O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem destilado toda sua mágoa com o governo Bolsonaro. Peça mais que chave na aprovação da reforma da Previdência na Câmara, Maia sinalizou nessa sexta com o rompimento da articulação política que vinha fazendo para aprovação da proposta, o que levou o presidente Jair Bolsonaro a dizer que vai procurá-lo, como se fosse uma “namorada que quer ir embora”. Pois neste sábado (23), em duas entrevistas exclusivas aos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, Rodrigo Maia disparou sua artilharia contra o Palácio do Planalto e explicitou os motivos de sua rebelião, que se fez sentir ontem no mercado financeiro, com a perda de confiança na aprovação da reforma.
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Na avaliação do presidente da Câmara, o governo é um “deserto” de ideias, não tem projeto para o país, delega a ele uma tarefa que deveria ser sua – a de conseguir votos para aprovação da proposta –, deixando sobre suas costas todo o ônus de uma votação impopular, mostra-se incompetente por não construir uma base parlamentar. Esse é o mesmo governo que, segundo ele, trabalhou contra sua reeleição ao comando da Casa, em 1º de fevereiro.
A despeito disso, ele diz que continuará a apoiar as mudanças na Previdência. Mas, por tudo isso, considera que não tem qualquer compromisso com o governo.
De acordo com Maia, Bolsonaro atrapalha ao não demonstrar convicção com a reforma e precisa sair do Twitter para assumir o papel de garoto propaganda da proposta. “Quem foi contra a reforma a vida inteira foi ele.” O presidente ainda terá de reatar muito namoro na Câmara, avisa: “Ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Ele pode me deixar para o fim da fila”.
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Veja os motivos principais da insatisfação do presidente da Câmara, segundo ele mesmo:
PublicidadeEm entrevista ao Estadão
“Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não.”
“Eles construíram nos últimos anos o ‘nós contra eles’. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições.”
“Precisamos que o país volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro [Sérgio] Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar.”
“O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter.”
“O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base.”
“Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho.”
“Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa.”
“Na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência.”
“Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Sou a favor da reforma da Previdência. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Ele pode me deixar para o fim da fila.”
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Em entrevista a O Globo
“O governo trabalhou contra a minha eleição, através do seu ministro da Casa Civil [Onyx Lorenzoni], até dois dias antes da votação. Tentaram primeiro viabilizar o senador Davi Alcolumbre para me inviabilizar. Depois, tentaram fortalecer um candidato no meu campo. No final, tentaram fortalecer o candidato com mais chances que sobrou. Então, não tenho nenhum compromisso com o governo.”
“Defendo a reforma com muito mais convicção que ele. O que ele precisa é da mesma convicção que eu e o ministro Paulo Guedes (Economia) temos na defesa da matéria.”
“Ficam dizendo nas redes sociais que estou contra a matéria. Me desculpe. Quem foi contra a matéria a vida inteira foi o Bolsonaro, não fui eu. Sempre estive neste campo: o da reforma do Estado, da reforma da Previdência e da economia de mercado.”
“Nas últimas semanas foi se construindo uma imagem de que o Parlamento estava atrás de cargos, que ia pressionar o governo. Isso é muito ruim para a relação entre Legislativo e Executivo.”
“Não tem ninguém boicotando votação, nenhum tipo de pressão. Ele [Bolsonaro] está criando uma falsa informação. Mas sem seu protagonismo, nada vai andar. Como é que o presidente não constrói sua base? Isso é impossível dar certo.”
“Se não chamar deputado por deputado, não olhar no olho e não falar da importância da reforma, será difícil. Ou ele patrocina, lidera e passa a ser o garoto-propaganda dela, ou será muito difícil.”
“O presidente precisa compreender que ele foi eleito para comandar sua pauta. O sistema é presidencialista, não é parlamentarista.”
“Estou dialogando e estou convencido de que o relator da reforma precisa ser do PSL. Porque, a partir do partido do presidente, ele vai ter capacidade maior de diálogo.”
“Estamos vivendo um momento em que as redes sociais do Bolsonaro agridem quando um deputado ou jornal critica o governo. Tem algo errado nessa relação […] Vivemos numa democracia ou numa ditadura? Quando você não aceita crítica, passa a não viver numa democracia e começa a viver numa ditadura.”
“Sempre tive uma relação de muito diálogo com o ministro Moro, sei das boas intenções dele. Agora, quem conhece a Câmara sou eu e sei que ela não tem capacidade de mobilização em dois temas tão relevantes ao mesmo tempo. […] A decisão de como vai tramitar é da Câmara, não do Executivo. Eles têm que tomar cuidado porque essa fronteira leva à ditadura. Agente precisa respeitar os Poderes.”
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