Fernando Rizzolo *
Como todos sabem, eu me considero um eleitor do Bolsonaro. Muito mais pela indignação, tendo em vista a corrupção que se instalou no país, do que por qualquer outro motivo. Eu fui um daqueles que saíram às ruas para clamar pelo novo, pela dignidade de viver num país melhor, já que no Brasil a prática política foi desvirtuada, tomada pela impunidade dos membros do Legislativo e pela promiscuidade entre entes públicos e privados.
Fui também um daqueles que lutaram pela Constituição de 1988, que acolhia os princípios da dignidade humana, educação, justiça social e tudo mais que achávamos essencial para um país crescer de forma humanitária, alinhada com as premissas dos conceitos que permeavam os países da Europa – em que os direitos fundamentais eram aplicados e estudados na sua forma mais abrangente do ponto de vista social, como ocorria na Alemanha, um exemplo de vanguarda quando se fala em direitos fundamentais da pessoa humana.
Como já disse, não tive outra opção a não ser me tornar um eleitor de Bolsonaro. Mas não um eleitor fanático, que perdeu o senso crítico e que aceita tudo em nome de voto de protesto contra a corrupção. Não. Votei conscientemente e pronto para participar, caminhando junto, aprovando ou criticando pontos da pauta conservadora; medindo, sim, os exageros, os despropósitos; e, de certa forma, sempre com um olhar vigilante, como advogado, analisando as propostas de mudanças, principalmente na área criminal, em que a Carta Magna se esboçou na modernidade do Direito visando a dignidade humana – o que já é contemplado nas Constituições modernas de países que podemos apontar como paradigmas de uma cultura avançada.
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Com o aumento da violência no Brasil, a expressão “direitos humanos” se vulgarizou, pois, quando não se tem um baixo nível de criminalidade, culpa-se a política social, que visa aos direitos fundamentais. E ateia-se fogo em todos os preceitos de proteção à população em nome de uma reação contrária a tudo o que poderíamos ver como avanços na nossa Constituição.
O projeto de lei anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, no meu entender, abrange pontos positivos e muitos pontos negativos. É, na realidade, um apanhado de maior vigor contra crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, o que é positivo. Contudo, toda exegese do princípio de execução penal é o acirramento das prisões e o aumento significativo do encarceramento dos agentes delituosos, levando o país a um grave aumento da população carcerária – que, hoje, está por volta de 800 mil presos, ou seja, a terceira maior população carcerária do planeta.
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A pergunta que se faz é a seguinte. Numa visão simplista, a ideia, num primeiro momento, parece ser a de encarcerar mais pessoas, construir mais presídios, enaltecer a excludente de ilicitude para vários casos controversos, atolar a Justiça Criminal com mais processos, menosprezar alguns aspectos que atingem em cheio a nossa Constituição. Mas seria essa a solução?
Vejo, portanto, com bons olhos a iniciativa da Comissão Arns, uma homenagem ao cardeal arcebispo D. Paulo Evaristo Arns, que, em 1972, durante a ditadura militar, criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo. O grupo será presidido pelo ex-ministro e cientista político Paulo Sérgio Pinheiro. Integram também essa Comissão juristas de renome, como o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira e o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi.
Num governo conservador, deve-se, antes dos postulados políticos, analisar se novas ideias podem ser palatáveis à população – que, ainda que repleta de razão em sua sede de vingança contra a violência, não pode abrir mão de leis que preservem um ajuste jurídico e acima de tudo técnico –, a fim de não padecer de um retrocesso em relação ao já conquistado na nossa Constituição. Em última instância, a Carta Magna sempre teve como objetivo a proteção da pessoa humana, principalmente dos mais pobres, pois são os que mais sofrem com o descaso da sociedade.
* Advogado, jornalista, professor de Direito e mestre em Direitos Fundamentais.
O autor faz uma baita ginástica para coadunar seu voto em quem faz a apologia da tortura e da ditadura com a defesa dos direitos humanos, a começar pelo título. A comissão que ele elogia se formou justamente para se contrapor ao iminente assalto aos direitos humanos, em que várias iniciativas deste governo apontam para. Exemplo: no pacote de segurança, Moro propõe alterar o texto que trata sobre legítima defesa para policiais. Neste ponto, possibilita que juízes reduzam a pena pela metade ou até deixem de aplicar a punição caso o excesso aconteça por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Não há detalhamento sobre os termos. Na prática, é uma licença para matar. Nem precisarão forjar autos de resistência. Um absurdo jurídico e moral, incontornável por qualquer ginástica retórica deste autor. Pelo visto, a Comissão Arns terá muito trabalho.