João Batista Araujo e Oliveira *
Também na educação o federalismo está sob ameaça. Os agentes ativos são o Executivo e Legislativo federal, os agentes passivos são os governos estaduais e municipais. Vejamos alguns exemplos.
A recente aprovação do Projeto de Lei do Senado 320 na Comissão de Educação é um primeiro exemplo. O projeto ainda depende de várias aprovações. É inócuo, pois é meramente autorizativo. Possivelmente é inconstitucional, pois insere o governo federal na seara alheia. Mas a aprovação quase unânime pelos senadores – com exceção do senador Aloysio Nunes Ferreira – denuncia um estado de espírito centralista. O mero bom-mocismo em aprovar algo inócuo não deve servir de desculpa para evitar o enfrentamento de uma grave questão: afinal, queremos ou não ser uma federação. E que federação é essa? E qual o papel do Senado na defesa dessa federação?
Outro exemplo de ameaça vem da proposta de criação de um Sistema Nacional de Educação. Diabo grande vem depois do diabinho tornar-se familiar. O diabinho familiar, no caso, foi discretamente inserido na lei do Plano Nacional de Educação (PNE). O cerne da questão que interessa ao Parlamento é conceitual: ignora-se o conceito do “regime de colaboração” que precisa ser disciplinado, e substitui-se por um nebuloso conceito de “cooperação”. Os ingênuos nele veem uma nova forma de confederar. Os menos ingênuos enxergam a insidiosa maquinação do governo central – único em condições de promover e bancar as complexas articulações aí previstas.
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Um terceiro exemplo vem da recente campanha para aprovar leis estaduais e municipais a respeito do Plano Nacional de Educação. As leis tinham um prazo para serem aprovadas, e nas últimas semanas assistimos a uma descomunal pressão – orquestrada a partir de Brasília, mas com forte apoio de algumas instituições para-governamentais – para aprovar essas normas. O que interessa ressaltar são dois aspectos: o primeiro é a desproporção das forças federadas e o peso descomunal do governo federal na condução do processo. Quem tem olhos para ver que veja. O outro é a forma – no açodamento para ter o prazo cumprido e promover uma comemoração, os municípios foram atacados por minutas prontas de projetos de lei. Quem tiver paciência que examine as centenas de leis aprovadas para observar que são cópia fiel uma da outra: é esse o federalismo que queremos?
Não se pode tratar do federalismo em educação sem esquecer a história do Brasil e as mudanças sofridas no conceito a partir da Constituição de 1988 – que, entre outras coisas, viabilizou o gigantesco poder de arrecadação do governo federal e a concomitante redução da base de arrecadação dos estados. Mas também não se pode tratar do federalismo sem olhar o mapa e as enormes disparidades do país – que precisam de um governo ou de legislação central para corrigir distorções e desigualdades – mas que só pode operar com um elevado grau de autonomia, diferenciação e diversidade sobretudo na gestão.
PublicidadeAlegar que o governo federal tem maior capacidade técnica é apenas uma alegação. Isso precisaria ser comprovado. Exceto na aplicação de provas – como a Prova Brasil ou o Enem –, os grandes programas e ações do Ministério da Educação nas últimas décadas carecem de comprovar sua eficácia. Isso vale para o celebrado Pronatec, para o Mais Educação, o Ciências sem Fronteiras, o Alfabetização na Idade Certa, para os bilhões gastos com programas de alfabetização de adultos, o EJA, o programa de transporte escolar etc. Está para ser comprovado que o Programa de Ações Articuladas (PAR) é uma boa ideia, ou que serve como critério para alocar recursos de forma mais republicana do que o antigo balcão.
Há espaços para melhoria, sem necessidade de reforma da Constituição ou de nova legislação. Há muito que o governo federal poderia fazer – sobretudo se aprender a fazer diferente e a estimular a diversidade –, mais do que promover a uniformidade formal. Isso vale para tudo – inclusive para estimular novas propostas de currículo, de formação de professores, de ensino médio diversificado, de financiamento. Uma das maneiras de ajudar a educação poderia ser, por exemplo, criar uma espécie de Simples para os municípios com menos de 20 mil ou de 50 mil habitantes: haveria uma só transação, um só repasse e meios simples de controle – dispensando as custosas peregrinações a Brasília e as intermináveis reuniões que exaurem todo o tempo dos secretários municipais.
E há muito que o Congresso Nacional pode fazer para ajudar a educação. O mais importante é criar menos leis, fazer cumprir a legislação existente e concentrar esforços em reduzir o cipoal legislativo, respeitando e promovendo um verdadeiro regime de colaboração.
* João Batista Araujo e Oliveira dedicou sua vida à educação. Sua trajetória tem início com a participação na criação de escolas noturnas para adultos, na década de 1960. Como professor, lecionou na Rede Pública de Ensino do Estado de Minas Gerais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na COPPEAD/UFRJ e e na Université de Bourgogne (França). Foi funcionário da OIT em Genebra e do Banco Mundial em Washington, além de Secretário Executivo do MEC. É presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB) e autor de cerca de 30 livros.
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