Ricardo Ferraço*
Ética, transparência, austeridade e compromisso com o interesse público. É o mínimo que a sociedade brasileira espera do Poder Legislativo. O fim do 14º e do 15º salários para deputados federais e senadores é um passo importante nesse sentido, nem tanto pela economia que vai significar para os cofres públicos – pouco mais de R$ 30 milhões anuais –, mas pelo simbolismo da medida. Acabar com um privilégio injustificável, que vem se arrastando desde 1938, é reconhecer, ainda que a reboque da pressão da opinião pública, que é mais do que hora de mudar práticas duvidosas, que vêm manchando a imagem do Congresso nos últimos anos.
Temos um longo caminho pela frente para resgatar a credibilidade do Legislativo, a começar pela retomada de seu protagonismo político no cenário nacional. Convém ressaltar que a fragilidade do Congresso no atual modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão é o calcanhar de Aquiles do Parlamento, hoje refém das pautas do Executivo.
A tão criticada “judicialização” do processo legislativo também se deve, em grande parte, à letargia da Câmara e do Senado, tantas vezes omissos ou demasiadamente lentos na tomada de decisões de questões da maior importância. Como justificar, por exemplo, a inacreditável fila de mais de 3 mil vetos presidenciais pendentes de análise, alguns há mais de uma década?
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Se o Supremo Tribunal Federal houve por bem derrubar a liminar do ministro Luiz Fux que determinava a apreciação dos vetos em ordem cronológica – o que, lamentavelmente, abriu espaço para a votação precipitada dos vetos aos royalties do petróleo -, os ministros não deixaram de chamar atenção para o fato de que é o próprio Congresso que vem abrindo mão de seu poder constitucional de dar a última palavra sobre matérias legislativas, derrubando ou acatando os vetos presidenciais.
Vale registrar a observação do ministro Fux: segundo ele, não há o menor sentido na argumentação de que a liminar colocava o Congresso “de joelhos” perante o Judiciário; pelo contrário, ela colocava o Legislativo “de pé, ao lado dos outros Poderes da República”, reafirmando seu direito constitucional de analisar os vetos.
PublicidadeOs representantes dos estados não produtores de petróleo, que são maioria no Congresso, comemoraram a decisão do TF. Mas, mesmo para eles, foi impossível ignorar o alerta dos magistrados – e, obviamente, da sociedade. A atuação, para não dizer omissão, do Legislativo em relação aos vetos está, enfim, colocada na pauta de discussão do Senado. Este é um desafio que a Casa agora promete enfrentar, de uma vez por todas.
É esse processo de autocrítica e de revisão das próprias práticas administrativas e regimentais que parece finalmente estar em curso. A polêmica e a complexidade fazem parte inalienável do processo legislativo. Mas isso não quer dizer que as decisões não possam ser tomadas de forma mais ágil e eficiente. Mais uma vez, o Senado se propõe a colocar o dedo na própria ferida, revisando radicalmente seu regimento interno e sua sistemática de debates.
Como relator da reforma administrativa na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em 2011, sugeri mudanças profundas na Casa, com base em estudo cuidadoso da Fundação Getúlio Vargas e do trabalho anteriormente feito pelo senador Tasso Jereissati. Cheguei a crer que as medidas saneadoras não sairiam do papel.
Felizmente, fica provado que a instituição é muito mais importante que as pessoas que dela fazem parte – afinal, o poder conferido pelo voto a deputados e senadores é passageiro, mas o Legislativo, em si, é um dos pilares da democracia. O fim dos salários extras dos parlamentares, insisto, é uma medida simbólica. Outras medidas administrativas já foram tomadas, entre elas a desativação de parte do serviço médico do Senado e o corte de 25% das funções comissionadas.
Antigos privilégios e benefícios estão na berlinda. A relação entre os três poderes também está no centro do debate. Quem ganha com tudo isso não é um ou outro grupo político. É a democracia brasileira, que se fortalece junto com o Legislativo.
* É senador pelo PMDB do Espírito Santo e novo presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
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