A mídia comercial, especialmente a televisiva, dita as regras sociais, comunicacionais, políticas, jurídicas e até científicas nos países subdesenvolvidos, onde a ignorância é auxiliada pela superstição e o poder infinito das corporações.Estes estimulam no público mais indefenso uma carga ativa de rancores e ressentimentos como os que geraram os movimentos da direita europeia nos anos 30, ou, ainda mais próximo de nós, o massacre de Rwanda de 1994, onde morreu quase um milhão de pessoas.
Isto também acontece nos EEUU, onde ainda se lembram os milhares de enforcamentos e queimas de afro-americanos linchados pelas ralés insanas do Sul Profundo (Alabama, Arkansas, Missouri, e todos os outros que formam o BibleBelt). Mas, os avanços dos direitos civis nos anos 60 e 70 têm atenuado parcialmente a tradição das “mensagens de ódio”. Hoje, o que está substituindo aquela cultura do ódio é a mídiade países como o Brasil, a Argentina, o Paraguai, a Honduras e de alguns outros “emergentes”. Eles ficam como os melhores expoentes da formação de uma opinião pública agressiva, fascista, chauvinista e mística, o que tem provocado preocupações não apenas em ONGs de DH, como também nas Nações Unidas. (Exemplo: o caso dos presídios de Maranhão.)
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Brasil produz, de longa data, tortura policial massiva, linchamentos, tanto urbanos como rurais, e genocídios e democídios qualificados, como o de Carandiru (avantajado apenas pelo do presídio de Abum Salim, Tripoli, Líbia, 1996);o do maio sangrento de 2006 em SP, onde o governador ordenou um massacre de jovens pobres e negros~; a “faxina” de sem Teto em toda época e local;o ataquedo governo de SP contra a política de recuperação de viciados da prefeitura; os casos de Candelária e Vigário Geral; a megademocídio de Carajáse muitos outros, entre os quais merece destaque Pinheirinho (o Soweto latino-americano), ainda hoje impune, apesar das denúncias internacionais.
Por isso, o espancamento e tortura de um menino indigente (e, claro!, afrodescendente), no Rio, não chega a ser uma novidade. É um fato “menor” se comparado com as balas “perdidas” pela policia (e agora também pelo exército) do Rio de Janeiro, São Paulo e outros estados, tão perdidas que nunca podem ser submetidas a prova balística.
Tampouco é novidade que a mídia estimule, justifique e propagandeie o linchamento, um “bônus” para completar a tarefa policial,o apartheidinstitucional, a luta contra a igualdade racial e, nos últimos tempos, a criminalização de passeios de gente pobre por shoppings e bairros caros.
No caso do menino seviciado por um bando de hooligans raivosos, foi uma boa surpresa a reação de sindicatos de jornalistas do Rio e de alguns partidos de esquerda, como o Psol, que condenaram a apologia do linchamento, feita em estilo messiânico por uma apresentadora célebre nos esgotos televisivos. Essa apresentadora tem desconforto com o carnaval, defendeu a “cura gay”, sugeriu métodos “não convencionais” quando Battisti foi liberado e abomina dos que querem um país secular. Nada surpreendente: estas pessoas sempre foram inimigas da alegria, da sexualidade e das mentes libertárias e fãs do obscurantismo e da truculência.
PublicidadeEntretanto, não houve até agora nenhuma reação conhecida dos poderes públicos. As declarações da jornalista configuram apologia do crime, incitação à violência, estigmatização de criança ou adolescente, discurso de ódio e, indiretamente, promoção de ameaças. Com efeito, uma professora universitária que convocou o Ministério Público para atuar contra a psicopata, recebeu telefonemas com ameaças de morte. Eventualmente, essas ameaças podem ser apenas fanfarronadas, mas não pode descartar-se risco real, sendo que os linchadores são pessoas doentes e ressentidas. Muito deste middle-classlimpen está afetado por quadros sádicos, e frustrações sexuais (geralmente, não conseguem ter relações normais e precisam agredir seus parceiros/as) que às vezes podem estourar sem prévio aviso, sobre tudo pela certeza de não serem punidos.
A professora também fez notar que, enquanto os jornalistas do Rio se manifestaram, em São Paulo havia um silêncio suspeito de políticos e comunicadores.
Por outro lado, o conselho da apresentadora (de que as pessoas assaltadas devem tomar a lei com suas próprias mãos), pode criar uma complicada corrente de retaliações. Se alguém faz punição por sua conta, é óbvio que o atacado, que carece de toda proteção, econômica, social, legal e jurídica e que, se for detido, seria torturado e morto, assuma sua defesa também por suas próprias mãos. Afinal, resistindo, essas pessoas talvez possam salvar a vida, enquanto, deixando-se escorraçar, sabem que só lhes espera tormento e assassinato policial. (Este fenômeno foi estudado por Wacquant, Marcuse, Foulcault, Reich e outros intelectuais).
O resultado destas vinganças de jagunços urbanos vai apenas aumentar a violência dos atos criminosos, e não é fácil saber onde pode parar, porque, com ou sem paliativos sociais, os excluídos são muito mais que os algozes. As elites têm armas, dinheiro, poder jurídico, mídia e mercadores da fé. Possivelmente, eles não possam ser derrotados como se pensou depois da Revolução Francesa. Mas, com certeza, podem ser fustigados cada vez mais pelos alvos de seu democídio. E, se cada jagunço urbano, cada fundamentalista, cada nazista, se torna um carrasco, não será raro que milhares de suas vítimas se revoltem. Isso piorará a sociedade para todos, até para alguns setores das próprias elites.
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