O homeschooling, ou ensino domiciliar, ganhou atenção da Câmara nos últimos meses. Na quinta-feira (10), sob protesto da oposição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o projeto (PL 3262/19) que modifica o Código Penal e retira a educação em casa da lista de crimes de abandono intelectual. Porém, o texto que deve ganhar prioridade é outro. De autoria do deputado Lincoln Portela (PR-MG) e relatoria da deputada Luiza Canziani (PTB-PR) o PL 3179/12 tem simpatia do governo e deve chegar ao plenário, sem os alardes do concorrente, já nesta semana.
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A relatora confirmou ao Congresso em Foco que a previsão é analisar a urgência da matéria nesta segunda-feira (14) e, caso aprovada, no dia seguinte, levá-la para votação do Plenário. Questionada, a equipe do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que “a pauta ainda não foi fechada”.
Fato é que, se isso realmente ocorrer, o projeto do homeschooling vai para apreciação dos parlamentares sem passar por qualquer debate prévio nas comissões. Apesar de antigo, já que o PL original é de 2012, Canziani fechou um substitutivo, isto é, quando o relator opta por alterações que mudam substancialmente a matéria primeira.
No cerne desta discussão estão alterações na lei que estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira (Lei nº 9.394/96) e mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Em seis páginas o substitutivo de Canziani apresenta normas necessárias para o oferecimento do homeschooling no país. A legislação nivela os estudantes, pais e instituições de ensino sem levar em conta quaisquer peculiaridades regionais ou de acesso à informação.
Como critério, a proposta exige comprovação de escolaridade de nível superior, em curso reconhecido, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante.
“Qualquer nível superior poderá ser considerado para fins de comprovação de escolaridade dos responsáveis ou preceptores”, disse a relatora deputada Luiza Canziani (PTB-PR).
PublicidadeVeja o texto na íntegra:
Além disso, os pais e responsáveis deverão apresentar certidões criminais para terem o direito à prática do ensino em casa. Segundo a relatora, essas fichas serão apresentadas e ficarão sob responsabilidade do órgão competente do sistema de ensino, como a Secretaria de Educação de cada estado e município, antes da matrícula do aluno em instituição de ensino.
“Esse histórico é cobrado para evitar o uso da modalidade de ensino domiciliar como forma de camuflar violências praticadas no âmbito doméstico”, afirma Canziani. Por isso, de acordo com ela, irão existir renovação anual da permissão para a modalidade homeschooling junto às Secretarias e encontros semestrais junto às instituições de ensino, quando o estudante será avaliado por um profissional do Conselho Tutelar.
“O ensino domiciliar será vedado no caso de uma “ficha suja” apresentado pelos responsáveis, sendo o Conselho Tutelar acionado no caso de ser identificada alguma violação em curso”, relata.
Outro fato trazido pelo substitutivo é a liberação do ensino domiciliar a ser realizado integralmente à distância. Na lei de diretrizes e bases da educação nacional é obrigatório que o ensino fundamental seja presencial, “sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem”. Mas o substitutivo ao PL 3179/2012 libera completamente essa modalidade, mesmo com as discrepâncias de acesso ao ensino remoto no país.
Sem explicar como seriam as atividades que promovam a formação e integração do estudante, a matéria obriga as famílias a garantirem o desenvolvimento intelectual, emocional, físico social e cultural do aluno.
Certificação da aprendizagem
O substitutivo assinala que a frequência escolar é dispensável no caso de homeschooling. A avaliação do estudante em educação domiciliar compreenderá em análises qualitativas de relatórios bimestrais enviados à Secretaria de Educação na fase da pré-escola. Já no ensino fundamental e médio, deverá acontecer uma prova anual que admita a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries.
“Na hipótese de o desempenho do estudante na avaliação anual de que trata o § 3º ser considerado insatisfatório, será oferecida uma nova avaliação, no mesmo ano, em caráter de recuperação”, mostra a matéria.
A professora Rebeca Andrade foi docente em escolas privadas por 11 anos e, com a pandemia, decidiu migrar para a modalidade domiciliar. Ela conta que o trabalho é integralmente junto com as famílias. “Não dou aulas remotas, só presencial. Eu vejo a necessidade da criança, faço um plano de estudos e assino um contrato com os pais de até um ano”, relata a pedagoga.
Rebeca aponta como desvantagem a falta de convívio social, pois as crianças não têm contato uma com as outras. Porém, defende que o ensino personalizado, “é mais eficiente que o coletivo”. “Na escola o professor tem muitos alunos para lecionar, é muito difícil entender as nuances de cada um”, reflete.
Rebeca afirma que o benefício também impacta o professor, pois cada um pode planejar o seu tempo, ficam “mais seguros na gerência da exposição ao coronavírus e em, termos de salário, ganhamos mais que na rede”.
Impacto no Congresso
O homeschooling foi o único tema da educação apontado pelo presidente Jair Bolsonaro como prioridade em seu governo. É o que aponta o presidente da Frente Parlamentar pela Educação, deputado Professor Israel Batista (PV-DF). Ele têm se encontrado com lideranças partidárias para impedir que o texto vá ao plenário da forma como está.
“Essa é uma proposta anacrônica e completamente descolada da realidade no momento em que o Brasil lida com o crescimento da evasão escolar e a diminuição da aprendizagem dos alunos em meio à pandemia”, protesta o parlamentar. Para ele, o Congresso deveria discutir outros assuntos importantes e não a educação domiciliar. ” É uma matéria que abrange 15 mil estudantes, contra os mais de 40 milhões de estudantes pelo país afora”, complementa.
O Brasil está entre os piores países do mundo nas três áreas avaliadas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) – leitura, matemática e ciências. Quase metade dos estudantes não chega nem ao nível básico em nenhuma delas. A nota de escolas particulares de elite do Brasil, entretanto, colocaria o país na 5º posição do ranking mundial de leitura do Pisa. Já o resultado isolado de escolas públicas estaria 60 posições abaixo, na 65º entre 79 países.
O Congresso em Foco entrou em contato com o Ministério da Educação, mas foi informado que a pasta não comenta projetos que estão tramitando. Nesta quarta-feira (8), o ministro, Milton Ribeiro, jogou para o colo dos parlamentares a responsabilidade de criar “dificuldade extra para o orçamento do MEC”. Na Comissão de Educação da Câmara quando foi questionado sobre o veto ao projeto que destinava recurso para garantir internet gratuita a estudantes de baixa renda e a professores da rede pública.
O Ministério teve 30% de suas verbas bloqueadas pelo governo federal. Isso representa R$ 3,5 bilhões a menos. Determinado por decreto do presidente Jair Bolsonaro, publicado em 23 de abril, o bloqueio foca em despesas primárias discricionárias, ou seja, aquelas não obrigatórias. Além do bloqueio de verbas, a educação também foi atingida pelos vetos no orçamento, que no caso do ministério, concentram-se principalmente nas instituições de ensino superior.
Nesta quarta, um recurso de R$ 900 milhões foi desbloqueado pelo ministro Paulo Guedes para o Ministério da Educação. Ribeiro disse que, mesmo com a verba extra, políticas prioritárias como a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o próprio custeio de universidades e institutos federais, estão ameaçadas.
Thaís Rodrigues é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.
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