Amilcar Faria*
Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem
Bertold Brecht
Leilão: modalidade de venda na qual se aliena (vende) um bem por concorrência pública entre pessoas interessadas, a partir de um valor mínimo estabelecido por uma avaliação prévia do bem.
“É um mecanismo econômico de negociação definido por uma série de regras para especificar a forma de determinação do vencedor e quanto este deve pagar.”
Essa modalidade é caracterizada pela concorrência, ou seja, pela participação de diversos (mais de um) interessados que dão lances crescentes pelo bem que está sendo vendido até que todos os demais concorrentes desistam de dar lances. Também caracterizam essa modalidade: a assimetria de informações entre os participantes; a avaliação prévia (anterior ao leilão) do bem que está sendo vendido, que determina o valor mínimo (lance inicial) do bem.
Após tal definição didática (fácil de entender) resta comprovado que a “venda” do campo de Libra, de exploração do petróleo na camada abaixo da profunda camada de sal (pré-sal) que existe abaixo do solo marinho (7 mil metros) é o mais novo exercício de criatividade sofista (ginástica verbal criativa) do partido “de direita” que está no poder há 12 anos.
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O grupo que ora se encontra no poder, entre outros arroubos, sempre acusou o grupo anterior de ações inescrupulosas (entre elas as privatizações), mas tão logo assumiu o poder, passou a realizar as mesmas ações, mudando apenas o nome da ação, em exercício de “contabilidade criativa” e de “criatividade sofista” (ao chamá-las “Concessões”).
Interessante como um determinado grupo usa de distorções linguísticas para maquiar suas próprias ações (ou inações). Corrupção generalizada passa a ser mero malfeito (e usando definições do próprio grupo a que se opunha à veemência); privatizações passam a ser concessões; maquiagem contábil e fiscal passa a ser contabilidade criativa; ética passa a ser… bem, deixa pra lá.
Mas o terreno das definições e dos conceitos é tão socraticamente árido quanto sofisticamente fértil. É difícil definir ou conceituar corretamente o evento que privatizou o campo de libra.
Não pode ser dito leilão, pois não havia concorrência. Não foi doação, pois a Petrobras terá que pagar R$ 6 bilhões, mesmo quase beirando a falência (a menos que vá pagar com dinheiro do BNDES, o que parece mais provável, aí seria doação do povo brasileiro para a iniciativa privada, como no caso da OGX); não foi venda direta, pois a legislação assim o proíbe.
O mais difícil mesmo é entender o que passa pela cabeça da presidente, ou seja, daquela que deveria ser a primeira cidadã, ao dizer que o “leilão” de Libra foi um sucesso. Até gostaria de acreditar que fosse ingenuidade e não má-fé, que fosse desconhecimento e não subversão da realidade, que fosse eu o incapaz de entender e não eles os (in)capazes de tentar enganar (como se fôssemos todos burros e ignorantes).
Se não houve concorrência, se a alienação do bem foi feita pelo lance mínimo, se a parceria do consórcio ganhador é duvidosa, se o pagamento do valor mínimo pode quebrar a Petrobras no presente, se o porte do investimento a ser feito pode quebrar a Petrobras no futuro, onde o sucesso?
Se a sociedade se mobiliza pedindo educação, saúde e transporte público de qualidade e contra a privatização do petróleo, se tal empreitada vai contra os desejos da população e dos que formam a própria Petrobras (e que tem conhecimento técnico do erro estratégico), onde o sucesso?
Se o mundo caminha a passos largos para o uso de energias renováveis e limpas, se a Petrobras está deixando de investir nesse novo mercado para investir ainda mais no uso do combustível fóssil, se não há certeza de atravessar a camada de sal sem causar o maior desastre natural da história, se não há sequer um plano de contingência de desastres que não o criado a toque de caixa só para responder a um casuísmo conveniente, onde o sucesso?
Parafraseando o famoso seriado de décadas atrás, Arquivo X: o sucesso está lá fora.
Fora do militantismo burro (por cego e surdo); fora do maniqueísmo ultrapassado Direita x Esquerda; fora do monopólio da representação pelos partidos políticos (corroídos e carcomidos); fora da total ausência de valores institucionalizada na política como na sociedade; fora da perniciosa perpetuação da lógica política do poder pelo poder.
Já esse “leilão” pode ser considerado um grande sucesso: o leilão de um só!
Um só, que foi vendido pelos interesses particulares dos que se perpetuam nos malfeitos da corrupção política, em ambos os lados do seu espectro (esquerda e direita). Um só que é feito refém da própria incapacidade de discernimento por falta de educação, saúde, transporte, segurança. Um só, abandonado à sua própria sorte por quem finge representá-lo, mas que só faz vilipendiar sua confiança e usurpar sua riqueza.
Um só, que foi leiloado por todos os que fazem a velha política, suja, clientelista, fisiológica, inescrupulosa, sem ética, sem compromisso com a coletividade. Esse que, mesmo sendo muitos, agora é um só (unido na solidão): o povo!
Esse tem sido leiloado com sucesso absoluto!
Amílicar Faria é servidor público federal, diretor de Programas de Controle Social do Instituto de Fiscalização e Controle e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
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