Na sexta-feira (21), o Supremo Tribunal Federal (STF) enterrou a “lei da mordaça” que determinava que os/as professores/as não poderiam praticar “doutrinação política e ideológica” em sala de aula e que seria um direito dos pais que os filhos recebessem uma “educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica”.
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Oito ministros do STF seguiram o relator ministro Roberto Barroso, que julgou inconstitucional a Lei n° 7800, de 05 de maio de 2016, do Estado de Alagoas, que instituiu, no âmbito do sistema estadual de ensino, o Programa “Escola Livre”, inspirada no movimento Escola Sem Partido.
Em seu parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5537 contra a referida lei, movida pelo Partido Democrático Trabalhista e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, o ministro Barroso afirmou “A ideia da neutralidade política e ideológica da lei estadual é antagônica à de proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância, tal como previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação”. (…) “A exigência da neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas políticas em sala”.
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Além de derrotar a lei alagoana da “Escola Livre”, a decisão do STF resultou no anúncio pelo fundador do Movimento Escola Sem Partido, Miguel Nagib, que desistiu do Movimento e encerrou os canais de comunicação do mesmo sob a responsabilidade dele.
A decisão do STF vem ao encontro da defesa da democracia e, além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), se respalda na Constituição Federal (Art. 206) “… liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas…”, e também na Plano Nacional de Educação (Lei 13005/2014), cujas diretrizes incluem a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” (Art. 2º).
PublicidadeÉ a quinta decisão do STF este ano em favor da liberdade de cátedra prevista na Constituição Federal. A mais alta corte do país também derrubou leis nos seguintes municípios que proibiam “políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero” e cerceavam a discussão em sala de aula sobre a igualdade entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual: Nova Gama-GO; Foz do Iguaçu-PR; Ipatinga-MG; e Cascavel-PR.
Os fatos mostram ser urgente ter ações nas escolas que formem estudantes capazes de conviver pacífica e respeitosamente com as diferenças. Apenas no ano de 2019, houve 3.739 homicídios dolosos de mulheres no Brasil, sendo que 1.314 delas tiveram sua morte classificada como feminicídio, isto é, crimes de ódio motivados pela condição de gênero, de ser mulher. O mesmo padrão se repete todos os anos. Além disso, somente em 2017, foram registrados 26.835 estupros em todo o país. Destes, 89% tiveram mulheres como vítimas.
Pesquisa nacional realizada referente ao ano letivo de 2015 sobre as experiências de estudantes LGBTI+ na faixa dos 13 aos 21 anos no ambiente escolar retratou um cenário sombrio. É um cenário caracterizado pela insegurança dos/das estudantes LGBTI+ nas instituições educacionais, com alta incidência de agressão verbal, física e violência: 60% se sentiam inseguros/as, 73% foram agredidos/as verbalmente e 36% foram agredidos/as fisicamente na escola no último ano por serem LGBTI+. Também não contaram com o devido apoio ou medidas para contornar essas situações, ou com um número adequado de profissionais de educação capacitados/as para dar conta dessas situações e revertê-las por meio de ações educativas.
Além disso, dados publicados pelo Grupo Gay da Bahia sobre mortes violentas de pessoas LBTI+ no Brasil revelam que em 2019, 329 LGBTI+ tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia: 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,7%). Assim como no caso das mulheres, os dados se repetem todos os anos. Há décadas mais de 300 pessoas LGBTI+ são assassinadas anualmente no país por serem LGBTI+.
As escolas precisam trabalhar com os estudantes o estigma, o preconceito, a discriminação e a violência contra mulheres, LGBTI+, negras e negros, indígenas, pessoas com deficiência e outras minorias, para que não se perpetuem estatísticas vergonhosas como as expostas acima em relação às mulheres e às pessoas LGBTI+.
O/a professor/a não tem o direito de doutrinar seus/suas estudantes, mas tem o direito de expor e criticar teorias, autores/as, fontes de informação e assim por diante, podendo se posicionar, porém sem impor suas convicções pessoais. Estas discussões podem contribuir para a efetivação das disposições da LDB, inclusive “respeito à liberdade e apreço à tolerância” e “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Entre estes temas, essenciais para o convívio em sociedade com respeito mútuo, é a discussão sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual, com base em evidências científicas e com conteúdo apropriado para a idade dos/das estudantes, desde o ensino infantil até a pós-graduação.
Para tanto, é preciso ter formação inicial e continuada dos/das profissionais de educação em sexualidade e diversidade sexual, com uma disciplina específica na formação inicial e cursos de especialização para a educação continuada nestes temas para os/as profissionais que já atuam nas escolas.
Ganhamos várias batalhas. Valeu a pena todos os debates, audiências públicas e mobilizações nas casas legislativas, nos sindicatos, nas ONGs e na sociedade. Parabéns ao Supremo Tribunal Federal a e todas as instituições que colaboraram para que seja garantida a liberdade de cátedra e para que o iluminismo vença o obscurantismo.