Muita água ainda vai rolar embaixo da ponte que levará ao formato final da reforma da Previdência, mas começam a ficar mais claros – e o Congresso em Foco revela aqui, com exclusividade – alguns pontos-chave do texto substitutivo que o relator na comissão especial da Câmara, Samuel Moreira (PSDB-SP), deve apresentar no início da semana que vem.
Samuel confidenciou a parlamentares que pretende instituir um pedágio de 100% como norma de transição para os atuais servidores públicos. Um exemplo permite entender melhor como a coisa funcionaria. De acordo com a proposta de emenda à Constituição (PEC) que saiu do Ministério da Economia, se o servidor tem 58 anos e faltam seis meses para conquistar o direito à aposentadoria, ele trabalharia sete anos a mais, até completar 65.
Com o pedágio de 100%, dobra o tempo restante para início da aposentadoria, que passaria nesse caso de seis meses a um ano. Ou seja, o funcionário público se aposentaria com 59 anos. A ideia é adotar a regra para todos os servidores civis atualmente no exercício de carreiras em âmbito federal, estadual e municipal.
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O relator também vai alterar os critérios propostos para os professores. A PEC do governo obriga homens e mulheres a se aposentarem com a mesma idade mínima, 60 anos. Hoje, eles se aposentam com o mínimo de 55 (homens) e 50 (mulheres). Samuel, atendendo a apelos de diversas bancadas partidárias, aceitou reduzir a idade mínima. Ainda há dúvidas, porém, quanto à fórmula a seguir. Uma alternativa é o redutor de cinco anos.
Quanto à questão mais polêmica da reforma neste momento, o relator está determinado a enfrentar a resistência contra a inclusão no texto dos servidores estaduais e municipais. Numa articulação que teve à frente o paulista João Doria, tucano como Samuel Moreira, 25 governadores divulgaram carta em defesa da tese (as exceções vieram da Bahia e do Maranhão, estados governados por PT e PCdoB).
PublicidadePara tornar a aprovação factível, Samuel deverá propor uma espécie de “purgatório”, como diz um influente integrante da comissão especial. A reforma só valerá para os estados que a incorporarem à legislação estadual no prazo máximo de seis meses, aprovando-a em suas casas legislativas. Cogitou-se da possibilidade de se fazer isso por decreto, ato da prerrogativa dos governadores, mas esse instrumento jurídico é considerado inadequado e inconstitucional para tratar de tema tão amplo e tão nitidamente próprio das atribuições do Legislativo.
De acordo com o deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), os tucanos devem fechar questão pela manutenção do funcionalismo estadual e municipal na “Nova Previdência”. O Novo, também. No PSL e em vários partidos supostamente da base governista, há muitos opositores à proposta.Estados que não entrarem na reforma, porém, ficariam excluídos do acesso a certos mecanismos facilitados de crédito e a avais da União Federal.
“Não existe nenhuma possibilidade de os deputados aceitarem incluir estados e municípios”, afirma o experiente deputado Hildo Rocha (MDB-MA). “Temos de respeitar esse princípio federativo da independência entre os diversos poderes e permitir que os estados caminhem com suas próprias pernas definindo os seus planos próprios de previdência”. Veja a entrevista com Hildo Rocha
Também deverão ser substancialmente modificadas as disposições relativas à aposentadoria rural, às pensões e aos benefícios de prestação continuada (BPC), pagos a deficientes físicos e pessoas em situação de miséria. “Para obter os 308 votos no plenário [mínimo de três quintos dos 513 deputados], tem que melhorar muito a proposta. Acredito que mais de 20 mudanças deverão ser feitas. Sem isso, não passa”, prevê o líder do Cidadania (ex-PPS) na Câmara, Daniel Coelho (PE), outro ferrenho defensor da exclusão de estados e municípios da reforma.
Vencida a batalha na comissão especial da Câmara, o texto deve ter os votos de três quintos dos deputados e dos senadores (pelo menos 49), em dois turnos de votação. Até aqui, a reforma passou apenas por um teste de fogo. Passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mais de dois meses após a proposta chegar ao Congresso. A proposta foi entregue no Congresso em 20 de fevereiro.
As alterações contemplam, sobretudo, categorias ou segmentos sociais numerosos, como professores, beneficiários do BPC, trabalhadores rurais e pensionistas. Tudo indica que os servidores serão a parte mais afetada pela reforma. Mesmo aí, ainda pode prevalecer a lógica de tirar muito de poucos e pouco de muitos. Explica-se. Se o funcionalismo estadual e municipal sair da reforma, ficarão no sacrifício somente os servidores federais. Os números de cada parcela do funcionalismo tornam esse rumo menos desgastante para os parlamentares. Enquanto há no Brasil cerca de 1,2 milhão de federais na ativa, os funcionários estaduais somam cerca de 3,7 milhões e os municipais, 6,5 milhões.
Um tema que deve ganhar evidência no debate é o da capitalização. Um dos congressistas mais identificados com a defesa dos aposentados, o senador Paulo Paim (PT-RS), assim resume a situação: “Eles vão fazer de tudo para tirar da Constituição o sistema de repartição, em que os trabalhadores da ativa contribuem solidariamente para a Previdência Social, para adotar a capitalização. Aí cada um faz poupança para si mesmo, o empregador para de contribuir, como o ministro Paulo Guedes tem dito, e o governo fica sem orçamento para pagar aposentadoria. Se isso acontecer, vai ser um desastre. O trabalhador fica sem aposentadoria e a conta não vai fechar porque o governo não terá arrecadação”.
Hildo Rocha discorda: “Eu acredito que a capitalização mista, não no modelo apresentado pelo Paulo Guedes, mas num modelo mais avançado, eu acredito que passe. Até porque a capitalização é algo bom, não é ruim”. Na tal capitalização mista, conviveriam algumas regras gerais de previdência, ainda pelo sistema de repartição, com a capitalização. Paim cita dados da Organização Internacional do Trabalho para argumentar que mesmo esse caminho é pouco promissor. “Tanto que dos cerca de 30 países que adotaram a capitalização, mais de 20 voltaram atrás”, disse.
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