Paolla Vieira *
Observamos um crescente reconhecimento do papel da educação para a sociedade durante a pandemia, na fase das escolas fechadas, crianças, adolescentes e jovens sem aulas ou mantendo contato com professores e colegas de forma restrita, a distância. Ficou claro que, além de promover a aprendizagem dos alunos, a escola é um espaço de segurança social e alimentar para boa parte da população. Foi potencializado também o reconhecimento da profissão docente. Ficou claro que ensinar não é para qualquer um e que os professores são figuras de referência para os estudantes.
Ainda assim, continuamos falhando ao ouvir o que os educadores têm a nos dizer. Nossos mais de 2,5 milhões de professores, coordenadores pedagógicos e gestores são pouco levados em conta quando o assunto são as problemáticas que dizem respeito ao chão da escola e possíveis soluções para seus desafios, segundo dados do estudo Conselho de Classe – A visão dos professores sobre a educação no Brasil, realizado pela Fundação Lemann com mais de mil educadores. A opinião dos professores, de acordo com eles mesmos, é de que não são ouvidos pelos tomadores de decisão durante a formulação e implementação de políticas públicas educacionais.
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Por que não consideramos a voz e contribuição de milhões de profissionais da educação do Brasil para formulação de políticas públicas?
O estudo Vozes Docentes, com mais de oito mil respostas de professores de escolas municipais de 87 municípios que fazem parte da rede da Conectando Saberes, deixa claro que o papel do educador poderia ser melhor aproveitado, indo muito além de liderar salas de aulas e escolas. Eles podem – e querem – contribuir para melhorar a educação pública. A pesquisa revela que 97% dos professores dizem que se sentiriam valorizados se pudessem participar da formulação de políticas públicas de seus municípios e que 39% dos respondentes estariam dispostos a dedicar uma hora de trabalho não remunerado para participar das políticas de seu município.
Deixar de ouvir o que os educadores têm a dizer, ignorar suas sugestões e problematizações, só contribui para o atraso da melhoria da qualidade da educação. Eles podem, com propriedade, explicar, com exemplos concretos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) chega à sala de aula e quais são os reflexos e os percalços da implementação. Professores podem nos contar quais as boas lições que a pandemia rendeu sobre aulas online e quais ferramentas precisam ser aprimoradas para seguirmos adiante – seja presencialmente, no formato híbrido ou a distância. Ninguém melhor do que eles também para nos contar como anda a saúde mental dos estudantes depois de um longo período em casa. E são eles que, diante da responsabilidade que têm de ensinar a todos, sem deixar ninguém para trás, podem falar sobre o que carecem para cumprir com suas obrigações, a começar por programas de formação continuada.
Estamos passando por um dos maiores desafios educacionais dos últimos tempos: o déficit de alfabetização é grande, a recomposição das aprendizagens é urgente, problemas emocionais atingem educadores e alunos. Dados do Censo Escolar 2022 revelam que somente 20,1% das escolas da rede pública do país adotaram apenas a estratégia de mediação de ensino remota durante o ano letivo de 2021. Recursos tecnológicos ainda não são realidade, com equidade, em escolas de ensino fundamental. A região Norte do Brasil, por exemplo, fica bem atrás das demais no que diz respeito a computador de mesa e portátil para alunos, internet banda larga, lousa digital e projetor multimídia.
O Censo também mostra que a taxa de distorção idade-série no 6º ano do ensino fundamental, no ano passado, registra 35% para o estado do Amapá, por exemplo. Outro dado que revela desafios é que o perfil da taxa de insucesso (reprovação + abandono), nas escolas da rede pública, em 2021, foi de 9,8% na 1a. série do Ensino Médio e 8,8% na 3a. série da etapa. O número de brasileiros de 4 a 17 anos que não frequenta escola bate 1 milhão.
Em meio a tudo isso ainda não se tornou evidente para a sociedade o papel que os educadores terão diante desses cenários. Justamente por isso eles precisam ser escutados. Parlamentares, gestores públicos e líderes de iniciativas do terceiro setor: vamos abrir espaço para a contribuição docente ao elaborar propostas para a educação?
* Paolla Vieira é diretora da Conectando Saberes, rede de professores da educação pública brasileira presente em mais de 70 municípios e apoiada pela Fundação Lemann. Conectando Saberes – Organização não governamental e suprapartidária formada por mais de 600 docentes reunidos em 74 núcleos regionais por todo o Brasil, para fortalecer a profissão e construir em conjunto soluções para os desafios da educação pública.
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