Um chamamento público do Ministério da Economia, divulgado no último dia 22, está gerando grandes questionamentos entre empresas que operam com programas de descontos para o funcionalismo. O ministério comandado por Paulo Guedes decidiu criar um clube de descontos para atender todos os 1.270.563 servidores federais ativos e inativos, num momento em que minguaram os reajustes salariais para tais trabalhadores.
> “Nova CPMF” cria crise entre Guedes e líderes governistas
Clubes de descontos são criados com o objetivo de propiciar às pessoas cadastradas preços menores para adquirir uma gama praticamente infinita de produtos e serviços, tais como viagens aéreas, hospedagem, medicamentos, automóveis, serviços médicos e muitos outros. O usuário paga uma mensalidade à instituição contratada, que negocia parcerias para oferecer descontos e outras vantagens aos clientes.
Trata-se de um mercado vasto e em pleno crescimento. Segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), o segmento faturou ano passado cerca de R$ 1,8 bilhão, recursos movimentados pelos titulares de mais de 124 milhões de cadastros individuais. Os servidores públicos federais formam uma fatia relativamente pequena, do ponto de vista numérico, desse mercado, mas bastante cobiçada em razão do elevado poder aquisitivo de boa parte do funcionalismo.
Especializado no atendimento dessa clientela, o empresário Roberto Camilo, sócio-diretor da Markt Club, não entende por que um ministro de perfil liberal como Paulo Guedes resolve interferir em um mercado com nítida vocação para ser integralmente privado. “Esse serviço pode ser prestado ao servidor por meio das associações e sindicatos que atendem as diversas carreiras”, afirma ele. Nesse caso, a empresa assina contratos com as entidades para atender aos seus associados.
“Cartas marcadas”
PublicidadeA principal crítica de Roberto Camilo é quanto à falta de transparência para a seleção das empresas interessadas. O edital do Ministério da Economia exige que elas tenham capilaridade nacional, parceria com no mínimo 100 empresas de diversos ramos, plataforma mobile ou web e central de atendimento preparada para dar conta de pelo menos 127 mil usuários.
Mas, observa o empresário, não há nenhuma indicação sobre os indicadores ou critérios a serem verificados para distingui-las. Entre as omissões que lhe chamam atenção estão a falta de regra para desempate e a ausência de teto para abater os valores dos serviços prestados. De qualquer maneira, ele já decidiu que não participará da seleção. “Sem um edital transparente, com regras claras para a seleção, não temos como apresentar uma proposta”, disse ao Congresso em Foco.
Outro efeito negativo, no seu entender, é a forte concentração de um segmento econômico que tem natureza concorrencial. Sua suspeita é que se trate de um “edital com cartas marcadas”. Camilo lembra que o ministro Paulo Guedes é um dos fundadores do BTG Pactual, que recentemente decidiu apoiar a Allya Serviços Ltda., uma startup que atua como gestora de clube de vantagens. A empresa foi selecionada para um programa de mentoria do banco com o objetivo de acelerar seus negócios.
Outra possível concorrente, conforme Roberto Camilo, é a Dois5f, que está sob investigação do Ministério Público e da Polícia Federal sob a suspeita de utilizar métodos indevidos para vender seus serviços. Gravação em poder do Ministério Público mostra o diretor comercial, Andrey D’Almeida, dizendo a um cliente: “Me parece que você conhece bem quem está por trás da Dois5f”. É uma referência ao ex-deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), que chegou a atuar como assessor informal do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, no início do governo Bolsonaro.
O que diz o ministério
De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Economia, todos os procedimentos seguidos são legais e não existe qualquer conflito de interesse envolvendo o ministro Paulo Guedes. Conforme a assessoria, Guedes não tem mais nenhum vínculo com o BTG Pactual.
O Ministério da Economia também nega que o assunto esteja fora da sua alçada: “Segundo o Decreto nº 9.745, o Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, é responsável por formular políticas e diretrizes para o aperfeiçoamento contínuo dos processos de gestão de pessoas no âmbito da administração pública federal. O ministério entende que é papel do empregador oferecer iniciativas que motivem e demonstrem cuidado com os seus profissionais e esta é a finalidade do futuro clube”.
Em nota por escrito, a assessoria afirma ainda: “O edital segue o estabelecido na Lei 13.019. Segundo a lei, o chamamento público é um procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, garantindo a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.
“A proposta de criação do Clube de Descontos é oferecer um benefício exclusivo para os servidores públicos federais. Nada impede que os sindicatos participem do processo, desde que eles atendam as condições do edital”, diz a nota enviada ao Congresso em Foco pelo Ministério da Economia. Por último, a assessoria ressalta que “não será criado um monopólio porque mais de uma empresa poderá ser credenciada para oferecer o Clube de Descontos ao servidor”.
O prazo para inscrição dos interessados vai até 11 de setembro. O resultado final está previsto para ser divulgado até 7 de novembro.
De acordo com o edital, “serão oferecidas como contrapartidas o potencial número de prováveis participantes ao clube, bem como a possibilidade de divulgação do mesmo nos canais de comunicação da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal”. O termo de credenciamento terá vigência por prazo de 12 meses, contados a partir da data da assinatura, podendo ser prorrogado por meio de termo aditivo.
Deixe um comentário