Certo dia do ano passado eu e Janete Capiberibe fomos a uma recepção na embaixada de Cuba. Nessas ocasiões, como sempre, os congressistas convidados chegam atrasados, e dessa vez fomos nós. Logo na entrada do salão nos apresentaram ao embaixador do Chile, Jaime Gazmuri, e sua esposa, Paulina Elissetche.
Gazmuri! Mas esse nome me é familiar! Brincando disse-lhes: somos brasileiros de Talca. O casal se entreolhou surpreso, não imaginavam encontrar em Brasília, alguém que soubesse da existência, menos ainda que tivesse vivido em sua cidade. Respondeu-me como um bom talquense: Talca, Paris e Londres.
Traduzindo o curto diálogo, trata-se de uma demonstração de elevada alta estima. No ranking das belas e agradáveis cidades, para eles, primeiro vem Talca, em seguida Paris, depois Londres.
Confesso que fiquei pasmo! Não quis acreditar! Mas era ele! Jaime Gazmuri, o líder do Movimento de Ação Popular Unitária (MAPU), que integrava a Unidade Popular (UP). Alguém que eu ouvia falar e admirava à distância, no Chile em ebulição, onde vivíamos.
Para quem, entre 1970 e 1973, viveu no Chile de Allende e Neruda, certamente lembra com frescor da UP, amada pelos descamisados, odiada pelos engravatados, mas cantada em prosa e verso por uns e por outros. É que o povo, nas eleições de 1970, decidiu pelo voto seguir a via chilena ao socialismo, fazendo de Salvador Allende, seu presidente. A sociedade rachou ao meio, uma banda a favor, outra contra.
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Eu, Janete e Artionka, mais tarde Camilo e Luciana, que nasceram em Santiago, viveríamos por dois anos a luta intensa e dramática entre os dois lados, que infelizmente terminou em tragédia. Salvador Allende e milhares de chilenos foram assassinados sob o comando do famigerado General Pinochet. Nós escapamos por um triz. Quem desejar saber como, recomendo a leitura do livro Florestas do meu exílio, de minha autoria.
PublicidadeDepois desse primeiro encontro com os Gazmuri na embaixada cubana, outros se sucederam. Contou-nos que estiveram exilados por muitos anos. Quando caiu Pinochet, voltaram e retomaram a luta política, Jaime foi eleito senador pela região do Maule, cuja capital é Talca, e Paulina vereadora.
Agora à frente da Embaixada do Chile, em nosso país, designado pela presidenta Michelle Bachelet, também vítima dos horrores da ditadura, promoveu com maestria e sensibilidade, no 18 de setembro, dia da independência do Chile, no teatro Poupex em Brasília, um ato cultural e gastronômico, em que eu e Janete fomos convidados especiais.
Em um discurso habilidoso, agradeceu nossas presenças, apontou avanços na cooperação com o Brasil, reafirmou o compromisso do seu país com a liberdade, com os direitos humanos e a democracia no continente. Em seguida, nos brindou com um show de Izabel Parra, um dos ícones da música chilena, que atendendo pedidos, cantou “Volver a los diecisiete”, composição de sua mãe Violeta Parra, em que foi acompanhada pelo coro da plateia.
Deixei o teatro matutando sobre as voltas que o mundo dá! Feliz com Janete ao meu lado, ainda que, andando apoiada em uma bengala, sequela de um acidente doméstico, e Luciana, nossa filha, nascida no Chile, de mãos dadas com Thomas, nosso neto, nascido em Macapá, cujo pai Gavin, veio ao mundo em Singapura.
Mergulhei nos labirintos da memória, fui bater nas véspera do natal de 1972, quando, depois de ter escapado, sem lenço e sem documentos, dos calabouços da ditadura, subido o rio Amazonas, cruzado a cordilheira dos Andes, e atravessado o deserto de Atacama,com Artionka no colo, chegamos a Santiago, capital do Chile de Allende, Neruda e Gazmuri. Um primeiro e definitivo encontro que rende história até hoje.
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