Dia 10 de dezembro de 2019 o Presidente Jair Bolsonaro assinou a MP 910 que altera a Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União com impactos importantes e em nossa opinião preocupantes sobretudo no território Amazônico, em especial em áreas de florestas públicas não destinadas.
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De acordo com Nota Técnica da Frente Parlamentar Agropecuária, tornada pública no mesmo dia 10/12, intitulada “Resumo Executivo – MP nº 910 de 2019”, a Medida Provisória 910 trará uma série de benefícios importantes ao desenvolvimento rural brasileiro quais sejam:
- “(…) Estabelece a unificação da legislação de Regularização Fundiária para todo o país, e não apenas na Amazônia.
- Inclui permissão da utilização da terra como garantia para empréstimos relacionados à atividade a que se destina.
- Possibilita a renegociação dos títulos antigos firmados até a data da MP.
- Coloca o imóvel como garantia do pagamento do Título, em substituição à cláusula resolutiva.
- Determina a obrigatoriedade do Cadastro Ambiental Rural (CAR) nos processos de regularização.
- Altera a data limite para Regularização Fundiária para 05/05/2014 (iguala ao Decreto 8.235/2014, que regulamenta o PRA).
- Altera o limite para verificação documental do processo de regularização de 4 Módulos Fiscais para até 15 MF (média propriedade).
- Estabelece o sensoriamento remoto (drones, var e satélites) como meios de comprovação de prática de cultura efetiva, ocupação e exploração direta, mansa e pacífica.
- Estende a gratuidade na alienação de áreas até 1 MF para as áreas fora da Amazônia Legal.
- Garante a gratuidade das custas ou emolumentos para registro de títulos translativos de domínios concedidos pelo Incra, para a pequena propriedade.
- Garante e reforça o poder fiscalizatório do Estado.
- Amplia a utilização de tecnologias remotas para checagem das informações prestadas e nas vistorias de parcelas, mantendo a obrigatoriedade de vistoria em caso de infrações ambientais ou conflitos fundiários.
- Permite o conhecimento da malha fundiária. Promove, além da regularização fundiária, a regularização ambiental dos imóveis, especialmente da Amazônia Legal(…)”
É preciso reconhecer os importantes benefícios descritos na nota da FPA decorrentes da norma em exame. Contudo é preciso também ponderar tais benefícios com os preocupantes efeitos colaterais adversos que poderão advir da oferta geral e indiscriminada desse conjunto de benefícios às ocupações ilegais em áreas de florestas públicas não destinadas na Amazônia, sobretudo aquelas que foram objeto de desmatamento ilegal nos últimos dez anos.
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De acordo com dados de janeiro de 2019, do Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro, órgão que está hoje sob a direção da pasta de Agricultura:
Publicidade“A área total de florestas públicas cadastradas em 2018 corresponde a aproximadamente 309,7 milhões de hectares. Este valor equivale a 36,3% do território brasileiro e representa uma redução de 0,6% em relação a 2017.
Até o final de 2018, estavam cadastrados 309.690.088 hectares de florestas públicas, dos quais:
- a) 240.440.822 hectares de Florestas Públicas Federais (FPF) (198.057.391 destinadas e 383.431 hectares de florestas não destinadas);
- b) 69.091.437 hectares de Florestas Públicas Estaduais (46.903.841 hectares de florestas destinadas e 187.596 hectares de florestas não destinadas)”
Estamos falando de sérios impactos negativos da MP que ao facilitar (premiar) titulação em áreas públicas com florestas desmatadas após julho de 2008, poderá consolidar e induzir a dinâmica de ocupação já acelerada na Amazônia ao comportamento indesejado pelo código florestal de 2012 que estabeleceu um marco temporal definitivo para um basta nas “flexibilizações” e anistias a desmatamentos ilegais, que foi julho de 2008.
A MP é um enorme estímulo a novas ocupações e desmatamentos ilegais ao confirmar a eterna expectativa de grileiros e posseiros ilegais na Amazônia de que nos próximos anos os prazos serão novamente atualizados pelo governo federal ou congresso nacional. Não por acaso ou coincidência também os prazos do CAR e PRA continuam sendo empurrados há sete anos.
A consolidação de milhões de hectares ilegalmente desmatados em terras públicas, sobretudo na Amazônia, pode impactar, num futuro próximo, algo em torno de aproximadamente 42 milhões de hectares de florestas públicas federais não destinadas com rebatimento (pois os estados tendem a acompanhar a regulamentação federal) em mais 22 milhões de hectares de áreas de florestas estaduais, somente na Amazônia.
Se é verdade que 35% dos desmatamentos na Amazônia de 2018 ocorreram em terras griladas e que os dados oficiais indicam forte tendência desmatamento na região para 2019 ao extrapolarmos, de forma bastante conservadora, a mesma taxa de desmatamento do ano passado (2019) para 2020 e o mesmo percentual de participação das áreas griladas (35%) no total desmatado para os próximos cinco anos, teremos mais 1,7 milhões de hectares desmatados ilegalmente somente por grilagem de terras públicas nos próximos cinco anos na Amazônia.
Essa perda de florestas equivale a duas vezes a Região Metropolitana de São Paulo.
E porque isso? Porque a MP 910 concede todos os benefícios retratados na nota da FPA, como a alienação sem licitação (a preços módicos) e a consequente pretendida titulação de ocupações irregulares (grilagem) de áreas públicas com florestas ocupadas após maio de 2014, inclusive as desmatadas ilegalmente após julho de 2008 até dezembro de 2018!
Parte dos benefícios destinam-se inclusive a áreas de até 2.500 hectares na Amazônia ocupadas irregularmente e desmatada ilegalmente. Importante lembrar que esse tamanho de área corresponde a mais de 60 Módulos Fiscais no AP e algumas regiões do PA ou 45 MF em Rondônia. Sendo que são considerados pequenos imóveis rurais pela legislação agrária e ambiental áreas com até quatro módulos fiscais.
Diante da incompatibilidade da MP 910 com um dos principais elementos objetivos do Código Florestal vigente o Congresso Nacional tem duas opções:
- a) rejeitar a MP, o que está em consonância com o propósito central de implementação do código florestal mas põe a perder os benefícios previstos pela FPA aos que não desmataram ilegalmente após 22 de julho de 2008; ou
- b) ajusta-la para a compatibilização com a implementação efetiva do Código Florestal de 2012 que buscou segurança jurídica aos produtores rurais que desmataram antes de julho de 2008 e desestímulo e regras rigorosas para vedação e responsabilização a quem desmatou ilegalmente, especialmente em APP e RL.
Esse alerta não pretende confrontar ou desprezar os benefícios burocráticos e econômicos propostos pela MP, conforme exposto na nota técnica da Frente Parlamentar Agropecuária. Mas é um alerta à sociedade, ao setor privado (agropecuário) e sobretudo ao governo (e os parlamentares alinhados com) para o fato evidente de que ao premiar (com titulação facilitada) quem “ocupou e desmatou” ilegalmente, ou seja, não cumpriu o código florestal a partir de julho de 2012, a MP está sinalizando que “o crime de ocupação de terras públicas e desmatamento ilegal na Amazônia compensa”.
Para saber mais sobre os dispositivos específicos da MP que contrariam frontalmente o código florestal em vigor (Lei Federal 12.651 de 2012) e as propostas para mitigar os impactos negativos da MP 910/2019 sobre os desmatamentos na Amazônia veja Nota Técnica de minha autoria neste link.
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Foge Glenda Verdevaldo…