A participação do presidente Bolsonaro na Cúpula de Líderes sobre o Clima, com um discurso cheio de promessas e boas intenções mas vazio de números e de realizações que dêem qualquer garantia de comprometimento efetivo com a causa ambiental se insere entre aquelas ações políticas que visam exclusivamente à obtenção de dividendos eleitorais, e não de resultados concretos na luta pela sustentabilidade. De resto, em todas as áreas, Bolsonaro tem se esmerado em ações espetaculosas e francamente populistas para alavancar sua popularidade que anda em baixa principalmente diante dos números tenebrosos das perdas de vidas causadas pela pandemia e da comprovada incompetência de seu governo para enfrentá-la.
Sistematicamente, Bolsonaro usa sem pudor a mentira como arma e apoio a seus argumentos. No discurso na Cúpula, entre outras faltas de respeito com a verdade, ele mentiu ao afirmar que o Brasil está na vanguarda da luta contra aquecimento global. Mentiu ao dizer que o Brasil responde por menos de 1% das emissões de gases do efeito estufa. E mentiu ao dizer que o Brasil conservou 84% do bioma amazônico.
Essa política da busca por dividendos eleitorais a qualquer custo vem deixando um imenso rastro de destruição. No caso da pandemia, se não dispõe de recursos nem de competência técnica para enfrentar o desafio (e dispõe, sim, pois nossos centos de pesquisa e nossas universidades estão cheios disso, e sobra dinheiro para emendas parlamentares), poderia oferecer, pelo menos, bons exemplos. Mas a aposta numa espécie de “efeito manada da radicalização ideológica”, na feliz expressão do colunista Luiz Carlos Azedo, faz com que repita ad nauseam os mesmos gestos e palavras. Até hoje não reconheceu que a cloroquina e cocô de galinha produzem exatamente o mesmo efeito no combate à pandemia, conforme atestam os mais importantes institutos de pesquisas do mundo. Insiste em promover despudoradamente aglomerações que ampliam gravemente as margens de contaminação, só pra garantir orgasmos ao ouvir os gritos de “mito, mito, mito!” Ostensivamente evita o uso de máscaras e até se irrita quando vê alguém de sua própria equipe usando a proteção. E trata com tamanho descaso a vacinação como principal defensivo à doença que já chegou a dizer sem desfaçatez que, “se sobrar alguma dose”, vai “pensar” em se vacinar… E se espanta com essas pessoas estranhas que “só falam em vacina”… Como se, neste momento, fosse possível pensar em outra coisa, a principal arma para manter a vida, e que funciona no sentido inverso das armas que servem para matar, para as quais ele não hesita em oferecer subsídios e facilidades de aquisição.
Na área ambiental, Bolsonaro se apresentou na Cúpula como aquele cliente sem qualquer credibilidade que chega ao banco para pedir um empréstimo e o gerente começa a fazer perguntas. – Vejo aqui no seu histórico que o senhor atrasou e deixou de pagar o empréstimo anterior. Como é que espera que o banco concorde com o empréstimo que está pedindo se não tem bons antecedentes? Ah, mas vocês podem confiar na minha palavra. Se estou prometendo é porque vou cumprir! Vou cumprir!
Na área sanitária, se tivesse alguma grandeza, já teria convocado TODOS os governadores e TODOS os maiores cientistas brasileiros, independentemente da coloração ideológica de cada um, para uma ação concertada contra a doença. Bem como contrataria para comandar a pasta da saúde alguém com competência técnica e que não se subordinasse a seus caprichos, como vem ocorrendo com os últimos ministros que nomeou. Grandeza, alguém falou aí em grandeza, será que ouvi bem: grandeza? Mas será que ele faz a mínima ideia do que seja isso?
Na área ambiental, bem que poderia demitir o Ministro do Desmatamento, Ricardo Salles. Seria uma sinalização concreta de que pretende mudar de rumo. Mas, ao contrário, mantém Salles no cargo apenas para agradar os líderes do Centrão e evitar que algum dos mais de cem pedidos de impeachment entrem na pauta (ou seja: na busca de dividendos políticos imediatos). Também para ficar de boa com as lideranças de uma de suas principais bases de apoio – o agronegócio (também na busca de dividendos políticos imediatos), e para injetar mais combustível na sua manada ideológica, turbinada pelas redes sociais igualmente na busca de dividendos etc.).
Ora, se nem a palavra dele está valendo uma cédula de 3 reais; se não tem nenhuma realização a oferecer como garantia; se age exclusivamente visando a agradar e fortalecer sua manada de seguidores fanatizados; se já disse lá em agosto de 2019 que não precisava de dinheiro para preservar a Amazônia e se apresenta no guichê do banco apenas com promessas e boas intenções, como espera conseguir convencer o gerente de que merece o empréstimo?
Aqui entre nós: alguém, além do Queiroz, emprestaria? Eu também não.
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