O novo mandato presidencial, na verdade, se iniciou na última semana. Isso não impediu que os primeiros 50 dias fossem povoados por declarações estapafúrdias e exóticas de ministros e desencontros políticos monumentais.
Mas, entre os diversos tropeços e ruídos, um precisa ser discutido. Trata-se da renovação das medidas antidumping de proteção à produção doméstica de leite.
O novo ministro da Economia vem de uma matriz de pensamento liberal, corrente sem grande protagonismo na história brasileira.
O liberalismo surgiu no século 18, como face teórica da nascente economia capitalista, tendo sua primeira sistematização relevante feita pelo grande economista escocês Adam Smith, em sua obra seminal A riqueza das nações. Na concepção dos liberais clássicos, a liberdade deveria ser total para os indivíduos, que ao procurarem maximizar seus ganhos, inconscientemente produziriam a melhoria do bem-estar coletivo. No livre mercado, o encontro entre oferta e demanda de mercadorias produziria, orquestrado pelo sistema de preços relativos, o equilíbrio geral. A mão invisível do mercado seria o melhor maestro e não o Estado.
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Depois, com a evolução do capitalismo, descobrimos que as informações entre os agentes econômicos são assimétricas, a evolução leva à formação de oligopólios e monopólios que obstruem a concorrência perfeita e o livre mercado não produziu o equilíbrio geral, mas sim crises cíclicas.
A partir daí, voltemos ao leite. Em 2001, o Brasil editou medidas antidumping em relação às importações de leite da Europa, da Nova Zelândia e dos Estados Unidos, após exaustivos estudos que demonstraram a gama enorme de subsídios ao produtor praticada por esses países. Uma coisa é a defesa da economia de mercado – e eu a defendo –, outra coisa é ingenuidade no comércio internacional. Em todo o mundo, segundo a Embrapa, os preços do leite são administrados. A Europa, a Nova Zelândia e os Estados Unidos dominam 75% do mercado mundial.
PublicidadeApós 2001, a renovação das medidas que defendiam o produtor brasileiro era automática. No final de 2018, o governo Temer preferiu deixar a decisão para o novo governo eleito. A natural dificuldade de comunicação em início de governo entre os ministérios da Economia e da Agricultura resultou no cancelamento da legítima defesa da produção nacional. O raciocínio da equipe econômica foi simplista. Ao verificar que a importação de leite era pequena, concluíram ser desnecessária a renovação. Na verdade, a importação era pequena porque havia a defesa comercial.
Corretamente o governo recuou, atendendo aos apelos do agronegócio. Aí, foi uma ladainha geral: o ministro Paulo Guedes teria sido derrotado nas suas convicções liberais, o governo teria cedido ao protecionismo anticonsumidor. Bobagem pura.
Os efeitos econômicos e sociais seriam devastadores. São 1.115.000 famílias produtoras. Três quartos são tipicamente pecuária familiar, que respondem por 25% da produção. O Brasil produz quase 34 bilhões de litros por ano, o mundo 800 bilhões, e Minas, nove bilhões. O déficit na balança comercial do leite é de US$ 450 milhões.
No Brasil, a abertura externa e a integração às grandes cadeias produtivas são inevitáveis. Mas o mundo globalizado demanda aumento de produtividade e de competitividade, e não a rima pobre da ingenuidade.
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