Fredson Oliveira Carneiro *
Honestidade promove orgulho.
Não sinto necessidade de disfarce,
nem de esconder-me
da multidão iludida.[1]
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Em 2016, 343 pessoas LGBT, também marcadas por recortes de classe, religião, raça e etnia diversas da norma, foram assassinadas no país. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), o número é o maior em 37 anos de coleta de dados, o que representa um assassinato a cada 25 horas, sendo esses dados são subnotificados, em razão da ausência de registros policiais. Como indica o relatório de 2016 do grupo baiano, “matam-se mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT”.
PublicidadeAinda assim, o Projeto de Lei 7582/2014, da deputada Maria do Rosário (PT-RS), encontra imensa dificuldade de incluir entre os crimes de ódio aqueles motivados por intolerância à orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero diversas da norma heterossexual. Na oposição à criminalização da LGBTfobia e da garantia de direitos da população LGBT, estão representantes conservadores, em sua maioria, de congregações religiosas neopentecostais e da renovação carismática da Igreja Católica. Esses representantes de “Deus” tomaram de assalto o Poder Legislativo federal, dos estados, do Distrito Federal e de diversos municípios afrontando princípios republicanos e democráticos.
Deputados como o Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), o Pastor Eurico (PHS-PE), Jair Bolsonaro (PSC-RJ), entre outros, são agentes do retrocesso social e da naturalização política da violência praticada contra as vidas LGBT que se aproximam de uma abominação ética e cognitiva, como define a filósofa Marilena Chauí.
Isso porque, além de praticarem a desinformação e espalharem pânicos morais em suas bases político-religiosas, pessoas como esses parlamentares são insensíveis aos dados registrados aqui mencionados. Porque dados tão alarmantes não são capazes de mobilizar maiores esforços políticos para mudanças efetivas na legislação brasileira? E, mais, como superar as barreiras que impedem as “pessoas comuns” de se indignarem com práticas políticas de negação do direito à própria existência das pessoas LGBT? Seria a população brasileira inerentemente LGBTfóbica?
Não acreditando nesse último questionamento, penso que uma possível explicação para a apatia social em torno da negação de direitos à população LGBT é que, além das vivências LGBTs ainda serem ocultadas como tabus por diversas religiões e outros espaços sociais conservadores, os dados frios não sensibilizam as pessoas. Talvez porque, muitas vezes, eles estão distantes das vivências cotidianas da maioria da população. Boa parte dos cidadãos e cidadãs brasileiras não se vê como sujeitos/as à violência LGBTfóbica, não pessoalizam os riscos a que estão expostas as pessoas LGBT.
Suponho, assim, que o nosso desafio é acercar o máximo de pessoas de nossas histórias e trajetórias, dos nossos dilemas e do sofrimento diário das pessoas LGBT em virtude do complexo emaranhado de violências e discriminações de que somos vítimas. Por isso, precisamos falar sobre Dandara, Têu Nascimento, Itaberli Lozano e tantas outras pessoas vítimas fatais da LGBTfobia.
Precisamos falar também de Gisberta, transexual brasileira que, após ser brutalmente assassinada em Portugal, tornou-se mártir de uma luta que alcançou a criminalização da violência contra pessoas LGBT em terras lusitanas.
Precisamos falar das centelhas iluminadas em meio às trevas contemporâneas pela potência das lutas sociais que levantaram a “Casa Nem”, no Rio de Janeiro, e a “Casa 1”, em São Paulo, espaços de cultura e acolhimento para pessoas LGBT expostas a riscos sociais os mais diversos.
Precisamos falar do trabalho incrível de Céu Cavalcanti, Viviane Vergueiro, Maria Clara Araújo, Marcelo Caetano e tantas outras pessoas trans que tem revolucionado territórios e descolonizado preconceitos e discriminações.
Por tudo isso, precisamos de visibilidade. Hoje, data internacionalmente celebrada desde que, no dia 28 de junho de 1969, o bar Stonewall-Inn, em Nova York, foi palco de extrema violência policial contra pessoas LGBT, serve para nos mantermos “atentos e fortes” aos riscos que nos enfraquecem e à necessidade da luta por direitos que nos fortalece.
Enquanto os fundamentalistas não compreenderem que as vidas LGBT importam. Enquanto os crimes de ódio contra pessoas LGBT forem uma realidade e os nossos direitos não forem reconhecidos, precisamos de visibilidade, de voz, de espaço, de honestidade e orgulho.
Um dia, venceremos a cegueira pelo medo e a ignorância que legitima a violência. Enquanto não chegamos lá, rogo à humanidade presente em cada uma das pessoas que me leem e, como a muitos/as outros/as, que “quando me encontrar, o deslumbrante arco-íris que você verá, me manterá imune à ignorância. Tome a minha mão e ouça minha história”[2].
* Fredson Oliveira Carneiro é doutorando em Direito (UFRJ), mestre em Direitos Humanos e Cidadania (UnB), jurista (UFBA) e autor do livro “A lucidez e o absurdo: conflitos entre o poder Teológico-Político e os Direitos Humanos LGBT na Câmara dos Deputados” (Editora Lumen Juris, 2016).
Referências:
Redação Pragmatismo. “Marilena Chauí: classe média é violenta, fascista e ignorante”. Pragmatismo Político. Disponível em:. Acesso em: 26/07/2017.
Grupo Gay da Bahia (GGB). Relatório 2016. Assassinatos de LGBT no Brasil. Mott, Luiz; Michels, Eduardo & Paulinho. Salvador, 2016. Acesso em: 26/06/2017.
Russo, David. “Pride”. Acesso em: 27/06/2017.
[1] Trecho do poema “Pride” (Orgulho) do poeta estadunidense David Russo.
[2] Trecho do poema “Pride” (Orgulho) do poeta estadunidense David Russo.
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