Fabiano Contarato*
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse aos seus pares do governo que precisavam fazer um esforço “enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
>Ricardo Salles tem razão. É preciso remover o entulho verde da lei
Diante da gravidade dessa fala, a indignação inicial foi enorme e a reação imediata que tivemos foi na forma de protocolar representações ao Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nosso entendimento é, em tese, o ministro ter incorrido em improbidade administrativa, crime de responsabilidade e de prevaricação.
Leia também
Além disso, não podemos esquecer que Salles está sujeito a impeachment, processo que para ser instaurado depende de decisão do plenário da Suprema Corte – julgamento a ser marcado pelo presidente, ministro Dias Toffoli.
O pedido é amparado em descumprimento do dever funcional relativo à Política Nacional do Meio Ambiente e à garantia constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225). Também, por atos incompatíveis com o decoro, a honra e a dignidade da função ao perseguir agentes públicos em razão do mero cumprimento dos seus deveres. Mais uma razão: expedir ordens de forma contrária à Constituição Federal ao promover alterações da estrutura do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Ao retomar esse impeachment, que requeremos em agosto de 2019 – até então uma ação inédita –, percebemos que o ministro está “passando boiada” faz tempo. Só que, na reunião ministerial, ele tocou mais alto o berrante para mostrar como é que toca a sua gestão, ao afirmar: “tem uma lista enorme, em todos os ministérios que têm papel regulatório aqui, pra simplificar. Não precisamos de Congresso. […] Então isso aí vale muito a pena. A gente tem um espaço enorme pra fazer”.
A lista de malefícios desse “passando a boiada” de Salles no nosso ordenamento jurídico ambiental já é longa. Tanto que, apenas no meu mandato parlamentar, ingressei com 15 representações e ações no Ministério Público e Justiça sobre a temática ambiental. Pela Rede Sustentabilidade, meu partido, cinco ações junto ao STF sobre o mesmo tema.
Vale lembrar que, mesmo com a regulamentação vigente, considerada rígida por ruralistas, o Brasil teve 1.218.708 hectares (12.187 km²) de desmatamento em 2019, segundo relatório divulgado pelo MapBiomas.
As “saídas” que o ministro do Meio Ambiente e seus apoiadores propõem para enfrentar a pobreza e o subdesenvolvimento da população na região amazônica são, na verdade, de interesse de poucos exploradores de riquezas naturais, desmatadores, pessoas comprometidas com o lucro fácil para si e não com um projeto de país. Esses, sob o manto de “reformas liberalizantes”, querem passar não só a boiada, como a motosserra, impunemente, desrespeitando todo o regramento de proteção ambiental que protege nossas vidas e ainda a de pessoas que estão para nascer.
A legislação vigente não acolhe só o nosso interesse: temos de preservar e proteger o meio ambiente para as futuras gerações. Pensar no amanhã.
Não se trata, em hipótese alguma, de querer remover “entulho verde da legislação nacional”, como dizem os aliados do ministro. Estamos falando de uma flexibilização que poderá resultar na expansão do garimpo predatório, em mais grilagem de terras públicas e no aumento do roubo de madeira; na extinção de espécies e, consequentemente, em desequilíbrio da biodiversidade.
Certamente, sob a condução desastrosa de Salles, o que poderemos esperar é o avanço das queimadas e de mais violência e extermínio de indígenas e populações locais.
Fica muito claro que nada disso nos levará a mais riquezas. Vai, sim, aprofundar nossos prejuízos econômicos, sociais e políticos.
Portanto, resistir e, mais do que isso, buscar reverter esse perverso processo de ir “passando a boiada”, é fundamental para que o país, aos poucos, possa ter um reencontro com uma agenda e políticas públicas em prol do real desenvolvimento sustentável.
Há caminhos, contudo, não são os de Salles. Ele representa o Brasil do retrocesso. Isso já é sabido dentro e fora do país.
*Fabiano Contarato é senador pela Rede-ES, palestrante e ativista humanitário. Foi professor de Direito Penal, delegado de Polícia Civil, diretor-geral do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES) e corregedor-geral do Estado na Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont/ES).
>Relator de MP quer reduzir para 20% multa do FGTS durante pandemia