O Brasil navega por mares preocupantes. Após um período de euforia, inflação próxima da meta, expansão do crédito ao consumo, redução da pobreza e crescimento superior a 7% em 2010, ventos fortes, ondas elevadas e indícios de tormentas mais à frente nos surgem segundo indicadores econômicos disponíveis nas últimas semanas.
Estamos no segundo ano da segunda década do século XXI. Logo, a República completará 123 anos e a Constituição aprovada em 1988 chegará aos 24 anos de idade. Até lá se contam 322 anos de colônia e 67 anos de Império, pesadas heranças. No século XX, vivemos fases marcantes em nossa economia. Saímos da condição unicamente agrária, primário-exportadora, para um perfil urbano industrial, com presença do Estado e substituição intensa de exportações. Empresas públicas, bancos oficiais e planos de desenvolvimento marcaram, nesse período, a ação do estado brasileiro rumo a um projeto de nação paulatinamente interrompido a partir da crise da dívida externa na década de 1970, em que pese termos passado pelo “milagre brasileiro” naquele período, quando registramos no Nordeste taxas de crescimento do PIB superiores às médias de países europeus e asiáticos.
Em toda essa trajetória, porém, nossas elites econômicas e políticas deram as costas para a construção de um sistema nacional de educação pública de qualidade. O modelo que evoluiu desde as primeiras décadas do século passado não continha em seu roteiro a espinha dorsal da educação.
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Em 1932, os pioneiros da educação lançavam manifesto ao país conclamando-nos a assumir essa responsabilidade. Oitenta anos depois, ainda patinamos em indicadores vergonhosos que nos dividem em cinco ou seis países dentro de um só. Pobres, negros, camponeses, nortistas e nordestinos, periferias urbanas, estamos num país segregado pela baixa escolaridade, pelo precário desempenho de nossos alunos em exames de avaliação, pela pobreza material de nossas escolas, com profissionais remunerados por baixos salários e carreiras não atraentes, com o financiamento da educação submetido a mais de dez anos aos interesses dos credores da dívida pública em nome da estabilidade da moeda e da atração de investimentos externos para o país.
Mais do que isso, saltam aos olhos as práticas das oligarquias e certas “inovações pedagógicas“, que vedam às escolas a construção de seus projetos pedagógicos e de gestão democrática, sementes de formação de cidadãos e futuros gestores públicos para diversas áreas da vida nacional. Nesse contexto, apesar dos avanços inscritos pelas comunidades educativas desde 1988, com leis e reformas constitucionais na educação, tais diretrizes continuam abandonas por muitos sistemas estaduais e municipais.
Transforma-se o compromisso com a educação de qualidade e um projeto de nação em atrativos monetários, gratificações e valores materiais, modelos testados e hoje reconhecidos como falhos, por exemplo, nos Estados Unidos desde a era Bush filho. No país de Paulo Freire e Anísio Teixeira, a escola se transforma em centro de adestramento, dissociada da comunidade e da leitura, compreensão e resolução de seus problemas. Elevamos e concentramos a carga tributária na arrecadação federal, mas não fizemos de forma corajosa os investimentos em educação. Temos 5,1% do PIB atualmente. Queremos 10% do PIB em dez anos.
Nossos jovens, 30 anos atrás fora das estatísticas, hoje aparecem em 53% dos homicídios dos dez aos 29 anos de idade (Lisa Biron, 2006, FCE-UERJ). Ávidos por crescimento, doamos impostos (R$ 23 bilhões em 2003, R$ 145 bilhões em 2012), terras e assumimos gastos públicos a favor do capital privado, na expectativa de novos milagres, sem olharmos para aqueles de quatro décadas atrás que em nada mudaram nossa desigualdade.
Muito antes do que se repete hoje em alguns estados, na Bahia, vimos nascer refinaria, pólo petroquímico e montadora (Ford) sem que isso representasse uma ruptura com modelos e padrões de investimento, ilhas de crescimento num oceano de precariedades educacionais, sanitárias, urbanas e sociais. Por isso, há a necessidade de acelerarmos uma revolução na educação brasileira, das creches ao ensino superior e à pós-graduação. A escola não pode permanecer passiva, foco de proselitismos pedagógicos privados externos, estranhos à esfera pública. Devemos fazê-la agente de sua própria função social, pública, com conselhos escolares, projetos pedagógicos, gestão democrática, formando novos valores sociais em vivências interdisciplinares, lendo e entendendo o mundo em que se insere, que a cerca e para cuja transformação a mesma deve agir. Num país em que dispêndios com professores e servidores são limitados a um percentual das receitas, independentemente da qualidade das escolas, dos indicadores e das necessidades educacionais plenas da nação, é chegada a hora de ruptura. A aprovação integral no Senado, agora, do Plano Nacional de Educação (PNE) para o próximo decênio, tal qual enviado pela Câmara, é o primeiro passo nessa direção.