Ao proferir a sentença condenatória de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, reconheceu que o sistema judiciário brasileiro é moroso, mas assegurou que todos os criminosos serão punidos em algum momento.
“A Justiça, por vezes, é lenta, cega, falha, injusta, incorreta e tortuosa, mas ela sempre chega. Ela alcança até aqueles que, como os réus, acreditam que nunca serão responsabilizados. Apesar das dificuldades de interpretação e da dor vivida pelas vítimas, a Justiça finalmente se faz presente, punindo os culpados e retirando deles o que há de mais precioso, além da vida: a liberdade.”
A juíza também mencionou os desafios enfrentados na investigação do crime e destacou os anos de sofrimento das famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes em busca de respostas.
Na noite de hoje, os assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, foram condenados. Ronnie Lessa recebeu uma pena de 78 anos, 9 meses e 30 dias, enquanto Élcio foi condenado a 59 anos, 8 meses e 10 dias.
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Os réus estavam presos preventivamente desde 2019, ano seguinte ao do assassinato. Em seu depoimento e também em sua delação premiada à Polícia Federal, Lessa afirmou ter recebido uma oferta de R$ 25 milhões para assassinar Marielle, e teria recrutado Queiroz para auxiliar no atentado, que também resultou na morte do motorista da vereadora, Anderson Gomes. Os acusados de serem os mandantes são o deputado Chiquinho Brazão (RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão; já o delegado federal Rivaldo Barbosa é acusado de ajudar a tramar a morte de Marielle.
Veja a íntegra da sentença:
“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.
Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.
Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.
Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.
A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.
Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.
A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?
Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.
Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.
Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.
Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.
Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.
Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.
Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:
A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.
A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.
A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:
a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;
a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.
Saem os dois condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.
Ficam os dois condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.
Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.
Agradeço às partes, à Defensoria Pública, às defesas dos dois acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.
Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.
Tenham todos uma boa noite”.
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