Luiz Rogério Costa *
Após uma longa atuação em empresa operadora de plano de saúde, tornei-me, há cerca de dez anos, servidor público federal. Em virtude de minha experiência anterior, fui convidado a participar de um grupo de trabalho que visava contratar assistência médica para atender aos servidores da autarquia em que estou lotado.
À curiosa situação de me ver ‘do outro lado do balcão’, somou-se a ingrata missão de dar um banho de realidade nos colegas do grupo de trabalho. Isto porque a contratação de plano de saúde passou a ser uma missão dificílima e as expectativas em relação à qualidade dos serviços obtidos e preços praticados podem resultar absolutamente frustradas.
Explicando melhor, conforme regulamento da Agência Nacional de Saúde (ANS), existem três modalidades de planos que podem ser contratados pelos consumidores: o plano individual ou familiar, o plano coletivo empresarial e o plano coletivo por adesão.
O plano individual ou familiar é aquele que pode ser contratado diretamente da operadora/seguradora por qualquer pessoa, seja de forma individual, seja como grupo familiar. Esse plano beneficia-se, aos olhos da lei e de regulamentos da ANS, do conceito da hipossuficiência presumida, ou seja, o seu usuário é considerado a parte fraca da relação e, por consequência, possui amparo do Estado com o objetivo de equilibrar as forças emseu relacionamento com a prestadora de serviços médicos.
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Há dois aspectos fundamentais que atuam como ‘niveladores’ desta relação: a previsão de reajuste anual com base em índice definido pela ANS e a impossibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte da operadora. Devido às proteções mencionadas, essa modalidade de contratação de plano de saúde caracteriza-se por possuir elevado valor no momento de sua aquisição, mas os mecanismos de regulação citados têm se mostrado eficientescomo fator de estabilidade ao longo do tempo, o que a torna uma excelente opção para os usuários.
PublicidadeOs demais planos disponíveis, o coletivo empresarial e o coletivo por adesão, são aqueles passíveis de contratação, respectivamente, por empresas e por associações classistas ou setoriais. Em tais planos não há previsão da aplicação do conceito de hipossuficiência, pois o entendimento que vigora é o da presença de igualdade na relação entre contratante e contratado em decorrência da existência dedois iguais, ou seja, duas personalidades jurídicas nos pólos distintos do contrato. Assim, pratica-se reajuste mediante livre negociação entre as partes e há a possibilidade de rescisão unilateral do contrato.
Como consequência dessa forma de ver o mercado, em que a contratação de planos individuais é feita em ambiente regulado e as demais modalidades não o são, as operadoras deixaram de oferecer os tais planos individuais e passaram a atuar exclusivamente no ambiente livre de regulação. Assim, atuando livres dos controles regulatórios, as empresas vêm impondo práticas absolutamente lesivas aos consumidores.
Além disso, causou-nos profunda estranheza o ocorrido nos processos licitatórios que visavam à contratação da operadora de assistência médica para atendimento de nossa autarquia em Brasília. Sistematicamente, apenas uma empresa apresentava proposta válida. Curiosamente, acompanhando o mesmo desafio de contratação de plano de saúde por autarquia congênere, cujos beneficiários situam-se no Rio de Janeiro, observamos que naquela capital apenas uma segunda empresa apresentava propostas válidas, em um forte indício de acordo de divisão de mercados pelo oligopólio que hoje atua no setor.
Se o desafio de buscar concorrência durante a contratação de uma prestadora de serviços médicos já se demonstrou uma tarefa frustrante, a gestão do contrato pode ser ainda mais decepcionante, pois as operadoras estabelecem critério de equilíbrio financeiro por contratante/contrato. Assim, se o índice de utilização estiver acima de um percentual ‘mágico’ estabelecido pela operadora, algo em torno de 70%, haverá pressões por reajustes adicionais ou a mera rescisão do contrato. Simples assim.
O mais curioso é que, quando da emissão da Lei 9656 (marco legal dos planos e seguros privados de assistência à saúde), o governo federal informava que ocorreria uma desejável concentração no mercado, fato que efetivamente ocorreu. Defendia-se que a concentração seria necessária por proporcionar escala às operadoras, condição dita como indispensável para se fazer frente aos custos assistenciais decorrentes do atendimento ao amplo rol de procedimentos médicos que passaram a compor a cobertura dos planos. Ora, se a pretensão era alcançar escala, como se permitir que as operadoras exijam equilíbrio financeiro por contrato e não por carteirade associados ou mesmo grupos uniformes de contratos? Prover escala é benefício a ser apropriado exclusivamente pelas operadoras? Os usuários não se beneficiarão da estabilidade econômica proveniente da escala?
O certo é que diante da ineficácia da autarquia reguladora e dos demais órgãos de governo, as empresas redesenharam o mercado para si: como os planos individuais são regulados, não há oferta para contratação nessa modalidade. Em substituição, induz-se o interessado a simular a sua adesão a alguma entidade associativa qualquer e aí se permite a contratação via plano coletivo por adesão, modalidade que permitirá reajustes ‘livremente negociados’ e rescisão unilateral a qualquer tempo. A quantidade de pessoas que aderem a esse mecanismo de contratação sem perceber os detalhes e a insegurança intrínsecas a esse modelo é impressionante.
Bem, se todo o relato já não é suficiente para demonstrar o quanto este mercado está longe de ter uma atuação minimamente regulada e o quanto anda livre para adotar as piores práticas, durante nossas pesquisas nos deparamos com a seguinte situação: recebemos a informação de que a ANS não possui plano de saúde para atender seus servidores. Qual a razão? Todas as tentativas de contratação por licitação restaram desertas. Afinal, se podem atuar livre de controle, que motivos as operadoras teriam para mostrar seus métodos à própria instituição que a regula (ou deveria regular)? Mas, pensando bem, não existir nenhuma proposta já é suficiente indício de que algo não vai bem e, mais ainda, que nessa perseguição de gato e rato,a regulação federal ficou para trás.
Ah, também há a possibilidade de se obter atendimento por entidades de autogestão. Mas esse é assunto para outro dia.
*Luiz Rogério Costa é servidor público federal.
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