A proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) permanente foi aprovada pelo Senado nesta terça-feira (25) em dois turnos. Todos os 79 senadores presentes votaram a favor da proposta nas duas votações. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não votou porque estava conduzindo a sessão e a senadora Mailza Gomes (PP-AC) estava ausente.
O relatório do senador Flávio Arns (Rede-PR) foi aprovado sem mudanças. A promulgação vai acontecer às 11h de quarta-feira (26).
O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica no Brasil e, pela legislação em vigor, acaba no dia 31 de dezembro deste ano.
Além de tornar o Fundeb permanente, o texto aumenta de 10% para 23% em seis anos a participação da União no fundo. Do valor financiado pelo governo federal, 5% terão de ser aplicados em ações relacionadas à primeira infância.
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Pelo texto, a União passa a financiar 12% no primeiro ano, com aumento de 3% no segundo e 2% ao ano nos quatro anos seguintes.
O relatório de Flávio Arns manteve, quanto ao mérito, o texto da relatora na Câmara, deputada Professora Dorinha (DEM-TO). O único ajuste foi uma supressão na possibilidade do fundo ser usado em escolas privadas, mas como se trata de uma mudança de redação não exige uma nova análise pelos deputados.
PublicidadeTentativas de mudanças no texto
Nas últimas semanas foram feitas tentativas de fazer modificações no texto, como no ponto que constitucionaliza o Custo Aluno Qualidade (CAQ), que regulamenta o investimento necessário para a melhoria do ensino com base na quantidade de estudantes.
Também havia desejo de parte dos senadores de fazer com que o aumento da vinculação do fundo para pagamento de servidores fosse gradual em vez de aumentar de 60% para 70% a partir do primeiro ano. Essa emenda, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi retirada pelo próprio autor.
Foi levantada a possibilidade de o governo aceitar incluir as despesas com servidores inativos nas contas do fundo.
Todas as tentativas de modificação não prosperaram. Mesmo depois da aprovação, algumas das novas regras do Fundeb vão precisar ser regulamentadas por meio de projetos de lei, como a que institui o CAQ.
Protagonismo do Congresso
O gerente de estratégia política da organização não governamental Todos pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, considera positiva a forma com que o Congresso tem discutido o Fundeb. “Foi um protagonismo da Câmara, que está fazendo um debate muito relevante da educação brasileira”, avalia.
Já o governo federal, na opinião dele, mostrou-se alheio à discussão e só entrou em campo aos “45 do segundo tempo”. As discussões sobre o assunto foram ignoradas pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Os congressistas tiveram de tratar do assunto com o Ministério da Economia.
Apesar do texto ter chegado ao Senado há pouco mais de um mês, Flávio Arns, que é vice-presidente da Comissão de Educação do Senado, acompanha a negociação da iniciativa com a deputada Professora Dorinha desde 2019.
Veja um resumo das principais mudanças em relação ao modo como o Fundeb é aplicado hoje:
- Financiamento da União: passa dos atuais 10% para 23% em seis anos.
- CAQ: O Custo Aluno Qualidade, ou seja, a regulamentação do investimento necessário para a melhoria do ensino com base na quantidade de estudantes, passa a estar previsto na Constituição.
- Salário dos servidores: o valor mínimo do fundo para financiar o salário de profissionais da educação passa a aumentar do atuais 60% para 70% do Fundeb.
- Fundo permanente: o Fundeb passa a estar previsto na Constituição como um fundo de duração permanente. Hoje ele precisa ser renovado pelo Congresso quando termina a validade estipulada.
- Valor Aluno Ano Total (VAAT): o índice leva em conta toda a arrecadação do município ou estado para definir quem está apto a receber a complementação. Estados do Norte e Nordeste são os principais beneficiados com o fundo. O texto muda a lógica de distribuição estadual, que agora passa a ser municipal. Do modo como é hoje, muitos municípios pobres não recebiam a complementação adequada por conta dos resultados estaduais
Governo x Congresso
Inicialmente o governo queria que os 5% vinculados à educação infantil fossem por meio de voucher destinado a crianças de família em extrema pobreza, o valor poderia inclusive ser usado no ensino privado. A ideia do voucher é avaliada dentro do Renda Brasil, reformulação do Bolsa Família.
O uso do Fundeb para implementação do voucher para a primeira infância era uma estratégia do governo para que não fosse descumprida a regra do teto de gastos no novo programa de assistência social, já que o fundo não é contabilizado por ela.
O governo chegou a enviar para líderes uma contraproposta na qual pedia para que o novo Fundeb entrasse em vigor somente em 2022.
Até o dia da votação na Câmara o clima era de confronto e o presidente Jair Bolsonaro usou o Centrão para tentar adiar a votação. Quando percebeu que não havia apoio para isso, o governo orientou favorável à proposta que aumenta em seis anos de 10% para 23% a participação da União no fundo.
Em entrevista ao Congresso em Foco na semana passada, o senador Flávio Arns evitou falar sobre os atritos entre governo e Congresso na análise da proposta.
“Não podemos agora olhar as dificuldades que aconteceram, tanto a deputada Dorinha [relatora na Câmara] como eu, como outros senadores e deputados, nos colocamos à disposição do Ministério da Educação para que possamos trabalhar daqui para frente, federal, municipal, estadual e sociedade muito juntos porque é um regime de colaboração e um regime de colaboração exige a responsabilidade de todos”, afirmou Arns.
Ele disse que ainda não chegou a se reunir com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, porque o chefe da pasta contraiu covid-19. Mas afirmou ter contato com o secretário-executivo do MEC, Victor Veiga. “Vamos regulamentar bem a matéria porque a PEC é um avanço bom na educação básica, vamos trabalhar juntos para todos nos orgulharmos dos resultados.”
PEC é discutida há cinco anos
O texto da PEC é da deputada Raquel Muniz (PSD-MG), que o apresentou em 2015. Os deputados tentam votar o relatório de Dorinha desde o ano passado. Inicialmente, a relatora queria aumentar a participação da União para 40% em 11 anos. A medida traria um grande impacto nas contas públicas do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiu não agir para fazer a PEC avançar enquanto o percentual fosse desse tamanho.
Já o governo não queria aumentar a participação no fundo, mas a equipe econômica abriu diálogo para que houvesse um aumento para 15%.
Além disso, em 2019, durante a administração do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub não havia diálogo entre os dois Poderes sobre o tema e o clima era de confronto. O então ministro chegou a anunciar que iria enviar uma PEC diferente da que tramita na Câmara.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, não participou de maneira efetiva da negociação para o texto. A relatora do Fundeb na Câmara reconhece que há dificuldades para o ministro recém-empossado ficar a par das discussões, que acontecem há cinco anos, sobre a renovação do fundo e disse que o papel dele deve ser mais em relação a implementação do texto após a aprovação.
“Ele pode se inteirar, pode se envolver muito na lei de regulamentação e tudo mais. Não esperava diferente, acabou de entrar e é um texto complexo”, disse ao Congresso em Foco no dia 17 de julho.
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