Em agosto deste ano, o presidente do CRM-MG, João Batista Gomes Soares disse, segundo versão do jornal Estado de Minas: “Vou orientar meus médicos a não socorrerem erros dos colegas cubanos“. Ninguém desmentiu que esta instigação à omissão de socorro tivesse sido inventada por algum jornalista de esquerda. Pelo contrário, ela conta (em 06/09/2013) com 75.000 entradas do Google; algumas correspondem às páginas de internet de jornais bem tradicionais. Inclusive o termo “não socorrerem”, dito explicitamente, é um equivalente em negativo da frase “omitirem socorro”.
A declaração causou espanto e repúdio em milhares de blogs e redes sociais, pois algo semelhante não era escutado na mídia “civilizada” desde os tempos mais agudos de apartheid na África do Sul e na Alemanha dos anos 1938 a 1944. Salvo os comunicadores mais subservientes, os blogs de mensagens de ódio, as associações médicas e as grandes figuras de oposição política, ninguém teve a temeridade de elogiar esse discurso.
O ministro Alexandre Padilha assumiu dignamente uma veemente atitude de repúdio e crítica, sendo quiçá a primeira vez que um alto dignitário do Estado brasileiro confronta com tanta energia um grande cacique de uma área financeira tão poderosa quanto o comércio da saúde. Entretanto, que eu saiba, o ministro não formalizou representação junto ao Ministério Público por instigação ao delito de “omissão de socorro”.
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Mas o fato grave é a aparente indiferença dos operadores jurídicos, em particular o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, que, de acordo com o os veículos que consegui ler, parece não ter se pronunciado. Por sua vez, o CRM-MG tinha pedido à Justiça o direito de negar registro no Conselho aos médicos estrangeiros sem Revalida. A decisão do juiz foi clara e correta, mas era o mínimo que podia se esperar num país que integra a comunidade de nações e que deve respeitar (pelo menos, em casos escandalosos como este) a legislação internacional. Com efeito, já em 1999, Christa Rottensteiner, pesquisadora da ICRC (Cruz Vermelha), advertia que a lei internacional punia a omissão de socorro e sublinhava: “Um massacre nem sempre se faz com armas”.
O termo “massacre” está bem empregado pela autora, porque a omissão de ajuda humanitária pode constituir um verdadeiro democídio passivo. Pois, em realidade, a instigação pública de Soares vai além de omissão de socorro individual. Segundo o Código Penal, esse crime consiste em:
“Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
O que o chefe do CRM-MG está propondo é uma ação massiva de omissão de socorro executada por “seus médicos”, ou seja, dirigida a todos os médicos de Minas. Observemos que a omissão de socorro, mesmo se for executada muitas vezes, é sempre um crime comum e as penas deveriam se adicionar. Mas a instigação à omissão massiva é um crime de lesa humanidade, pois, se obedecida, ela conduziria a um massacre, como diz Rottenstein, e não seria apenas um homicídio “comum”. Claro, nosso Código Penal não contempla crimes contra a humanidade, que foram codificados para julgar aos nazistas.
Não sabemos se Soares já omitiu socorro a alguém ou omitirá no futuro, mas isso não importa. O que ele cometeu não foi o crime de “omitir socorro”, mas de instigar à omissão de socorro a todos os seus afiliados. Ora, a instigação ao crime é um ato que se comete ao lançar o estímulo para cometer esse crime, e não depende de que alguém o cometa. Veja o artigo 286 do Código Penal.
Então, mesmo que o ato de Soares não possa ser punido como crime contra a humanidade, poderia ser punido como crime comum. Mas parece que a indignação foi apenas moral.
Surgem claras evidências de boicote ao programa Mais Médicos em diversas prefeituras oposicionistas. Estas criam confusão na mídia dando a entender, enganosamente, que a contratação de mais médicos pelo programa federal irá determinar a demissão dos atuais profissionais. Sabemos que isso é falso e que dificilmente as populações dos subúrbios e municípios pobres serão ouvidas.
Para nós fica o medo: como agirão os médicos de Minas Gerais? A ordem de seu representante máximo de categoria, Dr. João Batista Gomes Soares do CRM-MG já foi dada!
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