Renata Vilela*
No mercado brasileiro de tecnologia da informação (TI), o setor privado geralmente é considerado melhor e mais barato. E essa visão, muitas vezes dissociada da realidade, costuma ser difundida por membros do governo em veículos de imprensa, debates e nas redes de informação do governo. Geralmente, sem nenhum contraponto.
De acordo com um funcionário do Serpro que prefere não se identificar, “É fato que quando uma empresa privada de TI presta serviço para outras empresas ou quando ela é a principal beneficiária do lucro no investimento de TI, como ocorre no caso de empresas como Google, AWS, Microsoft, existe sempre a busca pela maior satisfação do cliente e melhor relação custo-benefício para o consumidor”.
Contudo, o especialista alerta que, quando o contratante do serviço é o setor público, esta lógica se perde. Os motivos apontados para isso começam desde a contratação das empresas privadas, quando interesses escusos tentam favorecer um ou outro fornecedor, dando brechas para o superfaturamento dos serviços ou o favorecimento de empresas.
Esses vícios podem acontecer em qualquer órgão público ou privado. Porém, com a desestatização da Dataprev e do Serpro, poderá ser ainda maior, já que as soluções que ambos promovem para o Estado passarão a ser regidas por diversos contratos diferentes entre os órgãos e as empresas que comprarem as duas maiores empresas públicas de TI do Brasil.
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Além disso, indica o especialista, “Ainda que o contrato seja idôneo, ou seja, sem nenhum vício ou favorecimento, o foco da empresa será tão somente atender o edital do contrato. Ou nem isto!”. Isso ocorre porque quando uma empresa privada vence a licitação, não possui nenhum incentivo de fazer nada além do que está previsto no edital. Diferente do setor privado, impressionar o ‘cliente’ (governo), não lhes será garantia alguma de serem escolhidos novamente no futuro. Então, dessa forma, perde-se o dinamismo da área de TI, e prevalece um comodismo que pode fazer com que não haja desenvolvimento de novas e melhores soluções.
PublicidadeO comodismo que criticam nas pessoas físicas porque supostamente não podem ser demitidas, é o mesmo que há em uma pessoa Jurídica que vence a licitação e só perderá o contrato se for por uma falta muito grave. Talvez nem isto, afinal, assim como existem pessoas que podem ter padrinhos políticos que os protegem, de semelhante modo, existem pessoas jurídicas, com contratos com o governo com as mesmas regalias! Aqui enterra-se o mito de que tudo que é feito por uma empresa através de um contrato é necessariamente melhor.
Outra questão importante na relação entre o público e o privado no setor de TI são as situações de conflito, comuns a qualquer relação empresarial, mas que não estão previstas no texto do contrato. Nesse sentido, o especialista afirma que “A empresa que presta o serviço pode até se aproveitar de brechas dos contratos, prestando um serviço inferior ao que se pretendia na licitação”.
O funcionário do Serpro ainda esclarece que o desconhecimento do setor público, sua missão e, principalmente, seu funcionamento, fazem com que soluções simplistas, como a desestatização, sejam cogitadas sem estudos profundos. “Na prática, as coisas nem sempre funcionam como planejado por aqueles que nunca trabalharam no setor público e nunca lidaram com o conflito de interesses e motivações que há entre o setor público e o setor privado”, conclui o especialista.
*Renata Vilela, especial para a campanha Salve Seus Dados
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