Responsabilizado pelo governo por promover cortes de cerca de R$ 30 bilhões em despesas obrigatórias da Previdência, do auxílio-doença e do seguro-desemprego, o relator do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), rechaça ter feito qualquer movimento sem o aval da equipe econômica. “Nada foi feito sem conhecimento ou consentimento do Ministério da Economia”, disse o emedebista ao Congresso em Foco Premium. “O que o Ministério da Economia está fazendo agora comigo posso classificar, no mínimo, como deslealdade”, completou.
Os cortes foram feitos para acomodar gastos de R$ 30 bilhões com emendas parlamentares. O senador também retirou R$ 1,9 bilhão que seria reservado para a realização do Censo pelo IBGE. Bittar diz que, com exceção da retirada do dinheiro para o recenseamento, que foi de sua iniciativa, o restante foi excluído a pedido do próprio governo. “Alguém está mentindo”, declarou.
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“A fórmula de onde cortar nunca foi coisa da minha cabeça. Eu não ia inventar de cortar da Previdência, do abono. Isso é gasto de energia insuportável e desnecessário”, criticou o senador, que também relatou a PEC Emergencial, que abriu caminho para a retomada do auxílio emergencial. A avaliação de economistas, parlamentares e integrantes da equipe econômica é de que o orçamento aprovado pelo Congresso forçará o governo a estourar o teto de gastos e inviabilizará o funcionamento da máquina administrativa, deixando o presidente Jair Bolsonaro exposto à ameaça de um processo por crime de responsabilidade.
Após integrantes do governo e parlamentares contestarem o corte em despesas obrigatórias, Bittar abriu mão de R$ 10 bilhões de emendas a que tinha direito como relator. A renúncia desse montante, segundo ele, vai retirar recursos da Defesa Civil, de atendimento a dependentes químicos, a estudos de vacina e da fiscalização do Ibama.
O episódio reacendeu a disputa política entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), já que os recursos das emendas foram, em sua maioria, para investimentos em obras indicadas por parlamentares. Obras essas sob o guarda-chuva de Marinho. “Qualquer ajuste eu faria sem necessidade de desgaste, que traz essa briga intestina horrorosa entre ministérios, uma briga de egos que virou patológica”, afirmou Bittar.
PublicidadeO senador ressalta que, como relator da PEC Emergencial, propôs a Guedes a retirada dos R$ 35 bilhões do Bolsa Família do rol de despesas obrigatórias e, por consequência, do teto de gastos. Mas o ministro não aceitou a proposta. Ele temia que a exclusão fosse vista por investidores como um drible ao teto. “Se fizéssemos isso, o problema estaria resolvido”, disse.
Um dos senadores mais próximos de Bolsonaro, Bittar admite estremecimento na relação com o governo. “Não procurei [Guedes] nem vou procurar. Cheguei aqui por conta própria. Não foi Paulo Guedes quem me fez, não foi Bolsonaro quem me fez”.
O Congresso em Foco procurou o Ministério da Economia para comentar as declarações de Márcio Bittar, mas a pasta informou que não vai se manifestar.
Leia a íntegra da entrevista do senador:
Senador, como estão as negociações para destravar o orçamento?
Márcio Bittar – Não estou à frente de negociação alguma. Estão me dando um poder que não tenho. Meu papel, a bem da verdade, encerrou-se na semana passada. Minha surpresa é personagens do governo e do próprio Congresso se mostrarem surpresos com uma conta que era sabida de todo mundo. Era objetivo desde ano passado chegar ao valor de R$ 30 bilhões. Com o orçamento e a PEC Emergencial, que também relatei, a demanda era uma só: dar base legal para o presidente retomar o pagamento do auxílio emergencial. Era que o orçamento tivesse recursos para a saúde e conseguíssemos tirar algum dinheiro para obras e programas importantes, de infraestrutura, não pararem. Sem esse orçamento eles não fecham o ano. Se não resolver isso, significa aumentar o desemprego. Não é só ausência de obras, é mandar para a fila do desemprego pais e mães de família. Me espanta, porque isso não era novidade para ninguém. Agora agem como se tudo isso fosse. Teríamos de cortar em algum lugar para construir isso. Eu defendi publicamente que preferia tirar o programa de transferência de renda do teto de gastos. Se fizéssemos isso, o problema estaria resolvido. A PEC Emergencial possibilitou ao governo voltar com o auxílio emergencial. No orçamento íamos fazer uma engenharia, esse era o desafio para não parar obras e serviços e conseguir algum nível de investimento. Não tem contradição com quem defende uma economia liberal.
O senhor se surpreendeu com a reação do Ministério da Economia?
Nesta época tirar do Estado o mínimo de capacidade de investir é um equívoco. A surpresa minha é essa. O número sempre foi o mesmo, a fórmula ou foi oriunda da Economia ou feita com a concordância da Economia. Foi um corte de R$ 16,5 bilhões da Previdência autorizado pela Economia em reunião com os presidentes da Câmara e do Senado e representantes do ministro Paulo Guedes, da Casa Civil e da Secretaria de Governo. Foram tirados mais R$ 4 bilhões do auxílio doença e R$ 7 bilhões do seguro-desemprego e mais não sei quanto. O que dá R$ 30 bilhões. Alguém está mentindo. Assumo que fui eu que tomei a iniciativa de cortar o orçamento do IBGE, que não ia fazer Censo mesmo. O valor todo mundo sabia que era esse. A fórmula de onde cortar nunca foi coisa da minha cabeça. Eu não ia inventar de cortar da Previdência, do abono. Isso é gasto de energia insuportável e desnecessário. Mas, quando aconteceu, a economia dizia que era muito, de uma conta que ela fazia. Então eu disse: toma de volta R$ 10 bilhões. Meu problema acabou aí.
O senhor sente como se o governo estivesse jogando a bomba no seu colo?
Não é a primeira vez. A ideia do precatório saiu da minha cabeça? Quando divulgaram que o precatório foi autorizado pela Fazenda, no princípio, negaram. É só juntar uma coisa com outra. Economia fala uma coisa, quando recebe crítica diz que não foi ela. Depois, Paulo Guedes admitiu que tinha o DNA da Economia na proposta.
Por que houve aumento de R$ 621 milhões para R$ 7,3 bilhões nas transferências especiais?
Isso é capacidade de fazer confusão. O valor de R$ 30 bilhões era conhecido de todo mundo.
Mas esses R$ 7,3 bilhões não serão aplicados a critério de políticos, sem necessidade de fiscalização?
Isso não existe em lugar algum do mundo, a não ser em regime comunista. Esse valor é de RP 9. É outra discussão. O relator do orçamento pode, deve ter esse poder ou não? Como sou relator deste ano não vou emitir juízo de valor. Esse momento é para Executivo e Legislativo indicarem, o desafio era arrumar um pouco de recursos. Eu sugeri ao governo fazer corte desses R$ 10 bilhões. Como vai manter programa na Defesa Civil? Vai ver que nó isso vai dar. Nesse pacote está dinheiro para estudar vacina brasileira, está dinheiro para assistência social do Ministério da Cidadania para 50 mil famílias dependentes de drogas, dinheiro para fiscalização do Ibama.
Esse episódio muda a relação do senhor com o governo?
Eu me senti estranho. Nunca participei de reunião para discutir cargo nem no meu estado. Minha atuação com o governo sempre foi com a agenda. Confesso que o que o Ministério da Economia está fazendo agora comigo posso classificar, no mínimo, como deslealdade.
O senhor foi procurado pelo ministro Paulo Guedes ou pretende procurá-lo para tratar desse assunto?
Não procurei nem vou procurar. Cheguei aqui por conta própria. Não foi Paulo Guedes quem me fez, não foi Bolsonaro quem me fez. Defendo o governo porque sou aliado dessa agenda. Tudo que pude fazer eu fiz. Nenhum senador da República tem mais afinidade com as reformas do governo o que eu, nenhum. Por mim, tinha desvinculação das receitas, desindexação, queria colocar o fim dos supersalários no pacote, acabar com um monte de munícipios. Queria mais até do que o ministro. Agora há essa confusão a troco de nada. Relator do orçamento é aliado do governo. Qualquer ajuste eu faria sem necessidade de desgaste que traz essa briga intestina horrorosa entre ministérios, uma briga de egos que virou patológica. O valor da conta de onde tirar esses recursos não foi novidade para ninguém. Muito menos para a Economia.
Estamos perto de uma solução?
Sinceramente, isso não é mais objeto da minha preocupação. É minha preocupação como a de qualquer senador. Mas não mais em um papel importante nisso. Eu nunca fiz questão de estar em certas reuniões. Eu dizia que poderia fazer outro relatório. Na reunião em que se decidiu que poderia tirar R$ 16,5 bilhões da Previdência eu nem estava. Só ouvi que era isso mesmo e disse que estava tudo bem. Nenhum corte foi feito sem ter sido ideia da Economia ou tendo concordância da Economia. Depois eu disse ao ministro Paulo Guedes, perguntei de onde ia tirar. Ele não apresentou cardápio e isso foi saindo com o tempo. Nada foi feito sem conhecimento ou consentimento do Ministério da Economia. Temos áudios, pessoas da Economia, do meu gabinete, da Câmara e do Senado que acompanharam tudo isso. Tem documento manuscrito de gente da Fazenda no meu gabinete. Acho ridículo ter de usar esse tipo de expediente.