O Brasil, felizmente, não tem pena de morte. Imaginem se tivesse! Sem a punição capital, os registros brasileiros mostram 58.559 mortes só em 2014, produto de homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Assim, num único ano, este país tropical, cordial e bonito por natureza, teve mais baixas do que os Estados Unidos em 14 anos da Guerra do Vietnã (1961-1975), onde tombaram 58.220 americanos.
Segundo o Mapa da Violência 2015 da Unesco, cinco brasileiros morrem a cada hora, vítimas de disparos de arma de fogo. São 120 mortes diárias, como se todo dia se repetisse um Carandiru, o massacre de 1992 que matou 111 homens no maior presídio de São Paulo. Como se todo ano desabassem aqui quase 20 Torres Gêmeas, o devastador 11 de setembro que matou 3 mil pessoas em Nova York.
Como o 11º país no ranking mundial das maiores taxas de homicídio, o Brasil precisa quebrar o ciclo de violência endêmica, livrando-se de um entulho da ditadura: a militarização da polícia. Até o golpe de 1964, o policiamento cabia aos guardas civis. O regime deslocou as polícias para o combate ao inimigo interno e deu a elas a concepção de forte hierarquia, com a missão central de investigação balizada pelo ideal de guerra, fundada na truculência e na banalização da tortura. A Polícia Militar ganhou a competência exclusiva da vigilância ostensiva, enquanto a investigação ficou restrita à Polícia Civil, uma compartimentação que se mostrou fracassada. Só 10% dos homicídios são esclarecidos no Brasil, onde a população carcerária, hoje a quarta maior do mundo, só cresce porque nunca se prendeu tanto no país, e tão mal.
É extremamente prejudicial a divisão entre polícia investigativa (civil) e ostensiva (militar). A PM do estado mais rico, São Paulo, matou em média duas pessoas por dia em 2015. A dose de virulência que distingue a PM da Polícia Civil é assustadora. Nos últimos 20 anos, os números do primeiro trimestre em SP levantados pela Secretaria de Segurança mostram que a PM matou 11 vezes mais do que Polícia Civil: 2.195 mortos pela PM contra 197. Em 2005, a violência da PM foi 32 vezes maior: 97 mortos contra três. Em 2010, a violência desequilibrada bateu o recorde: foram 146 mortos pela PM, contra apenas um da Polícia Civil. Neste ano, a truculência da PM foi apenas 20 vezes maior do que a da polícia: 185 mortos contra nove.
É preciso devolver às polícias seu caráter civil, sob o controle social de uma corregedoria autônoma, acumulando nelas as tarefas ostensivas da repressão aos crimes, as funções preventivas, a missão investigativa e a persecução criminal, dando ao policial o chamado “ciclo completo”, concedendo ao agente a chance de uma carreira única que lhe abra as portas da promoção funcional.
Toda essa evolução na segurança pública começa pelo princípio: a desmilitarização da polícia. O resgate da Polícia Civil, dedicada à proteção dos direitos do cidadão no regime democrático, estrutura-se a partir desse ato literal de civilização.
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