Marivaldo Pereira
Gustavo Carneiro*
Provavelmente você já recebeu (e certamente ainda receberá) — por uma rede social ou por um aplicativo de conversa — alguma corrente com links ou vídeos trazendo “informações exclusivas” sobre determinado acontecimento. Pipocam nas redes sociais fatos incorretos sobre uma exposição de arte, sobre a prisão de algum político ou sobre uma greve de proporção nacional, como a recente greve dos caminhoneiros. As fake news são um dos temas que mais têm gerado discussões atualmente. O Massachusetts Institute of Technology (MIT) define fake news como informações fabricadas que imitam o conteúdo da mídia tradicional em sua forma, mas não em seu processo de construção e organização nem em sua intenção.
No estudo “The Science of Fake News”, publicado em março de 2018, pesquisadores do MIT constataram que o poder de proliferação das fake news é três vezes maior do que o de outros conteúdos. Isso se explicaria por que essas notícias falsas geralmente são construídas para confirmar as visões de mundo de sua audiência, “falando o que querem ouvir”, além de terem um caráter de urgência ou novidade. Essas características incentivam o impulso natural que todos temos por compartilhar.
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As fake news são um fato complexo: propagam-se em um ambiente virtual e têm a capacidade de gerar efeitos inegáveis no mundo real. Esse tipo de notícia afeta desde estratégias de marketing de empresas até campanhas eleitorais. Além disso, envolvem a liberdade de expressão, o respeito à imagem e à honra das pessoas. Como devemos lidar com esse tema?
As maiores redes sociais estão investindo na autorregulação.
O Facebook, por exemplo, oferece um guia para o usuário que quiser aprender a identificar essas notícias, bem como um sistema de verificação de fatos (fact-checking) baseado em instituições parceiras, todas certificadas pela International Fact-Checking Network. Essas instituições classificam as histórias como falsas ou verdadeiras, e o Facebook diminui seu alcance, impossibilitando sua sugestão como assunto correlato a outras notícias ou diminuindo sua relevância para resultados de busca, por exemplo. Caso páginas tenham seus conteúdos reiteradamente classificados como falsos, sua habilidade de monetizar e de impulsionar as histórias será diminuída, e o alcance de sua página poderá ser reduzido até que eventualmente a página seja excluída da rede social — como aconteceu recentemente com diversas contas relacionadas ao grupo Movimento Brasil Livre (MBL). Mesmo assim, as iniciativas do Facebook poderiam ser mais transparentes, deixando mais claros os critérios e o procedimento interno que leva à tomada de decisão sobre a retirada de conteúdo.
Essas iniciativas de autorregulação certamente são uma antecipação à potencial regulação feita pelo Congresso sobre o tema. Levantamento da Agência Pública constatou que apenas neste ano foram propostos dez novos projetos, de um total de vinte que tramitam no Congresso (dezenove na Câmara e um no Senado). Essa quantidade tão alta de projetos apresentados em tão curto tempo é reflexo do aumento de exposição do assunto na mídia. Há diversas propostas feitas por partidos de todos os matizes ideológicos.
O projeto atualmente com tramitação mais avançada no Congresso Nacional é o PL n. 215/2015, que está pronto para ser pautado no plenário. Proposto pelo deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), esse projeto, basicamente, aumenta as penas nos crimes contra a honra — como difamação e injúria. Há também o PL n. 6.812/2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que cria uma nova tipificação penal para “divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na rede mundial de computadores”. Há outros nove projetos apensados a este, como o PL n. 9.931/2018, da deputada Erika Kokay (PT-DF), que, mesmo tipificando o ato de divulgação ou compartilhamento de notícias falsas, exclui da tipificação aqueles que agirem de boa-fé.
O tema é bastante complexo, pois a liberdade de expressão é um pressuposto para a concretização de tantos outros direitos, como a educação e o exercício da cidadania. No mundo atual, não é possível simplesmente se abster de uma vivência online, a coletividade já aderiu a esse comportamento de forma irreversível. Portanto, o problema das notícias falsas é uma questão pública — e a autorregulação, apesar de bem-vinda, não esgota o tratamento que o assunto deve ter.
A quantidade de fake news disseminadas diariamente, a extrema velocidade com que são compartilhadas e a dificuldade de identificar sua autoria inviabilizam discutir o tema dentro do quadro normativo atualmente vigente; em outras palavras, as leis que já regulamentam as atividades do mundo analógico não dão conta das atividades do mundo virtual. Saídas simplistas, que se voltam ao punitivismo estatal, com o mero aumento de penas para condutas já existentes, ou mesmo a criação de novos tipos penais, não são soluções satisfatórias para o problema, pois não lidam com suas causas e não impedem a sua propagação.
Atualmente há diversas iniciativas de órgãos como o TSE, a Abin e a Polícia Federal que sinalizam a escolha por uma monitoração prévia do conteúdo das comunicações na rede. Porém, qualquer tipo de monitoramento prévio de comunicações feito sem autorização judicial fere o espírito do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) e da própria Constituição Federal, colocando em risco a liberdade de expressão — e, portanto, isso deve ser rechaçado.
A resposta para o problema das fake news passa por um debate amplo e técnico com toda a sociedade para buscar caminhos inovadores e criativos. Não podemos correr o risco de repetir os constantes erros de legislações aprovadas às pressas, impulsionadas exclusivamente pelo clamor popular e absolutamente alheias ao debate técnico. É necessário o envolvimento não só do Governo e das empresas, mas também da academia e de grupos da sociedade civil. Somente assim poderemos compreender as melhores formas de lidar com o problema de acordo com os princípios do uso da Internet no Brasil (listados no Marco Civil da Internet, projeto em cuja construção participativa tivemos oportunidade de colaborar durante nossa atuação no Ministério da Justiça). É necessário equilibrar a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades e, também, a liberdade dos modelos de negócios promovidos na Internet — tarefa nada simples. Seja como for, não podemos abrir espaço para que a pretensa solução para as fake news seja a censura nem nenhum tipo de abuso praticado pelos detentores de poder.
* Gustavo Carneiro é mestre em Políticas Públicas pela Hertie School of Governance, de Berlim, e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Atualmente é advogado e mediador no Rio de Janeiro.
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