Na semana seguinte ao encerramento abrupto da audiência com o ministro Paulo Guedes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) após um bate-boca, os integrantes do colegiado têm um novo desafio: ouvir, na próxima terça-feira (9), o parecer do relator da reforma da Previdência, Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG). Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a poeira tende a baixar nos próximos dias por uma questão de consciência dos próprios parlamentares. “Acho que o ambiente vai melhorar. Cada um vai compreender a importância de seus atos para o fortalecimento dos seus próprios mandatos”, disse o presidente da Casa ao Congresso em Foco.
Marcelo Freitas deve recomendar a aprovação integral do texto enviado pelo governo. O argumento utilizado por ele é de que toda a proposta atende aos pressupostos constitucionais e legais. As discussões desta terça também devem ser quentes. O relator vai deixar a análise de pontos polêmicos, como a mudança nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido a idosos e deficientes de baixa renda, e da aposentadoria rural, para a comissão especial, próxima etapa da tramitação.
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“Essas questões serão mantidas em nosso relatório, mas com enfrentamento exclusivamente da questão da constitucionalidade. Algumas questões a respeito de retirada ou não desses itens deverão por envolver o mérito ser enfrentados na comissão especial”, afirmou. Os deputados paulistas Vinícius Poit (Novo) e Eduardo Cury (PSDB) são os mais cotados para relatar o mérito da PEC em sua próxima parada.
Pesquisa do Painel do Poder, ferramenta de pesquisa do Congresso em Foco com os líderes mais influentes da Câmara e do Senado, revela que o ambiente é mais favorável à aprovação da reforma do que era em 2017, quando o então presidente Michel Temer encaminhou sua versão. Ainda assim, as lideranças acreditam que haverá mudanças no texto entregue pelo presidente Jair Bolsonaro.
PublicidadeDiscussões antecipadas
O presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), pretende antecipar as discussões sobre o relatório de Freitas para o próximo dia 15. Inicialmente a expectativa era de que isso só ocorresse no dia 17. Com a estratégia, o deputado espera concluir a votação após três dias de debates. Ele antevê um clima tenso e muito barulho por parte dos oposicionistas que integram a CCJ. Na audiência com Guedes, a base governista foi cobrada por não ter constituído uma tropa de choque para enfrentar a oposição, responsável pela maioria dos questionamentos ao ministro.
A reunião foi marcada pelas provocações da oposição e pela reação, em vários momentos, de Paulo Guedes. O caldo entornou quando o petista Zeca Dirceu (PR) disse que o ministro era “tigrão” contra os idosos, “portadores de necessidades”, agricultores e professores, mas uma “tchutchuca” (sic) “quando mexe com a turma mais privilegiada” do país (veja o vídeo). Diante do insulto, Paulo Guedes reagiu: “Olha, desrespeito não. Eu não vim aqui pra ser desrespeitado não. Você não falte com respeito comigo não. Tchutchuca é a mãe, é a avó!”, disparou. Logo em seguida ao encerramento da reunião, houve empurra-empurra e troca de ofensas entre assessores do ministro e deputados.
Para garantir que a PEC avance com mais força, deputados alinhados com o governo querem garantir boa margem de folga na aprovação da proposta. A reforma encaminhada pelo ex-presidente Michel Temer foi aprovada por 31 votos a 20 no colegiado. O texto ainda passou pela comissão especial, mas não havia votos necessários para aprovação em plenário, onde eram exigidos pelo menos 308 votos. A reforma de Temer acabou engavetada. Na CCJ, basta o apoio da maioria dos presentes. O colegiado é composto por 66 deputados.
Rejeições encaminhadas
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já dá como certa a rejeição das mudanças propostas pelo governo ao BPC e à aposentadoria rural, consideradas desfavoráveis à população mais pobre. Um terceiro ponto que tem causado controvérsia é o dispositivo da PEC que retira da Constituição as regras para aposentadoria e permite que elas sejam tratadas por projeto de lei complementar, que exige menos votos.
“Nós não aceitamos esse ponto. Isso é um cheque em branco para o governo e vai prejudicar quem ganha menos”, disse ao Congresso em Foco o líder do Podemos, José Nelto (GO). “Esses pontos, pra gente, são inegociáveis”, acrescentou. Segundo ele, a reforma ainda divide quase ao meio a bancada, composta na Câmara por 11 deputados.
Líderes de 13 partidos – PR, SD, PPS, DEM, MDB, PRB, PSD, PTB, PP, PSDB, Patriotas, Pros e Podemos – já assinarem um manifesto em que se declaram a favor da reforma, mas afirmam que vão barrar as propostas da equipe do ministro Paulo Guedes para o BPC e a aposentadoria rural.
Segundo o manifesto dos partidos, a reforma nesses dois pontos “trata de forma igual os desiguais e penaliza quem mais precisa”. Os deputados também afirmam que “não permitirão a desconstitucionalização generalizada”. Ou seja, combaterão as propostas de Guedes que retiram diretrizes do sistema previdenciário da Constituição e as transferem para as leis.
Líderes partidários avaliam que a ideia do governo de incluir essas mudanças na reforma foi um erro de cálculo, porque a resistência era previsível. Os congressistas criticam também o fato de que o Ministério da Economia ainda não abriu os números da reforma: os deputados não sabem quanto o governo pretende economizar especificamente com cada mudança prevista no texto.
BPC e aposentadoria rural
O Benefício de Prestação Continuidade é assegurado atualmente a pessoas com mais de 65 anos em situação de miserabilidade, com renda familiar per capita de um quarto de salário mínimo, e a deficientes. O governo propõe a manutenção das regras para os deficientes físicos, mas mudanças para os idosos.
A reforma propõe que o benefício passe a ser de R$ 400 para quem tem 60 anos. E subiria para um salário mínimo apenas quando o beneficiário atingir os 70 anos.
No caso dos trabalhadores rurais, a proposta prevê o aumento do tempo de contribuição e da idade mínima para mulheres, que passa a ser igual à dos homens, 60 anos. Hoje elas podem se aposentar a partir dos 55 anos.
O governo também pretende exigir 20 anos de contribuição dos trabalhadores rurais. Atualmente há um tempo mínimo de atividade rural exigido de 15 anos. Também passa a ser cobrado um valor mínimo anual de contribuição previdenciária do grupo familiar, de R$ 600, regra que não existe hoje.