O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e um dos responsáveis pela elaboração do texto que resultou na emenda à Constituição do teto dos gastos, disse em entrevista ao Congresso em Foco que a exclusão de benefícios sociais considerados menos eficientes representaria um incremento de R$ 17 bilhões na verba anual do Bolsa Família.
“Dá para fazer um programa aí na faixa de R$ 50 bilhões, o Bolsa Família está na faixa de R$ 33 bilhões, então você quase dobra o orçamento disponível”, disse.
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O pesquisador participou da elaboração de um conjunto de propostas na área econômica para serem implementadas após a pandemia. Coordenado pelo diretor do Insper, Marcos Lisboa, o texto, além da discussão sobre o benefício social, traz sugestões voltadas para reforma tributária. Leia a íntegra.
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Consultor licenciado do Senado, Mendes é formado em economia pela Universidade de Brasília (UNB), doutor em economia pela Universidade de São Paulo (USP), foi coordenador adjunto da Dívida Pública na Secretaria do Tesouro Nacional de 1991 a 1992 e pesquisador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial de 1998 a 2001.
PublicidadeA ideia de excluir benefícios sociais é avaliada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que pretende reformular o programa social criado nos governos do PT e batizá-lo de Renda Brasil.
O pesquisador do Insper elencou quais são os benefícios que poderiam ser transferidos para a nova versão do Bolsa Família:
“Os programas que deveriam ser extintos para ampliar o Bolsa Família são o abono salarial, o salário família, o seguro defeso, são os três principais. Você também poderia economizar alguns recursos mudando algumas regras do Benefício de Prestação Continuada, que foram muito afrouxadas, é um benefício muito caro”.
Reforma tributária
O economista também defende que seja mudada a forma de tributação sobre as pessoas jurídicas. Ele deseja que não aconteça mais a tributação antecipada dos lucros dos acionistas, a chamada modalidade do lucro presumido, e que no lugar disso os dividendo sejam tributados.
Mendes afirma que a mudança não vai trazer uma quantidade significativa de receita, mas que é uma questão de justiça tributária.
“Não é uma questão de receita, é uma questão de justiça e de tributar todo mundo igualmente e não onerar excessivamente as empresas porque aí você diminui a competitividade da nossa economia”, afirmou.
“Na hora que você muda de um para outro, provavelmente vai ter muito pouco ganho de receita, vai ter ganho por aumentar o lucro presumido, mas vai ter perda de receita por menor eficiência arrecadatória na hora que você tem que arrecadar de forma mais pulverizada.”
Estabilidade no serviço público
O pesquisador do Insper disse que a estabilidade no serviço público deveria ser limitada. “A estabilidade deveria realmente ser garantida para as carreiras típicas de Estado, todas aquelas que tiverem correspondente no setor privado não deveriam ter estabilidade”, declarou.
No entanto, o economista reconhece que a ideia não tem apoio dentro do Poder Legislativo. A equipe econômica do governo federal chegou a elaborar uma proposta que permite o fim da estabilidade para futuros servidores, mas a iniciativa nunca chegou a ser encaminhada ao Congresso.
“Antes de discutir estabilidade tem uma série de medidas menos controversas do ponto de vista político, a própria redução de jornada com redução do salário, que aconteceu no setor privado agora, para dar maior previsibilidade e permitir o controle das contas públicas”, disse Mendes.
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Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco: o governo ampliou por mais dois meses a duração do auxílio emergencial. O senhor acha que o benefício é sustentável para as contas públicas por mais quanto tempo?
Marcos Mendes: prejudicar, prejudica todo mês que paga porque são R$ 50 bilhões por mês e isso é quase o que o governo gasta por mês com a Previdência Social. Agora foi inevitável por conta de uma situação abrupta que surgiu e a prorrogação está também sendo inevitável porque a pandemia está se estendendo mais do que se imaginou inicialmente. Tem vários problemas, o valor fixado foi muito elevado, está sendo concedido para um número muito maior de pessoas do que as que precisavam inicialmente ter suplementação de renda. Não foi feito um sistema de checagem até pela pressa total, pressa da implementação. Precisa fazer um sistema de gradual redução disso e tratar com a maior brevidade possível no Congresso uma ampliação do Bolsa Família, da política de assistência social que seja sustentável em termos fiscais. A única maneira para fazer isso é por meio de cancelamento de outros programas sociais que são menos efetivos e tem várias distorções, não têm a capacidade de chegar às pessoas mais pobres.
O ministro Paulo Guedes anunciou que estuda uma reformulação do Bolsa Família e já a batizou de Renda Brasil. A ideia seria ampliar o número de beneficiados e eliminar outros benefícios sociais do governo. Quais benefícios o sr. acredita que podem ser incorporados a esse novo Bolsa Família?
O valor e o número de pessoas vai depender do quanto você vai conseguir de orçamento para isso. Os programas que deveriam ser extintos para ampliar o Bolsa Família são o abono salarial, o salário família, o seguro defeso, são os três principais. Você também poderia economizar alguns recursos mudando algumas regras do Benefício de Prestação Continuada, que foram muito afrouxadas, é um benefício muito caro. Tudo isso é muito difícil de passar no Congresso, o abono salarial por exemplo é uma emenda constitucional, então tem que ter um esclarecimento, acordo político muito forte para poder fazer esse redesenho das políticas. Se você conseguir extinguir todos esses programas, somado com o que gasta no Bolsa Família, dá para fazer um programa aí na faixa de R$ 50 bilhões, o Bolsa Família está na faixa de R$ 33 bilhões, então você quase dobra o orçamento disponível. Tem que ver se o mais adequado é ampliar o valor do benefício ou ampliar a clientela atendida pelo Bolsa Família.
O Benefício de Prestação Continuada é bastante discutido no Congresso. O Executivo e o Legislativo travaram muitas disputas sobre a abrangência de pessoas atendidas.
Hoje a regra é de ¼ do salário mínimo, o Congresso quer elevar para ½ salário mínimo [o limite da renda familiar para receber o benefício]. Judicialmente muita gente já consegue, entrando na Justiça, elevar para ½ salário mínimo. Mas você tem outras distorções, a própria lei estabeleceu que o benefício recebido por alguém da família não conta da hora de computar qual a renda daquela família, então se um idoso já tem um BPC e a esposa ou outra pessoa da família for pedir outro BPC, o primeiro BPC não conta na renda. Isso gera uma distorção muito grande, imagina uma família com três idosos, cada um vai poder ter um BPC de um salário mínimo, essa família vai receber três salários mínimos. Essa família vai virar um padrão de classe média, o padrão de classe média no Brasil são três salários mínimos. Isso é uma coisa que precisa ser vista, a judicialização excessiva, a definição do nível do que entra na renda, tem várias outras rendas que você exclui, benefícios sociais. Essa lei que instituiu o auxílio emergencial fez uma modificação muito importante porque agora, na hora de calcular a renda para quem tem um BPC, você tira não só outro BPC, mas qualquer outro benefício previdenciário. Se tem alguém que recebe uma aposentadoria de um salário mínimo na família também não vai contar. Então você começa a gastar uma fortuna com um programa social, em vez de dar para uma pessoa pobre para tirar da pobreza extrema, você está transformando as pessoas em classe média a um custo muito alto. Cada real que você gasta além do necessário para tirar uma pessoa da pobreza é outra pessoa que você não está tirando da pobreza, está perdendo o foco da política de redução da pobreza.
O estudo do Insper sobre a agenda pós-pandemia sugere algumas mudanças para o serviço público, como na maneira de dar gratificações e no processo seletivo de contratação de vagas. O governo preparou uma PEC que na prática daria fim na estabilidade dos futuros servidores, mas nunca chegou a mandá-la para o Congresso. O senhor defende uma mudança na estabilidade dos servidores?
A estabilidade deveria realmente ser garantida para as carreiras típicas de Estado, todas aquelas que tiverem correspondente no setor privado não deveriam ter estabilidade. A estabilidade é basicamente para prevenir contra pressões políticas e para evitar excessiva politização no emprego público. Então pessoas como técnicos da Receita Federal, diplomatas, ocupantes de cargos de alto nível, gestores governamentais. Essas pessoas que tomam decisões em carreiras típicas de Estado devem ter estabilidade para garantir sua isenção. A grande massa que se tem no serviço público não tem muita justificativa para ter estabilidade. Antes de discutir estabilidade tem uma série de medidas menos controversas do ponto de vista político, a própria redução de jornada com redução do salário, o que aconteceu no setor privado agora, para dar maior previsibilidade e permitir o controle das contas públicas.
O estudo foca bastante na necessidade de uma reforma tributária. Acredita que as mudanças tributárias devem vir antes da implementação de uma renda básica?
São discussões paralelas. A questão da renda foi precipitada pela pandemia, pela necessidade, pelo fato de muita gente depois da pandemia vai precisar de ajuda. São agendas paralelas, a reforma tributária é mais preocupada com questão de eficiência da economia, de aumentar o potencial de crescimento da nossa economia, retirando vários entraves e vários problemas que o sistema tributária atual cria. É uma coisa que impacta no médio e longo prazo para crescer mais e reduzir a pobreza. Para lidar com a pobreza já existente, já contratada na pandemia, você vai ter que tratar com mais celeridade a questão do programa de transferência de renda.
O texto diz que as desonerações devem ser feitas de forma gradual e acompanhadas de elevação de receitas. De que forma essas receitas podem ser ampliadas? O governo tem falado sobre um imposto sobre transações financeiras. Acha que é adequado?
A CPMF é um imposto extremamente distorcido, gera grande problemas na economia, distorce as decisões de investimentos, bloqueia várias atividades econômicas, vai bloquear várias operações de crédito por serem muito oneradas pela taxação. Se fosse imposto bom, outros países adotariam, os poucos países que adotaram a CPMF já abandonaram. Não me parece o caminho adequado. O grande problema da desoneração da folha é que ela é muito cara, gera uma perda de receita muito grande. Tem que saber primeiro o que desonerar, tem uma parte dos encargos trabalhistas que fazem sentido, aquela parte que o encargo corresponde a um benefício futuro do trabalhador, seja aposentadoria, seja auxílio doença, algum benefício acidentário. O encargo que você está pagando é como se fosse um seguro, plano de saúde, alguma coisa assim. Tem uma outra parte da folha que não faz sentido, que se assemelha a um imposto, aquele encargo que vai financiar o Sesi, Sesc, Senai, Fiesp, que vai financiar outras que coisas que não revertem para o trabalhador individualmente. Esses encargos deveriam sair da folha, aí você tem resistência de todas essas pessoas do Sistema S, dessas organizações que estão financiadas por isso, tem um impasse que você não consegue avançar.
O texto também defende o fim da tributação sobre lucro presumido e a criação de imposto sobre dividendos. De que forma essa mudança simplificaria o sistema tributário? Ela traria mais receita?
Existe uma falácia que as pessoas jurídicas não pagam imposto, isso não é correto. O lucro é taxado na empresa, na hora que a empresa distribui o lucro para as pessoas, esse lucro já foi tributado. Se você tributar o recebimento pela pessoa física, vai tributar duas vezes o mesmo lucro. Qual o problema? O problema é que você tem vários regimes tributários. Os regimes mais simplificados, lucro presumido, do Simples, a tributação do lucro é muito pequena, então esses donos de empresa, do Simples, do lucro presumido, são muito pouco tributados. Na empresa grande você tem um acionista que é um aposentado, um cara de renda de média. A ideia é tributar menos a empresa e na hora de dividir para o acionista, você tributa dentro da renda desse cara. Se isso vai dar mais receita, provavelmente muito pouco porque essa ideia de tributar lá na empresa é para facilitar a arrecadação, tributar na empresa é muito mais fácil que ir atrás de cada um dos acionistas. Na hora que você muda de um para outro, provavelmente vai ter muito pouco ganho de receita, vai ter ganho por aumentar o lucro presumido, mas vai ter perda de receita por menor eficiência arrecadatória na hora que você tem que arrecadar de forma mais pulverizada. Não é uma questão de receita, é uma questão de justiça e de tributar todo mundo igualmente e não onerar excessivamente as empresas porque aí você diminui a competitividade da nossa economia.
Defende a implementação de impostos seletivos sobre bebidas e cigarros?
Hoje você tem tanto no PIS/ Cofins quanto nos impostos estaduais um monte de alíquota, desonera na cesta básica, tributa aquilo, isso gera uma confusão danada. O que está sendo proposto na reforma tributária, desde a reforma só no PIS/Cofins e naquele projeto que engloba os três eixos do governo, é uma alíquota única, tributar tudo igual, o mesmo tributo do arroz vai ser o do relógio de luxo. O que está por trás da ideia, não é a baixa tributação do arroz que vai beneficiar o pobre, o arroz é comprado tanto pelo pobre quanto pelo rico. Muito melhor pegar esse dinheiro arrecadado com a tributação do arroz e fazer uma política voltada para o mais pobre. É uma coisa, agora existe outra coisa que é fazer uma alíquota elevada para produtos que geram malefícios sociais, o cigarro que gera um custo muito grande de hospitalização por conta do câncer, o combustível que é poluente, a bebida alcoólica, então você pega dois, três ou quatro produtos que você quer desestimular o consumo e aplica um tributo mais alto. Isso é plenamente compatível com a reforma que você quer que no geral os produtos tenham a mesma alíquota.
Quais temas devem tratados na segunda parte do texto sobre a agenda pós-pandemia?
Isso quem está organizando é o Marcos Lisboa, então não tem previsão, são outras pessoas, outros assuntos. É uma agenda que vai abarcar infraestrutura, política monetária, investimentos, mercado de crédito. Então são outras pessoas e depende do ritmo das pessoas concluírem.
Essas ideias foram pensadas tendo com base o cenário da pandemia?
A gente faz parte do debate, está sempre olhando, debatendo quais são os melhores caminhos. Temos um diagnóstico que o Brasil criou ao longo dos últimos 30, 40 anos muitas amarras, precisamos desamarrar isso. Uma primeira versão dessas ideias estavam desenhadas em janeiro deste ano, antes da pandemia. Uma vez acontecendo isso a situação se agravou e se adaptou à situação criada pela pandemia.
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