O Congresso em Foco promoveu nesta quinta-feira (5) um debate ao vivo sobre a crise que levou a política ambiental brasileira às manchetes de toda a mídia ocidental. A live tinha como objetivo discutir o que o Congresso Nacional pode fazer para enfrentar o problema, num momento em que o país passou a ser ameaçado por retaliações comerciais, justificadas pelo aumento das queimadas na Amazônia e pela insistência do governo em minimizar a gravidade da questão. Mas acabou com o parlamento cobrando mais diálogo e atitude do governo federal no enfrentamento à crise ambiental.
Foram convidados para participar da discussão os presidentes das comissões de meio ambiente do Senado, Fabiano Contarato (Rede-ES), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), e o ambientalista André Lima, que acompanha as atividades do Legislativo federal para o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). A mediação ficou a cargo do fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa., que apresentou aos debatedores questionamentos enviados pelos internautas.
Na ocasião, Rodrigo Agostinho, Fabiano Contarato e André Lima mostraram o impacto da atual política ambiental e cobraram diálogo com o governo federal para discutir essa situação. Rodrigo Agostinho lembrou que o desmatamento pode bater recorde no Brasil neste ano, chegando a 10 mil quilômetros quadrados, e disse que é possível chegar a um ponto de equilíbrio entre meio ambiente e desenvolvimento ambiental, tanto que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara tem trabalhado junto com a bancada ruralista em torno de projetos de combate ao desmatamento ilegal. Ele pontuou, contudo, que o governo não tem se mostrado disposto a ouvir a opinião dos parlamentares sobre isso.
“A gente tem feito esse trabalho de chamar o governo para discutir e conversar. Mas alguns ministérios são mais receptivos que outros. Hoje, infelizmente, o Ministério do Meio Ambiente não tem se mostrado com o protagonismo que a gente gostaria para debater esse assunto”, lamentou Agostinho, lembrando que, apesar de já ter participado de uma audiência pública sobre o Fundo Amazônia, o ministro Ricardo Salles faltou à reunião convocada pelos deputados nesta semana para discutir a crise ambiental. “Não há diálogo porque a postura do Ministério do Meio Ambiente, capitaneada por ele, é uma postura negacionista. Você pode falar, apresentar números científicos, mas eles negam tudo”, acrescentou Fabiano Contarato, que disse não ter conseguido estabelecer um diálogo produtivo, sereno e responsável nas vezes em que se encontrou com o ministro Salles.
O senador ainda criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à crise ambiental e cobrou responsabilidade do chefe do Executivo. “O presidente não entendeu que está investido como presidente e, como tal, deve ter um comportamento de responsabilidade, porque qualquer fala dele serve como estímulo para graves violações. Ele fala de autorizar a extração de petróleo da foz do Rio Amazonas, o minério em terras indígenas. O que pode acontecer com isso se já tivemos tantos outros desastres”, destacou Contarato, lembrando que o presidente deve agir conforme a Constituição Federal, que coloca como um direito da população o meio ambiente equilibrado.
Diante disso, os parlamentares, incentivados por André Lima, convocaram a população a se posicionar em defesa do meio ambiente. Rodrigo Agostinho acredita, por exemplo, que a forte reação da opinião pública e do mercado externo vai fazer com que o governo repense suas estratégias ambientais. “Precisamos fazer um enfrentamento disso, parar de achar que tem ONGs fantasmas que colocam foco, se debruçar em evidências científicas e saber investir o dinheiro”, disse. “Não basta você estar em casa e falar que defende o meio ambiente. O que você está fazendo como agente de transformação? Você pode fazer isso na sua comunidade, pois exercer a cidadania compete a todos nós”, completou Contarato.
Parabenizando o posicionamento e também o trabalho dos parlamentares no que tange à discussão política sobre o meio ambiente, o ambientalista André Lima pediu, então, que esse debate continue ressoando no Congresso e, assim, contribua com a aprovação de leis que garantam a proteção ambiental. Agostinho e Contarato comentaram alguns dos projetos relacionados a essa temática, mas também receberam sugestões de André Lima. “A gente não pode perder a oportunidade na reforma tributária, por exemplo, porque a reforma necessariamente vai modificar o regime de repartição da arrecadação. Então, poderíamos colocar a sustentabilidade como um critério de distribuição para o repasse de recursos, para que a gente possam cada vez mais sensibilizar os governos”, sugeriu Lima, que também propôs uma aproximação dos ambientalistas com os representantes do agronegócio no Senado.
Por fim, Lima pediu que a população cobre essa postura ambiental dos seus representantes no Congr, explicando que este é um tema que pode unir parlamentares da oposição e da situação. Afinal, como lembrou Agostinho, a própria base eleitoral de Bolsonaro já se mostrou preocupada com a situação ambiental nas pesquisas de opinião. “O que precisamos é criar um movimento dentro do Congresso, sensibilizando parlamentares, independentemente do partido, para que possamos assegurra o que conseguimos na Constituição e o que conseguimos nos últimos anos”, defendeu Lima, lembrando que o avanço do desmatamento na Amazônia caiu no início deste século e só voltou a ganhar força nos últimos anos.
Entenda a crise ambiental
A atual crise ambiental tem suas raízes nos primeiros dias do governo Jair Bolsonaro, quando ficou clara a disposição do ex-deputado para, coerente com o discurso que sempre teve em relação a essa temática, romper com 30 anos de políticas públicas e ações governamentais inspiradas pelo compromisso da Constituição de 1988 com a preservação dos recursos naturais e com o desenvolvimento sustentável. Nos últimos governos, o Brasil chegou a conquistar reconhecimento internacional pelo trabalho nessa direção.
Na gestão Bolsonaro, acumularam-se as declarações presidenciais de desprezo pelo tema. Sua afirmação mais famosa nesse campo, e também a de gosto mais duvidoso, foi aquela na qual sugeriu a um jornalista que o questionava sobre o assunto a “fazer cocô dia sim, dia não” para proteger o meio ambiente. Manifestações desautorizando órgãos e servidores da área ambiental, incluindo a exoneração do fiscal que havia multado o atual presidente, foram constantes.
Bolsonaro encontrou em seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aliás o último nome anunciado para o seu ministério, um fiel escudeiro para promover inúmeras ações concretas que os especialistas da área receberam com preocupação. Entre elas, o fim do Fundo Amazônia, o corte de recursos destinados à fiscalização, a transferência do Serviço Florestal do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura e as investidas contra o Inpe, que culminou com a demissão do seu diretor.
Desde abril o Congresso em Foco tenta, sem sucesso, entrevistar o ministro Ricardo Salles, com o qual também desejamos fazer um debate ao vivo sobre as questões ligadas à sua pasta. Salles tornou-se alvo de um pedido de impeachment, apresentado pela Rede, por descumprimento do seu “dever funcional” em relação à execução das políticas ambientais.
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