O economista Pedro Fernando Nery, consultor do Senado Federal na área de renda, trabalho e Previdência, comentou em entrevista ao Congresso em Foco algumas das medidas adotadas pela equipe econômica do governo federal para enfrentar a crise com o coronavírus.
Para Nery, a proposta de reduzir as jornadas de trabalho com a consequente redução de salários é necessária porque preserva os empregos durante a crise ao diminuir os custos para o empregador. No entanto, ele critica o governo por, segundo ele, não conseguir transmitir para a população o significado da medida.
“Comunicação é essencial, e o governo já saiu perdendo, porque as notícias eram de redução de metade do salário, o que para boa parte dos trabalhadores não acontecerá porque o programa preserva o salário mínimo. Poucos trabalhadores celetistas ganham mais que 2 salários. Uma ideia interessante é permitir a conversão dos contratos para contratos intermitentes, por hora trabalhada, durante a crise, com um mínimo de horas contratadas – pelo menos para as micro e pequenas empresas de regiões afetadas”, disse.
Trabalhadores informais
O economista também disse que a medida anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de dar um vale de R$ 200 para trabalhadores informais durante a crise do coronavírus é “muito necessária”.
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No entanto, ele fez algumas ressalvas e afirmou ser necessário um valor maior. “O valor é baixo, mas pelo menos implica em um aumento significativo no valor do Bolsa Família. Se houver espaço fiscal, pela queda dos juros; elevação de tributos sobre os ricos; ou contenção do gasto com funcionalismo, é importante que o benefício seja maior”.
Nery também criticou a estratégia de comunicação do governo. “Não gosto do termo voucher, uma palavra estrangeira para um benefício que será usado pela população mais pobre do Brasil. É um momento de angústia, a comunicação tem que ser clara. Existem diversos nomes para benefícios sociais no Brasil – bolsa, seguro, auxílio, salário, vale – não faz sentido o estrangeirismo”.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco: a decisão do governo de pedir calamidade pública foi correta? Se sim, qual seria o número ideal para ampliação de meta de déficit?
Pedro Fernando Nery: Foi correta. A situação de calamidade permite descumprir duas regras fiscais. Uma é a da meta do déficit primário, em um momento em que o governo deve aumento de gastos e queda da arrecadação. A outra é a do teto de gastos.
Ainda há muita incerteza sobre os próximos meses para cravar uma meta ideal de déficit primário. Por um lado os juros estão caindo muito, o que em tese permitiria ao governo se endividar um pouco mais sem subir tanto a dívida. Por outro, o risco-país e os juros longos subiram muito no dia da votação do BPC, e a crise nos próximos meses pode provocar uma drástica saída de recursos dos países emergentes. Vamos ter que ir calibrando no caminho.
O aumento do BPC foi aprovado pelo Congresso, negado por liminar do TCU e permitido de novo por 15 dias pelo plenário do TCU. Com a situação de calamidade aprovada, é mais fácil o aumento do BPC ter validade ou ainda representa risco para as contas públicas?
A mudança do BPC seria permanente, enquanto as medidas relacionadas à calamidade são temporárias. Por isso, ainda deve haver um estresse. O governo anunciou que apoia o Projeto do dep. Eduardo Barbosa, em que o aumento dos gastos seria menor e concentrado nos idosos que precisam de cuidador e nas pessoas com deficiência grave.
Dos R$ 147 bi mencionados inicialmente pelo ministro Paulo Guedes na segunda-feira, boa parte, cerca de R$ 60 bi eram de remanejamentos de verbas previstas no orçamento e de créditos extras, tudo isso precisa ser aprovado pelo Congresso. Acha que há como construir a aprovação dessas medidas no Legislativo?
Acho que sim. Não são medidas polêmicas. O que vai ser mais difícil é eventualmente flexibilização da legislação trabalhista. Medidas que o governo entende como de proteção ao emprego podem ser entendidas como transferir o custo da crise aos trabalhadores. De novo, há muita incerteza e é difícil formular esse tipo de política sem que se saiba quanto tempo as empresas ficarão fechadas.
Acha que é o ideal deixar em suspenso as reformas ou elas têm que continuar? Muitas delas já estavam paradas como a tributária e a administrativa, mas a do saneamento e a PEC Emergencial estavam avançando.
É difícil. PEC tem uma tramitação longa e o Congresso tem dificuldades de se reunir nesse momento. A prioridade tende a ser dada às medidas diretamente ligadas ao novo coronavírus. Mas a PEC Emergencial tem medidas bem-vindas, de restrição ao gasto na elite do funcionalismo federal, que abriria espaço fiscal neste momento difícil.
A redução de jornadas e salários temporariamente propostas pelo governo para fazer com que os empregos não sejam perdidos é uma medida acertada?
É uma medida que tem uma lógica, mas o governo precisa esclarecer porque está optando por este caminho e se outras alternativas de preservação do emprego serão feitas, como desoneração ou crédito para as empresas. Comunicação é essencial, e o governo já saiu perdendo, porque as notícias eram de redução de metade do salário, o que para boa parte dos trabalhadores não acontecerá porque o programa preserva o salário mínimo. Poucos trabalhadores celetistas ganham mais que 2 salários. Uma ideia interessante é permitir a conversão dos contratos para contratos intermitentes, por hora trabalhada, durante a crise, com um mínimo de horas contratadas – pelo menos para as micro e pequenas empresas de regiões afetadas.
O voucher de R$ 200 para trabalhadores informais é uma medida necessária? Se sim, esse valor é o ideal?
É uma medida muito necessária. O valor é baixo, mas pelo menos implica em um aumento significativo no valor do Bolsa Família. Se houver espaço fiscal, pela queda dos juros; elevação de tributos sobre os ricos; ou contenção do gasto com funcionalismo, é importante que o benefício seja maior. Quem sabe a crise é oportunidade para corrigirmos deficiências crônicas da nossa proteção social: a ênfase nos trabalhadores formais, o elevado gasto com servidores estáveis, o financiamento regressivo sem participação dos ultraricos.
Por fim, não gosto do termo voucher, uma palavra estrangeira para um benefício que será usado pela população mais pobre do Brasil. É um momento de angústia, a comunicação tem que ser clara. Existem diversos nomes para benefícios sociais no Brasil – bolsa, seguro, auxílio, salário, vale – não faz sentido o estrangeirismo.
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