tanto que é o único crime no nosso ordenamento legal que não é julgado pelo Judiciário, mas pelo Legislativo. Se fosse só jurídico, estava no Judiciário. Quando o constituinte originário deu competência para o Legislativo julgar, ele deu um conteúdo político ao julgamento. Portanto, ainda que eu vá formando a convicção – e eu estou formando essa convicção – de que o presidente comete crime de responsabilidade ao ameaçar a ordem democrática, existem componentes políticos. Nível de mobilização da sociedade. Nível de apoio dentro da Casa. Nível de apoio nos setores produtivos nacionais. Então, esse é um elemento que é cultural. Eu diria que a água ainda não está fervendo. Mas a temperatura está esquentando do lado de fora, nas ruas. E sempre há um delay da temperatura da rua para a temperatura do Parlamento. Quando a rua está morna, o Parlamento está frio. Quando a rua esquenta, o Parlamento fica morno. Quando a rua ferve, o Parlamento esquenta e demora um tempo para ferver também. Então, eu acho que é recente o movimento de insatisfação nas ruas contra o presidente, mas ainda não há esse clima dentro da Câmara dos Deputados.
Mas, em última instância, o senhor acha que aquela frase do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro quando recebeu o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor continua valendo: “O que o povo quer esta Casa acaba querendo”?
Eu acho. E talvez até por isso você não tenha ainda a segurança de um processo de impeachment. Porque você não pode ignorar a força de um presidente que com 555 mil mortos na pandemia, parte dessas mortes por conta do negacionismo dele, quase 15 milhões de desempregados, 19 milhões de brasileiras e brasileiros com fome, 800 mil empresas fechadas por conta da pandemia, esse cara ainda tem 20% de bom e ótimo. Não dá para ignorar isso. Não dá para ignorar essa parcela da sociedade. Eu respeito a opinião até de quem pensa diferente de mim. E, por isso, eu sou intransigente com a democracia. Com a democracia, nós temos tudo. Sem a democracia, nós não temos nada. É a democracia que nos dá o direito de disputar a opinião na economia, de disputar a opinião nos costumes, na questão ambiental, etc. Sem a democracia, nós perdemos o direito de disputar a opinião. Por isso, essa não é uma questão de direita ou de esquerda. (Apontando para os quadros atrás dele de Nelson Mandela e Winston Churchill) Aqui tem um conservador e um progressista. Mas são dois homens que não negligenciaram com a democracia.
E eles seriam os ícones que o senhor segue?
Eles são minhas inspirações. Expressam muito do que eu penso. Curchill foi um conservador. E no Brasil se criou uma confusão danada. Se mistura conservador com autoritário. Liberal com preconceituoso. Uma trapalhada ideológica que contamina a visão das pessoas. Churchill foi um conservador que resistiu contra o nazismo e talvez seja o maior responsável pela sobrevivência da democracia moderna. O Mandela foi um progressista que ganhou a eleição e teve capacidade de se reconciliar com seus maiores algozes, demonstrando que ódio não se combate com ódio. Ódio se combate com reconciliação, e eu acho que o Brasil precisa muito disso. O Brasil precisa de todos em defesa da democracia e contra o autoritarismo como Churchill e o Brasil precisa mandar uma mensagem de reconciliação após a próxima eleição, como Mandela. Quem quer que seja o presidente terá como principal missão reconciliar o país para que superemos esse período de pandemia, de tragédia humanitária, de famílias enlutadas e retome um caminho de prosperidade. Eu acredito muito nisso. Eu sou acima de tudo um otimista.
O presidente Bolsonaro esta semana deu posse ao senador Ciro Nogueira na Casa Civil da Presidência. Tem um outro aliado importante aqui que é o presidente da Câmara, Arthur Lira. Ambos principais lideranças do Centrão. O senhor acha que o Centrão segura o presidente Bolsonaro mesmo se houver esse apoio das ruas ao impeachment?
Esse segmento político estava no governo Dilma na véspera do impeachment e no governo Temer um dia depois. Então, eles estarão com Bolsonaro enquanto Bolsonaro for um instrumento de fortalecimento dos seus interesses políticos. Sempre foi assim e vai continuar sendo assim. Dá para dizer que não muda a relação do Congresso com o Executivo com a presença de Ciro Nogueira na Casa Civil? Não dá. Ciro Nogueira é um craque da política. Tem boa relação, transita bem tanto no Senado como na Câmara. Agora, eu faço um paralelo com o futebol. Quando você coloca um craque num time ruim com um técnico péssimo, geralmente ele estraga a carreira e o técnico cai. Ou ele trabalha para derrubar o técnico. Como fez o Temer naquela última tentativa da Dilma de colocá-lo na articulação política. Então, vamos esperar um pouco para ver qual dessas duas consequências terá essa nomeação.
O senhor está formando sua convicção sobre o impeachment. Mas, independentemente dessa convicção, como o senhor avalia essa escalada da tensão entre o presidente Bolsonaro e o Judiciário, especialmente o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, com abertura de inquéritos, entre outras consequências? Isso preocupa o senhor?
Isso preocupa a mim e acho que preocupa a todos. Não somente pelos efeitos políticos, mas econômicos. É uma crise que gera uma instabilidade danada para qualquer investidor, interno ou externo. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã no Brasil. E ninguém investe em um país em que você não sabe o que vai acontecer amanhã. Agora, eu acho que é importante separar as condutas. O presidente Bolsonaro age completamente fora da institucionalidade da Constituição nos ataques faz ao STF ou contra o Parlamento. E a reação do TSE ou do STF, a despeito de dura, ela se dá nos estritos limites da institucionalidade. E isso é muito significativo, porque os outros poderes não podem cair na cilada de sair da institucionalidade para reagir às agressões fora dela. O STF tem demarcado um campo importante em defesa da democracia e das instituições. O presidente Rodrigo Pacheco fez uma fala ontem que sinaliza uma saída da zona de conforto para reafirmar as suas convicções. E eu acho que chegou a hora de o Parlamento brasileiro dizer ao povo brasileiro o que eu disse ontem quando sentei na cadeira de presidente: vai ter eleição e ela acontecerá pelas regras definidas por este Parlamento, porque quem decide regra de eleição não é nem as Forças Armadas nem o presidente da República. E quem quer que seja o presidente eleito pela maioria da vontade do povo brasileiro vai ser empossado. Nós temos que tranquilizar o povo brasileiro com relação a isso. E onde eu andar, todos os passos que eu andar, eu vou deixar essa mensagem. Eu acho que chegou a hora de união dos democratas, de manifestações a favor da democracia. Eu tenho feito apelos nas minhas entrevistas para que as pessoas vão às redes sociais, mandem mensagens em seus grupos da família dizendo que sem democracia nós não temos nada, porque sem ela nós perdemos o direito de disputar opinião no que nós divergimos.
O presidente chegou a dizer em entrevista que pode jogar fora das quatro linhas da Constituição. O senhor acredita que ele tem apoio para isso nas Forças Armadas?
Se ele jogar fora das quatro linhas da Constituição, ele tem que ser enquadrado nas quatro linhas da Constituição. E as quatro linhas da Constituição enquadram um presidente que joga fora delas com o impeachment. Eu acho que as Forças Armadas, a despeito de um ou outro arroubo, têm maturidade institucional desde a Constituição de 1988 de saber qual é o seu papel. Forças Armadas não juram obediência ao presidente da República. Juram obediência à Constituição Federal. E a Constituição Federal não dá margem para nenhuma saída fora da ordem democrática. O Brasil não é Mianmar, em que meia dúzia de irresponsáveis tomam o Palácio e dão golpe. O Brasil é um país estratégico no nosso continente, é um país estratégico do ponto de vista geopolítico. E o mundo de hoje não é o mundo de 1964. Em 1964, você tinha toda a imprensa a favor do golpe. No primeiro momento, a Ordem dos Advogados do Brasil a favor. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a favor. Depois, com a tortura, é que foram mudando. Milhões de pessoas mobilizadas na rua com medo do comunismo. O mundo dividido na Guerra Fria e, portanto, os Estados Unidos apoiando saídas golpistas com medo do comunismo, e o Brasil do ponto de vista econômico não era um país tão dependente de exportação de commodities como é hoje. O mundo de hoje não permite essa aventura. O Brasil sofreria imediatamente bloqueios comerciais e econômicos da União Europeia. O agronegócio iria reagir. Hoje, nós temos uma carta que é muito simbólica. Nós não estamos falando de gente à esquerda.
O senhor está mencionando o manifesto publicado na quinta-feira (5) por empresários, intelectuais e pessoas do setor financeiro?
Exatamente. É a grande economia do país dizendo: “Não, espera aí”. Vamos estabelecer aqui um limite e esse limite é a democracia. Então, isso seria uma aventura. Eu não tenho dúvida de que ele tem vontade de tentar. Mas, se tentar, vai fracassar. E os militares sabem disso. E sabem que se embarcarem numa tentativa fracassada, a pena para isso é clara: é cadeia.
O senhor falou de regras eleitorais e políticas que precisam ser mantidas. Independentemente de toda essa discussão acerca do voto impresso, existe hoje um pacote de mudanças eleitorais e políticas que está sendo discutido na Câmara cujo conteúdo é polêmico. Qual a sua avaliação quanto às chances de aprovação?
Eu tenho muitas preocupações com reformas de conveniência. Com reformas contaminadas pelos nossos desejos de renovarmos os nossos mandatos. Isso costuma não acabar bem. Aqui, há uma mobilização muito grande e uma força muito grande da maioria dos deputados em torno da ideia do Distritão. Eu não vou entrar no mérito, porque a regra que estabelecer eu vou entrar para jogar e o povo vai decidir se eu renovo o meu mandato ou não. No entanto, é preciso registrar que, por exemplo, aqui no Distrito Federal a soma dos oito deputados federais eleitos só dá 28% dos eleitores. Nós teríamos uma grave sub-representação no Parlamento. Setenta e dois por cento dos eleitores do Distrito Federal não teriam representação no Parlamento. Você vai ter muito mais brasileiros não representados que representados. Eu acho que nós temos que refletir um pouco sobre isso. Claro que do ponto de vista da minha reeleição, é muito mais fácil se for Distritão, mas eu acho que a gente tem que levar em conta o ambiente em que vamos disputar eleição mas não podemos perder a perspectiva de pensar no país, de pensar em médio e longo prazos, de pensar no nosso sistema representativo.
Mas como o senhor avalia a chance de aprovação dessas medidas?
Eu acho que existem muitas contradições dentro da comissão especial. Em especial do presidente da comissão com a relatora. O presidente pensa uma coisa, a relatora pensa outra. Dentro dos próprios partidos da base, há muita contradição. O PSD está muito convicto contra essa ideia de Distritão. O PL liberou a bancada. Então, são muitas contradições. E eu acho que diante de tantas contradições é difícil aprovar uma matéria tão desestruturante.
E em relação à proposta formatada pela deputada Margareth Coelho, o que pode passar?
Eu não conheço todo o conteúdo da proposta da deputada Margareth Coelho, até porque pelo que eu ouvi, é um projeto de 902 artigos. Então, é um projeto que muda significativamente o sistema eleitoral. Então, eu não tenho convicção formada ainda.
Com relação à pauta econômica, o que o senhor vislumbra?
Eu acho que haverá um esforço grande em torno da privatização dos Correios. E acho que haverá um esforço grande pela aprovação do que se chama de reforma tributária, que tem que ter muita boa vontade para chamar de reforma tributária. Chamar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e a mudança no Imposto de Renda de reforma tributária é perder a noção de que o Brasil precisa de uma reestruturação de seu sistema tributário com a lógica da simplificação, da diminuição regressividade, da neutralidade e do equilíbrio setorial. Essas propostas são a negação absoluta desses quatro princípios, que são o nascedouro de uma ideia de reforma tributária. Só tem lógica a reforma tributária se for para tornar o sistema menos complexo, menos regressivo, manter a neutralidade e ter equilíbrio setorial. E tudo o que há até aqui vai na contramão disso. Mas eu acho que haverá um esforço, porque o governo já demonstrou nos últimos tempos que está muito mais preocupado com a manchete que com o conteúdo. O governo quer algo para chamar de reforma tributária. Mas não tenho dúvida que o maior esforço do governo será para aprovar a PEC da pedalada, a PEC do calote, que é a PEC dos precatórios.
Sobre a questão do Imposto de Renda, tem havido muitas críticas à proposta. A Confederação Nacional da Indústria, por exemplo, divulgou nota ontem contra a proposta. Qual a sua avaliação com relação a ela?
Eu sou muito crítico, porque se afasta do que se pensava sobre reforma tributária. O projeto do CBS é somente a unificação do PIS/Cofins com majoração de alíquota. O impacto dele na simplificação do sistema tributário é quase zero. Portanto, os reflexos na redução de obrigações acessórias do contencioso é zero. Portanto, ele me parece muito mais um esforço do governo de recompor a perda de receita decorrente da decisão do Supremo que tirou o ICMS da base de cálculo do Cofins do que mesmo querer chamar isso de reforma tributária. A proposta do Imposto de Renda não é reforma tributária por um motivo simples: 85% dos brasileiros adultos já não pagam Imposto de Renda, o que é um dado alarmante porque significa que 85% dos brasileiros adultos tem renda menor que R$ 1,9 mil. Como você chama de reforma tributária algo que impacta 15% da população e deixa de fora 85%? Esses 85% da população não são impactados pelo Imposto de Renda. Eles são impactados pelo ICMS no arroz e no feijão. Pelo IPI na geladeira que ele compra. Pelo ISS na conta de água ou na passagem de ônibus. O problema no Brasil está na sobretributação sobre o consumo. E isso o governo não enfrenta. Eu sou crítico ao caminho que o governo escolheu para chamar de reforma tributária.
Voltando à questão da PEC dos precatórios, o senhor tem criticado muito. Hoje o clima é de aprovação?
Eu acho que o governo fará um esforço hercúleo para aprovar. E eu farei todo o possível para sensibilizar os meus colegas que isso é um equívoco. Por três aspectos. Primeiro: isso é uma pedalada fiscal. Pedalada fiscal já gerou o impeachment de uma presidente. O que o governo está propondo é constitucionalizar como legal algo que hoje é crime de responsabilidade. E por que é pedalada fiscal? Porque o governo está rolando dividas para outros governos para abrir espaço fiscal e fazer outros gastos. Isso é quebrar o teto de gastos, e é pedalada fiscal. Segundo, porque é calote. Nós estamos falando de processos que se arrastam há dez, vinte anos, no Poder Judiciário. Em que o governo em muitos desses temas sabe que vai perder ao final mas alonga o processo o tempo inteiro, não utiliza os mecanismos de negociação que dão uma lei de minha autoria aprovada no ano passado, a 1457, que autoriza desconto de até 40% e parcelamento em até oito vezes mas desde que em acordo com o credor. O governo não se vale disso durante o processo e depois, quando já está em execução, com o precatório emitido, ele tenta um parcelamento compulsório. E esse calote é preciso fazer um recorte. Porque R$ 19 bilhões desses R$ 89 bilhões são precatórios do Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (Fundef), que o governo sabidamente pagou errado. E que agora está tendo que pagar a diferença. Pela mesma Lei 1457, 60% desses precatórios têm que ser gastos pagando abono para profissionais do magistério. Isso, só no meu estado do Amazonas, significa um calote de R$ 134 milhões nos profissionais do magistério, professores a professoras, que tinham direito a um abono que daria por volta de R$ 5,2 mil para cada um. É um calote nos professores, nos estados e municípios, em empresas e pessoas físicas que litigaram por anos contra a União. E o terceiro aspecto, e talvez o mais grave: quando o ministro Paulo Guedes, que até hoje não entendeu que não é mais um operador da Bolsa de Valores, é o ministro da Economia, e, portanto, deve responsabilidade com o que fala porque o que fala mexe com a economia real e mexe com o mercado, diz: “Devo, não nego, pago quando puder”, ele passa a pior mensagem para investidores internos e externos. Porque ele passa a seguinte mensagem: se o governo é capaz de unilateralmente aprovar uma PEC e dar calote em precatórios, quem garante que amanhã ele não vai fazer a mesma coisa com títulos da dívida pública? Então, é absolutamente temerária essa PEC, e eu espero que o Parlamento brasileiro perceba isso e não embarque nessa aventura. E há outro ponto interessante: o governo quer aprovar uma PEC, alterar a Constituição e permitir o parcelamento de precatório para, através de uma medida provisória, majorar o Bolsa Família. Você faz uma mudança de natureza constitucional que vale para sempre para fazer algo sustentado em uma medida provisória. Que pode, por exemplo, não ser votada. E cumprir efeito somente no pedido de validade dela, como, por exemplo, as medidas provisórias do auxílio emergencial. Alguém tem dúvida de que vai ter emenda de R$ 600 e que isso vai gerar uma disputa danada aqui dentro? Qual o tamanho do que vai sair daqui dentro? Ninguém sabe. Pode sair a medida provisória, cumprir o objetivo eleitoral do presidente de dar a ajuda durante o período da medida provisória e depois voltar para o valor anterior, mas tendo o parcelamento do precatório definitivo na Constituição. Isso está errado.
Têm ocorrido reclamações por parte da oposição sobre a forma como vem sendo definida a pauta de votação nas sessões virtuais. Reclama-se que a discussão não tem sido ampla, que não tem havido transparência nessa definição, que não há muita transparência. O senhor compartilha dessas reclamações?
A pauta é uma decisão do presidente, sempre precedida da reunião do Colegiado de Líderes. Eu tenho ponderado, tanto com líderes da base do governo como da oposição, que a modelagem dessas reuniões está errada, porque está pouco política. Cada partido indica dois, três projetos, e você faz uma votação entre os líderes. Aí, vira um negócio de combinar antes: eu apoio o seu, você apoia o meu. E você não consegue discutir um projeto mais estruturante para o país. Então, eu acho que o problema não está no presidente. Eu acho que o problema está na modelagem da reunião que define a pauta.
Como está a sua relação com o presidente Arthur Lira?
Boa. Eu brinco. Eu não posso reclamar do presidente, porque eu fui para uma composição quando ele já era um deputado absolutamente alinhado com o governo. E ele também não pode reclamar de mim, porque quando eu fui para a aliança com ele eu já era um deputado independente que já tinha manifestações duras contra todas as falas do presidente da República fora da ordem democrática. Eu não posso reclamar dele e ele não pode reclamar de mim porque nenhum dos dois mudou depois da eleição. E eu repito: respeito muito o presidente Arthur Lira e considero muito que o nível de responsabilidade e portanto o nível de prudência dele necessariamente tem que ser maior do que o meu.
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