por Márcio Maciel*
Um falso dilema sobre o desrespeito à isonomia tributária entre bebidas de teor alcóolico diferentes tem sido veiculado na mídia nos últimos dias. O tema tem sido pautado por grupos majoritariamente formados por importadores de bebidas de alto teor alcoólico, com o intuito de sensibilizar o Congresso nas discussões sobre a reforma tributária sobre o consumo.
Entretanto, o objetivo não é buscar respaldo nas melhores práticas internacionais e propor para o país o que se tem de melhor em termos de tributação de produtos que gerem externalidade negativa, mas sim recompor ganhos de competitividade perdidos com a desvalorização do Real. Para não dizer isso abertamente, cria-se uma frase de efeito abstrata de que “álcool é álcool”, sem viés científico e que contraria todas as orientações internacionais de saúde pública, para tentar justificar que o governo deve igualar a taxação de bebidas alcoólicas, que são completamente distintas entre si, seja em sua composição química, seu impacto na sociedade ou na contribuição para a geração de emprego e renda para a economia.
Mas qual é a realidade tributária hoje das bebidas alcóolicas no Brasil que tanto incomoda esse grupo? O fato de que o IPI é progressivo conforme o teor alcoólico da bebida e de que essa diferenciação deve ser mantida no novo regime de tributação sobre o consumo quando da implementação do imposto seletivo. Isso porque a diferenciação não é uma regra exclusivamente brasileira, mas sim um padrão internacional chancelado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), agência internacional de saúde pública mais antiga do mundo. No “Plano de Ação Global sobre o Álcool”, divulgado em maio de 2022, durante a 75ª edição do encontro da OMS, uma das políticas definidas com prioridade para incentivar o consumo responsável foi a de adotar mecanismos que fomentem o consumo de bebidas com menor teor alcóolico com o objetivo de reduzir os potenciais efeitos adversos do consumo do álcool na sociedade.
Nesse contexto, países que possuem os melhores e mais avançados sistemas de tributação sobre o consumo, como o Reino Unido, Austrália e diversos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), adotam uma tributação especial sobre o consumo diretamente proporcional ao teor alcóolico da bebida. Ou seja, não se trata de falta de isonomia, mas sim de política tributária alinhada às melhorias práticas internacionais recomendadas para saúde pública.
Além disso, é importante esclarecer o contexto do setor de bebidas alcóolicas para entender a capacidade de geração de emprego e renda que se alega incrementar com a redução da taxação das bebidas alcoólicas com maior teor alcoólico.
PublicidadeA cerveja hoje é a bebida alcóolica mais consumida no Brasil, sendo a produção, que é praticamente 100% nacional, conduzida pelas 1.870 cervejarias que existem no país. O setor cervejeiro brasileiro é o terceiro maior produtor mundial, responde hoje por 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega mais de 2,5 milhões de brasileiros. Em segundo lugar, está a cachaça, outro patrimônio nacional, que responde por 86% do mercado consumidor entre os destilados no Brasil, conforme números do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça (CBRC). Entretanto, esse setor tem um cenário particular: de acordo com dados da plataforma Euromonitor (2021), 98% dos produtores de cachaça são pequenos e médios produtores e, desde 2016, os micros e pequenos produtores de cachaça já são beneficiados por um regime tributário especial no Simples Nacional.
Neste momento, é importante estarmos atentos aos fatos e entender o contexto do discurso do setor de bebidas com maior teor alcoólico para evitar que premissas incorretas prevaleçam sobre as melhores práticas de política pública. O modelo tributário brasileiro atual já segue um padrão internacional com eficácia comprovada em diversos países dentro e fora da OCDE.
A concentração alcóolica é fator predominante para definição dessas políticas públicas, não apenas no Brasil, mas em todo mundo, já que a discussão sobre álcool e tributação, antes de tudo, é um tema de saúde pública.
Não misture pois, acima de tudo, álcool não é, e nunca será, “tudo igual”. Quem advoga por isso ignora a boa ciência, as melhores práticas internacionais e os diferentes graus de externalidade negativa gerada pelos produtos. Não somos todos iguais pois não há nada como uma cerveja.
* Márcio Maciel é presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv)
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