“A arte existe porque a vida não basta” (Ferreira Gullar)
A inquietude humana nos leva a buscar permanentemente espaços além do real, a fantasia como realização metafórica de desejos e sonhos, a construção da arte como exercício máximo de criatividade e talento. A arte traduz nossa insatisfação com os limites da vida real e a partir das reflexões e dos sentimentos despertados provoca mudanças de atitude e o impulso de fazer concreto o impossível.
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A arte não é uma repetição pobre e monótona da realidade. A boa arte é necessariamente provocativa, desafiadora, imaginativa. A relação entre arte e verdade é complexa, além do que, a verdade depende sempre do olhar e dos valores de quem a aborda. Para Adorno, “a arte é a magia livre da mentira de ser verdade”. Já o poeta Manoel de Barros brincou certa vez: “Noventa por cento do que escrevo é invenção, só dez por cento é mentira”.
Dentro de um país radicalmente polarizado ideologicamente a noção de “guerra cultural” ganha cada vez mais protagonismo. A extrema direita enxerga em tudo a presença de um suposto “marxismo cultural” ligado às construções teóricas do italiano Antonio Gramsci a contaminar a maioria das manifestações artísticas de um esquerdismo atroz. Claro que a arte não é imune e impermeável à luta política de seu tempo. Mas toda a tentativa de instrumentalizar a arte, através do didatismo político ou do proselitismo ideológico, fracassou, já que produz arte de baixíssima qualidade. Nada é mais chato e ineficaz do que um livro, um filme ou um poema panfletário. A boa arte é necessariamente sutil, ou quando agressiva, deve ser esteticamente bem construída.
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Quando o Brasil concorreu ao Oscar com Fernanda Montenegro em “Central da Brasil” o clima era tipo a “Pátria de chuteiras”. A indicação do filme “Democracia em vertigem”, da diretora Petra Costa e da Netflix, sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, ao Oscar de melhor documentário destampou o caldeirão da “guerra cultural”. O então Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim disse: “(A indicação) mostra como a guerra cultural está sendo travada não só aqui, mas em âmbito internacional”. O PSDB criticou ironicamente nas redes sociais: “Parabéns à diretora pela indicação de melhor ficção e fantasia”.
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“Democracia em vertigem” não é ficção, como o realismo fantástico de “Bacurau” ou o drama de duas irmãs em “Vida Invisível”, é um documentário. E adere claramente à narrativa construída pelo PT de que teria havido um golpe. Até que ponto o documentarista pode adulterar a realidade? Como todos sabem, votei a favor do impeachment. E o filme despreza os milhões de brasileiros nas ruas pedindo a saída de Dilma, os crimes fiscais e eleitorais cometidos e, principalmente, o maior escândalo da história brasileira desvendado pela Lava Jato.
Mas, nada deve dar margem para saudosistas dos tempos autoritários recomendarem a volta da censura e do AI-5. Os excessos produzidos pela liberdade devem ser combatidos com mais liberdade. A democracia é eterno aprendizado coletivo. O documentário candidato ao Oscar se coloca claramente a serviço de uma narrativa política. Que outros atores, com fez o MBL, produzam outras versões com um olhar diferente.
Em falar nisso, dia 24 de janeiro, o Festival de Cinema de Tiradentes faz sua abertura. Viva o cinema brasileiro!
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