*Idilvan Alencar e Raul Henry
Um sistema é qualquer organismo formado por partes interligadas e interdependentes. As teorias de sistemas lhes atribuem duas características fundamentais: a) sistemas têm um propósito, que não pode ser alcançado por nenhuma das partes isoladamente; b) alterações nas partes produzem consequências em todas as demais.
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À luz destes conceitos, podemos afirmar que a educação brasileira é um sistema. Com efeito, são muitas variáveis atuando ao mesmo tempo sobre o aluno. Mas é um sistema informal, porque é a única política social sem sistema próprio de governança federativa, e incompleto, pois seus entes não possuem atribuições bem delimitadas e não lograram construir um processo decisório coletivo. Resolver os problemas da educação brasileira requer, portanto, adotar uma abordagem sistêmica, definindo as responsabilidades de cada um, suas interligações e interdependências.
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O pensamento sistêmico contribui para afastar discursos fáceis, com soluções únicas para todos os problemas, e a ineficiência de ações pulverizadas e descoordenadas. Há um princípio fundamental para compreender o que é visão sistêmica: “todo sistema está perfeitamente desenhado para dar os resultados que ele, de fato, gera”. Não é por acaso, pois, que de cada 100 estudantes que entram na escola no Brasil, apenas 59 concluem o Ensino Médio e, destes, só 27,5% têm conhecimentos adequados em leitura e 7,3% em matemática. Cada parte do sistema educacional brasileiro contribuiu para esse resultado e se beneficiou de algum modo do sistema tal qual ele está organizado.
Institucionalizar o Sistema Nacional de Educação (SNE) é uma das estratégias para gerar soluções sistêmicas para os problemas da educação. Não é um debate que começou agora. Em 2009, incluiu-se na Constituição a obrigação de editar decenalmente lei com o Plano Nacional de Educação (PNE), visando articular o SNE. Em 2014, a Lei nº 13005, que estabelece o PNE, determinou que se instituísse em lei o Sistema Nacional de Educação. A legislatura encerrada em 2018 debateu, mas não aprovou uma lei do SNE. Hoje tramita projeto de lei complementar sobre a matéria, o PLP 25/2019, com o PLP 47/2019 apensado.
O PLP 25/2019 organiza a educação de modo sistêmico a partir de três pontos: a) definição das atribuições de cada ente, eliminando sobreposições e “vazios”; b) criação das estruturas de coordenação e cooperação – as comissões tripartite e bipartite, os polos regionais, conselhos, fóruns e planos; c) temas que serão pactuados nas comissões.
Os temas a serem pactuados são uma parte crucial do PLP porque dão concretude ao SNE. Por esse dispositivo, os governos federal, estadual e municipal terão que sentar à mesa para definir, entre outros, a responsabilidade pela oferta do ensino fundamental e por serviços de apoio ao estudante (alimentação e transporte, em especial), calendários das redes, implementação de currículos, formação continuada de professores etc.
O SNE pressupõe a educação como responsabilidade de todos. Cada ente federado faz parte do problema e da solução. Há no Brasil bons exemplos da cooperação federativa, como a política de alfabetização do Ceará. Até o lançamento do Programa de Alfabetização na Idade Certa do Estado do Ceará (PAIC), era mínima a participação do governo estadual na alfabetização. O PAIC alterou essa realidade. Dialogando com os municípios, o Estado pactuou metas de alfabetização, formas de premiação e solidariedade entre municípios e escolas, implantou um sistema de avaliação e monitoramento, elaborou e distribuiu materiais didáticos e investiu na formação de professores. Além disso, colocou a taxa de alfabetização como uma prioridade do Estado e dos municípios ao adotá-la como um dos critérios para distribuição dos recursos do ICMS. Essa política é uma das responsáveis por elevar o IDEB do Estado nos anos iniciais do ensino fundamental de 3,5 em 2007 para 6,1 em 2017. O sucesso do PAIC tem inspirado iniciativas similares em outros estados, como o Criança Alfabetizada, de Pernambuco, lançado em junho deste ano, com o intuito de alfabetizar todas as crianças até os 7 anos de idade num esforço entre governo estadual e municípios.
A expectativa com o SNE é que experiências como essas se multipliquem. As instâncias de pactuação e a obrigatoriedade de decidir conjuntamente sobre alguns temas conduzem a maior cooperação e qualidade, aumentando a eficiência, reduzindo sobreposições e possibilitando ações de escopo amplo que, de fato, transformem a educação brasileira. Essa é uma das agendas mais importantes na Educação para o segundo semestre, juntamente com os debates sobre o Fundeb.
Nos dias 05 e 06 de setembro, Brasília sediará um seminário, organizado pelo Movimento Colabora Educação, cujo objetivo é promover uma discussão que contemple as interligações e interdependências do SNE. Um ponto de partida para as discussões que se desenvolverão no Parlamento ao longo do semestre.
1. Stroh, David Peter. Systems thinking for social change: A practical guide to solving complex problems, avoiding unintended consequences, and achieving lasting results. Chelsea Green Publishing, 2015.
*Idilvan Alencar é Deputado Federal (PDT/CE) e Coordenador da Comissão de Ensino Médio da Frente Parlamentar Mista da Educação
*Raul Henry é Deputado Federal (MDB/PE) e Coordenador da Comissão de SNE da Frente Parlamentar Mista da Educação
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