Vivemos um ano bem crítico, desastroso e inusitado em matéria ambiental no Brasil.
Convivemos com três desastres ambientais gravíssimos (com impactos em escala continental) em um único ano.
- Janeiro – Rompimento da barragem da Vale do Rio Doce em Brumadinho (MG) com mais de 250 seres humanos violentamente soterrados, com milhares e milhares de quilômetros do Rio Doce totalmente contaminados com lama tóxica que chegou até o litoral no Espírito Santo e da Bahia. Fruto de crime e descaso da Vale e da omissão (ou comissão?) dos órgãos ambientais federal e estadual;
- Junho a agosto – Aumento das queimadas e desmatamentos ilegais na Amazônia como consequência do estimulo e aumento da grilagem de terras públicas e do descontrole ambiental governamental;
- Setembro até agora – Derramamento criminoso de milhões de toneladas de petróleo cru pela costa nordestina brasileira, contaminando os ecossistemas costeiros em marinhos prejudicando fortemente a economia local de mais de 300 municípios. O desastre está acontecendo há mais de 100 dias, sem que a Petrobras, a Marinha brasileira e o governo federal (Ministério de Infraestrutura e de Meio Ambiente) tenham identificado e punido até agora os responsáveis. E sem que tenha estancado a contaminação. O desastre continua avançando e agora chega ao litoral do Espirito Santo dando sinais de que deve chegar ao Rio de Janeiro.
Três tragédias ambientais gravíssimas na sequência. Será uma mera coincidência?
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O leitor espiritualizado que leva a sério slogan do atual governo federal (que contém a parte “Deus acima de Todos”), deveria se perguntar:
“O que ELE deve estar querendo nos dizer com essa conjunção inédita de desastres ambientais de magnitude continental que impactam significativa e letalmente centenas de milhares de quilômetros quadrados de terras, ecossistemas marinhos e florestas, e milhões de brasileiros em um único ano, neste mesmo Brasil (acima de tudo)?
Aos que creem (independentemente de religião) pergunto: Não estará ELE nos dizendo algo sério e importante?
PublicidadeO fato é meus amigos que enquanto isso, no Palácio do Planalto e adjacências, o Governo que se inspira neste divino lema trama um plano, que obviamente não está sendo nem será apresentado explicitamente como tal, que coloca a nossa Amazônia brasileira (Patrimônio Nacional, de acordo com o artigo 225 da Constituição Federal), comparada em relevância econômica ao nosso Pré-Sal (Florestal), na irresponsável condição de novo Velho-Oeste a ser “conquistado e desbravado” a qualquer custo. Senão, vejamos:
- Gente grande de um setor estratégico (órgão de estado, não de governo, mas em cargo de governo) disse dia desses para uma plateia expressiva e sem constrangimentos que “temos que ocupar a Amazônia com brasileiros, mesmo que ilegalmente”. Essa frase resume o veio principal da estratégia em curso.
- Nabhan Garcia, Secretário de Regularização Fundiária do Ministério da Agricultura, ex-presidente da UDR, e pecuarista na Amazônia, vai ao Senado, em Setembro deste ano (supostamente sem a chancela de sua Ministra Tereza Cristina) e afirma que o Presidente pretende editar Medida Provisória ainda este ano para “acelerar” a regularização fundiária na Amazônia. Detalhe importante: para tanto criará nova modalidade “auto declaratória” de regularização fundiária. Assim ele pretende titular mais de 600 mil imóveis irregulares com até 2500 hectares na Amazônia.
- O Ministro Salles do Meio Ambiente depois de praticamente enterrar o Fundo Amazônia, e abrir mão de R$3 bi em doação, afirma não ter dinheiro para controlar o desmatamento na região, e diz que a solução para reverter a situação é legalizar o que é ilegal. Pretende acabar retoricamente com o desmatamento ilegal, transformando-o burocraticamente em legal. Simples assim. Para tanto já criou e está implementando um Núcleo de Conciliação para infrações ambientais no Ibama para rever arbitrariamente e sem qualquer controle social ou transparência, multas e embargos ambientais, inclusive sobre desmatamento ilegal na Amazônia.
- O Presidente da República assinou e publicou, em ato que contou com a alegra presença da Ministra da Agropecuária Tereza Cristina, sem qualquer estudo técnico público ou debate prévio, mês passado, decreto revogando as regras do Zoneamento Agroecológico da Cana de Açúcar. O ZEE da Cana proibia há mais de dez anos o plantio de Cana na Amazônia (e Pantanal), para evitar mais pressão de abertura de áreas sobre os dois biomas, vez que as áreas já abertas disponíveis em todo País são mais que suficientes para atender ao mercado atual e futuro da cana de açúcar.
- Semana passada o Ibama emitiu parecer jurídico vinculante para desresponsabilizar a cadeia produtiva de compradores de madeira com Documento de Origem Florestal (DOC) fraudado. Ressalte-se que a corresponsabilização jurídica de compradores de produtos oriundos de supressão florestal ilegal foi uma das medidas mais importantes para inibir o financiamento (indireto) do desmatamento ilegal.
- O Presidente Bolsonaro anunciou essa semana na imprensa que estuda liberar a exportação de madeira nativa em toras, abrindo mão (patrioticamente?) da geração de empregos diretos e indiretos que a indústria florestal e as serrarias amazônicas podem gerar e dos tributos que podem ser arrecadados com essa agregação de valor à madeira no Brasil e para os estados e municípios Amazônicos.
- Não faz muitos dias o Presidente e o Ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, receberam, por mais de uma vez no Palácio do Planalto, garimpeiros ilegais e anunciaram que pretendem regularizar garimpos ilegais por toda Amazônia, inclusive em Terras Indígenas. Em RR registrou-se exportação de quase 288 Kg de ouro esse ano, sem que haja um garimpo ou empresa regular sequer no estado.
- Ao longo deste ano de 2019 o Ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, defendeu (e ainda defende, mas em função dos três desastres ambientais citados recuou, ao menos por hora) de forma intransigente um novo modelo de licenciamento ambiental (total-flex e auto declaratório) para todo Brasil que ignora os impactos ambientais indiretos de obras de infraestrutura, sobretudo de rodovias na Amazônia, ignora Unidades de Conservação e povos indígenas. O aumento de desmatamentos como consequência direta da consolidação e da expansão de vias pela região não será considerado previamente nas avaliações de impactos de tais obras. Consequentemente não serão exigidas, dos empreendedores, medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias pelos desmatamentos ilegais decorrentes da geração pretendida de aumento de fluxo e de ocupação em áreas florestais ainda remotas.
- A mídia revelou ao longo do ano os cortes significativos no orçamento dos órgãos de fiscalização ambiental federal, além da suspensão (e aparente extinção) dos projetos do Fundo Amazônia, muitos deles de governos estaduais e municipais que procuravam criar melhores condições de prevenção e controle de desmatamentos ilegais.
- A repreensão pública do presidente, por mais de uma vez, feita em entrevistas em veículos de massa e em redes sociais de amplo alcance nacional, de que haveria uma suposta indústria de multas, dirigida aos servidores do órgão federal ambiental que aplicaram multas e sanções de perdimentos de bens em caso de desmatamento e garimpo ilegais em áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) na Amazônia é mais um elemento nessa cesta básica anti-ambiental.
- O presidente demitiu o Diretor Geral do Inpe porque revelou que o desmatamento na Amazônia estava aumentando significativamente. Fato que veio a ser confirmado recentemente neste mês de novembro em anúncio oficial do Inpe, feito nas presenças dos Ministros de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, desmentindo o próprio presidente.
- Importante considerar o empenho da base governista (ruralista) na Câmara Federal para uma nova flexibilização do código florestal, com ampliação da anistia aos desmatadores ilegais, por meio do Projeto de Conversão em Lei da Medida Provisória 867/18. Esta iniciativa, totalmente combinada com o governo, só não se concretizou em função da forte mobilização de organizações socioambientais na Câmara, no Senado, nas redes sociais e na mídia. A MP 867 caducou, pois o presidente do Senado (por pressão de seus pares e da sociedade civil) não aceitou coloca-la em votação no último dia de sua vigência, tal qual veio da Câmara, com mais de 35 emendas, sem que o Senado pudesse ter tempo para discutir e aprimora-la.
- A Ministra da Agricultura Tereza Cristina, que vem se apresentando como uma suposta face mais arejada e moderna do agronegócio brasileiro, assiste a tudo isso como se nada tivesse a ver com a pasta dela. Como se isso tudo fosse coisa de garimpeiros e madeireiros ilegais e sem correlação com a agropecuária. Ainda em novembro criticou publicamente a “Moratória da Soja”, acordo privado dos mais bem sucedidos para a inibição do setor sobre áreas desmatadas ilegalmente pela pecuária na Amazônia. As traders de soja se comprometeram no âmbito desse pacto (e vinham cumprindo até o momento) a não comprar soja oriunda de novos desmatamentos na Amazônia. Este pacto de certa forma limpou a barra e a imagem da soja brasileira, sobretudo nos mercados europeus. Mas agora já começam a falar em rever o pacto, catalisados por manifestações oficiais da ministra.
- Tramita no Senado com apoio e liderança de parlamentares da base governista Projeto de Lei nº 2.963/2019 que pode ser votado ainda essa semana na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que permitirá a venda de terras para estrangeiros, hoje limitada a 2500 hectares mediante aprovação do Congresso Nacional. Essa novidade, inusitada para quem defende a Amazônia como patrimônio dos brasileiros, associada à regularização fundiária auto declaratória do Nabhan Garcia, com a revogação do ZEE da Cana de Açúcar e da Moratória da Soja pode ser uma bomba para investimentos chineses na Amazônia Brasileira. A China é uma das principais compradoras da nossa soja e voltou a comprar carne brasileira em escala. Isso aumentou significativamente o preço da arroba do boi no Brasil e a pressão por mais áreas para pasto, que serão empurrados para o interior das florestas (o que já está acontecendo de acordo com os dados atuais do INPA).
- No início do governo Bolsonaro, além da Secretaria de Mudanças Climáticas, a Diretoria do Ministério de Meio Ambiente que cuidou até então (desde 2007) exclusivamente desse assunto (combate aos desmatamentos ilegais na Amazônia) foi extinta. Desde então não mais se falou no Plano de Prevenção e Combate aos Desmatamentos na Amazônia (PPCDAM) que, entre 2004 e 2016, foi responsável pela redução em 85% das taxas de desmatamentos na região, período de mais alto crescimento do PIB Brasileiro e do setor nas últimas décadas.
O resultado prático e óbvio dessa extenuante lista de praticados e intentos do atual governo não poderia ser outro: aumento extraordinário de quase 30% nas taxas de desmatamento na Amazônia, só em 2019. Essa taxa é somente comparável às da década passada (anteriores a 2010), com viés de forte de alta em 2020. Tivemos 9,7 mil km2 de desmatamentos ilegais neste ano, com indicativo de que superaremos os 12 mil km2 em 2020.
Será mesmo que “Ele” quer a Amazônia entregue à própria sorte, como querem Bolsonaro e seus discípulos, e aos grileiros, toureiros, madeireiros, pecuaristas e garimpeiros ilegais?
O que Ele quer que os Brasileiros (e seus governos) façam pelos cidadãos da Amazônia que carecem e merecem muito mais investimentos em infraestrutura, políticas públicas, qualidade de vida, geração de empregos, desenvolvimento econômico e social?
Quer Ele que devastemos a nossa principal riqueza continental de forma ignorante, irresponsável e irracional?
É essa a melhor expressão da gratidão que os brasileiros devem a “Ele” pelas maravilhas existentes na Amazônia, ainda muito pouco conhecidas e que estão sendo derrubadas e queimadas irrefletidamente na maior floresta tropical do Planeta?
Da minha parte digo com sinceridade, aqui do meu lugarzinho de ser humano muito pequeno, que depois de muito refletir a respeito ao longo desse ano sinto que “Ele” quer muito mais de nós. Resta saber como e se seremos capazes ou se teremos olhos de ver e inteligência para interpretar e nos alinhar aos seus sinais. Alguns deles (sinais) lembrados no início deste artigo. Sim, seja o que Deus quiser!
Mas que façamos a nossa parte com inteligência e responsabilidade.