Luiz Gonzaga Bertelli *
Muito se critica a saúde no Brasil pelo viés de políticas públicas e poucos se arriscam a olhar uma das faces mais profundas do problema. Há, sim, longas filas de espera, falta de leito e equipamentos nos hospitais. Porém, mais grave é a qualificação dos médicos, como reafirma o mais recente exame de avaliação do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp): o índice de recém-formados reprovados, ou seja, dos estudantes que saem da faculdade sem dominar conhecimentos básicos do atendimento clínico, dobrou entre 2005 e 2008, saltando de 31% para 61%.
O percentual começa a se aproximar perigosamente do registrado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil/São Paulo (OAB-SP) que, em 2008, reprovou 77,3% dos inscritos. A diferença é que a prova da OAB-SP é obrigatória e a do Cremesp é feita voluntariamente, o que pode indicar que apenas os recém-graduados mais interessados participaram.
A comparação entre as duas situações rende outra diferença e mais um ponto em comum. Tanto a Medicina quanto o Direito sofreram com a proliferação de cursos, já que quantidade não é sinônimo de qualidade. A história muda no que se refere ao treinamento que os estudantes dessas áreas podem receber antes de passar pelo teste.
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Diferentemente dos futuros advogados, que, antes mesmo da conclusão da faculdade, são estimulados a participar de estágios nos quais aplicam na prática os conceitos teóricos e aprendem com a experiência de profissionais gabaritados, os futuros médicos esbarram numa série de dificuldades para entrar em programas de capacitação.
Por não estarem autorizados a prestar atendimento direto a pacientes sem a devida graduação, eles precisam ganhar experiência desempenhando atividades não menos importantes na área da saúde, atuando em setores administrativos ou laboratoriais. Nem mesmo a residência médica, estágio de pós-graduação que visa à especialização, é obrigatória. Na ponta do lápis, um jovem pode conquistar o diploma de médico generalista sem ter exercido qualquer prática profissional e, o que é pior, ser contratado por um pronto-socorro em que tratará até mesmo dos problemas de saúde que mais matam no país: doenças cardiovasculares e traumas.
PublicidadeE há um outro problema: o direcionamento de carreira, mesmo entre aqueles que optam pela residência. Contando com mais de 50 opções de especialização, a maior procura recai em cirurgia plástica e dermatologia, carreiras com maior retorno financeiro, em detrimento das menos glamorosas e mais necessárias, como pneumologia e nefrologia – conforme aponta estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM).
* Luiz Gonzaga Bertelli é presidente executivo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), membro da Academia Paulista de História e diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
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