Janete Capiberibe *
Relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), publicado em junho, mostra que a situação dos indígenas no Brasil vem se deteriorando cada vez mais em função da cobiça sobre suas terras pelo agronegócio predatório, pela exploração de madeira e de minérios. Segundo o relatório, 51 índios foram assassinados no Brasil em conflitos em 2011; entre 2003 e 2011, o número foi de 503 mortos, sem contar os 555 casos de suicídio no Mato Grosso do Sul.
Temo que essa situação possa se agravar consideravelmente se o Congresso Nacional aprovar o projeto de lei que libera as reservas indígenas para a exploração de recursos minerais e a Proposta de Emenda à Constituição que torna competência exclusiva da Câmara e do Senado a demarcação e a homologação de Terras Indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
Integro a comissão especial criada na Câmara para tratar do Projeto de Lei 1.610/96, que visa regulamentar a mineração nas terras indígenas. Segundo o projeto, a empresa que explorar o minério terá de pagar entre 2% e 3% da receita bruta do negócio durante o tempo de exploração e o dinheiro será administrado por um fundo. O projeto altera o modelo de autorização para a exploração mineral, criando leilões e a necessidade de licenças e autorizações.
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Essa comissão ignorou todo o debate já realizado pela Câmara, que resultou no relatório do falecido deputado Eduardo Valverde, aprovado pelas lideranças indígenas na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância de que participam os ministérios e lideranças indígenas de todo o país para traçar os rumos das políticas para essa população. O relator resiste ao debate em seu próprio estado e pressiona por um relatório preconcebido.
Além de obter rentabilidade econômica, a exploração em terras indígenas deverá assegurar a qualidade de vida permanente da população, um impacto mínimo na dinâmica comunitária das populações e a preservação ambiental. Mas o projeto em tramitação no Congresso não é claro sobre tais preceitos.
PublicidadeA exploração criminosa de madeira e minério nas terras indígenas e áreas de conservação revela a incapacidade de fiscalização do Estado, o enfraquecimento proposital dos órgãos federais responsáveis pela política ambiental e pela política indigenista.
Ao querer trazer para o Congresso Nacional a demarcação e homologação das terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação, a bancada do agronegócio quer evitar que seja reconhecida a necessidade de proteção dessas áreas, como fizeram com o quase extinto Código Florestal, sem ouvir a ciência e muito menos os anseios populares.
Ninguém ignora que, muitas vezes, a exploração de recursos não renováveis gera crescimento econômico imediato, mas no médio e longo prazos pode provocar profundos impactos ambientais e sociais que afetarão a qualidade e as condições de vida das futuras gerações.
De qualquer maneira, acredito que uma mudança na legislação de tamanha proporção não pode ser feita no afogadilho, alheia às legislações afins, como o Estatuto dos Povos Indígenas, ignorado pelo governo e colocado em xeque pelo Congresso, e o novo Código de Mineração em debate dentro do governo.
Os povos indígenas e o órgão indigenista federal deveriam ter a palavra inicial e poder soberano de veto sobre esses temas. Afinal, a dívida que o Brasil tem para com povos indígenas, como dizia o sertanista Cláudio Villas-Boas, não só não foi paga como continua crescendo a cada ano. Não podemos permitir que se torne maior, ao custo de centenas devidas a cada ano.
* Deputada federal (PSB-AP).
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