(De Varsóvia) A 19º Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 19) iniciou-se segunda-feira, 11 de novembro, na data nacional da Polônia. Nas ruas de Varsóvia muitas bandeiras e faixas alviescarlates, parada militar, comemoração cívica e eventual quebra-quebra promovido por grupúsculos da ultradireita à margem da mobilização da extrema-direita nacionalista católica.
Abordarei a inquietante questão política interna polaca noutro blog. De qualquer jeito foi nesse contexto que se deu a recepção de abertura da COP 19 com um coquetel à meia luz, alguns artistas e discursos rápidos da secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), Christina Figueres – sempre objetiva e incisiva – e alocuções algo menos felizes da prefeita de Varsóvia, Hanna Waltz, e do ministro do Meio Ambiente, Marcin Korolec.
A prefeita, como seria de se esperar, referiu-se à capital polonesa como uma cidade de parques e espaços verdes, mas não chegou a mencionar uma clara agenda local climática. O ministro fez um discurso também ufanista procurando colocar sob a melhor luz possível um país problemático do ponto de vista de suas políticas de clima. A Polônia é extremamente dependente do carvão, ainda mais que a China, os EUA ou a Índia. 90% de sua energia elétrica provem dessa matriz barata e abundante. No contexto europeu joga um papel por vezes solitário ao bloquear tentativas de todos demais para incrementar suas metas de redução com vistas a 2020 e 2030. No ano passado isso provocou um sério impasse e continua preocupando outros governos.
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O segmento negacionista climático é muito forte na Polônia, tanto na extrema-direita quanto na pequena e isolada esquerda, nesse país polarizado entre a direita pró-europeia e a extrema direita nacionalista católica. A segunda semana da COP 19, a decisiva, vai coincidir com uma Conferência de Cúpula Internacional do Carvão (!) que virou motivo de reclamações e piadas nos bastidores da conferência.
No seu discurso, no entanto, Korolec colocou seu país na vanguarda da agenda climática. “Reduzimos nossas emissões em 30%” garantiu. Achei o dado bizarro e decidi checá-lo nos meus alfarrábios socorridos à Google. A que se referia exatamente o ministro? Agregado? Intensidade de carbono? Emissões per capita? Na verdade, ele se referia ao agregado e sua cifra é correta, apenas usa o que eu chamaria de uma equação a la soviética – desculpem os poloneses essa terrível ofensa – porque calcula a redução de GEE a partir do ano base de 1988, o último do socialismo, com uma emissão de 556.556 GGCO2eq com 2011, um ano em que as emissões foram de 377.477 GGCO2eq. Aí de fato teremos uma redução no agregado de 29%.
Faltou explicar, porém, que esse redução espetacular – que ocorreu de forma ainda mais acentuada na Rússia pós-URSS – deveu-se quase toda ela ao desmoronamento econômico, entre 1988 e 2000, uma redução de 31%. Se formos considerar o período entre 2000 e 2011 aí temos um aumento de emissões de GEE da ordem de 3,6%…
PublicidadePara um país tão dependente do carvão é algo compreensível, poderia ser pior e denota um esforço para controlar emissões. Se tomarmos 2005 como ano base e compararmos com o último ano disponível, 2011, teremos uma queda de 389.963 GGCO2eq para 377.477 GGCO2eq. Ou seja, não estamos diante de uma situação de aumento de emissões como em vários outros países carvão-dependentes como a China e a Índia. Isso fica mais significativo ainda considerando-se a Polônia como um dos raros países da UE a apresentar crescimento econômico nos últimos anos. Então Korolec não disse algo totalmente despropositado e tem elementos para defender a performance de seu país. Mas não a ponto de ufanar-se…
A conferência, em si, começa como todas elas, a passo de cágado, muita conversa fiada em idioma onuês mas com um toque de tragédia dado pelo super-tufão nas Filipinas cuja intensidade obviamente pode ser creditada às mudanças climáticas.
O governo polonês optou por realizar a COP 19 no recém inaugurado e moderno estádio nacional. A estrutura provisória construída por sobre o gramado utilizada junto à instalações por trás das arquibancadas forma um quase labirinto que torna muito difícil encontrar o que se busca e dificulta o contato natural fortuito tão importante nessas conferências.
As expectativas para a COP 19 são baixas. Trata-se de uma reunião fundamentalmente preparatória em relação a COP 20, em Lima, ano que vem, e a COP 21 em Paris, em 2015, para quando imagina-se possa estar pronto um novo acordo para valer a partir de 2020.
Nos anos que nos separam de 2020 projeta-se um excedente de oito a 11 gigatoneladas de CO2eq. Para ter uma chance de se conter o aumento médio da temperatura em dois graus, nesse século, seria necessário chegar ao “pico” de emissões na altura de 2015 e já reduzir em pelo menos 3% as emissões antes mesmo da entrada em vigor das medidas que seriam aprovadas para 2020. Isso é praticamente inviável no atual contexto onde as emissões globais continuam aumentando no agregado.
Pessoalmente não tenho a menor esperança que o processo da ONU, por si só, consiga promover uma redução compatível com 450ppm/2 graus. Ainda assim ele é importante como mínimo denominador comum entre 193 países. No entanto, como temos discutido no nosso think tank Rio Clima, é preciso atuar dinamicamente em outros foros e instâncias com articulações multilaterais e bilaterais entre países grandes emissores e setores da economia associados diretamente a uma negociação que não pode ser apenas entre governos. É preciso ousar coisas novas. É preciso, sobretudo, criar um pano de fundo econômico favorável a uma economia global de baixo carbono.
No Rio Clima discutimos eliminação de subsídios a combustíveis fósseis (com medidas de compensação social), substituição de tributos existentes pela taxação da intensidade de carbono, definição de regras claras para o financiamento público global à mitigação e adaptação relacionando-o com responsabilidades históricas (ou “aportes cumulativos” para utilizar uma terminologia mais diplomática) e, sobretudo, o estabelecimento de uma Bretton Woods do baixo carbono. Uma nova ordem financeira internacional lastreada na redução de carbono como uma unidade de valor ou uma “moeda” capaz de remunerar e dar conversibilidade a ações que propiciam reduções no agregado antes de 2020.
Diferente do atual “mercado de carbono” que consiste basicamente no comércio de direitos de emissão compensadas pelas reduções de outrem, o que se buscaria, agora, seria um ciclo virtuoso contínuo. Reduções antecipadas seriam remuneradas numa “moeda” que serviria para adquirir tecnologia, produtos e serviços capazes de produzir uma redução subsequente.
O assunto é fascinante e voltarei a ele.
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